quinta-feira, 31 de janeiro de 2008
Perguntas vitais
O espectro de Keynes continua a perseguir a direita liberal

As várias direitas liberais da blogoesfera andam assustadas com a insurgência keynesiana em curso. Assustadas é o termo certo porque escasseiam argumentos. O curso da política monetária ou o pacote de estímulos fiscais, agora apoiados pelo FMI, sublinham aquilo que os que conhecem um pouco da história dos EUA já sabiam: o keynesianismo (na sua versão progressista do New Deal ou na sua envergonhada versão militarista e regressiva neoconservadora), assim como o proteccionismo, sempre foram usados quando foi preciso tirar a economia da crise e colocá-la numa trajectória de crescimento (lembram-se dos défices de Reagan? E da experiência monetarista de Volcker que durou apenas dois anos?). A ideologia reaccionária da futilidade, perversidade e risco (termos de Albert Hirschman) da política económica sempre foi para exportação ou para uso académico. Mas mesmo o domínio intelectual das concepções neoliberais, financiado pela generosidade capitalista (para uma próxima posta), está ameaçado. Quem tiver paciência pode ler a «comunicação presidencial» do Prémio Nobel George Akerlof ao encontro da American Economic Association de 2007: como uma abordagem mais realista ao comportamento dos agentes económicos ajuda a recuperar as principais ideias dos modelos keynesianos. Quem tiver lido a Teoria Geral no original, e não nas suas versões abastardadas de manual, sabe que há ali muita sabedoria sobre o comportamento dos agentes económicos, por exemplo, nos mercados financeiros. Muitos especuladores têm confirmado isto ao longo dos anos. Além disso, alguns dos desenvolvimentos recentes da finança comportamental corroboram-no. Keynes está de volta. Habituem-se.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2008
L'esprit du temps?
A reacção de Vital Moreira à resposta crítica da esquerda francesa, suportada por este contra-relatório redigido por economistas de esquerda, aos diagnósticos e propostas do relatório Atali de aprofundamento da liberalização da economia francesa apenas mostra duas coisas: (1) como o «socialismo moderno» vai perdendo todos os traços distintivos que o separavam da direita (a francesa tem Sócrates como modelo) a partir do momento em que aderiu à crença de que a concorrência mercantil é o alfa e ómega de toda a vida económica; (2) como os dois movimentos, cada vez mais convergentes até na retórica, levam alegremente a União para o famigerado modelo anglo-saxónico em crise. A única questão interessante é saber se esta deriva irá dar origem a uma recomposição do espaço político à esquerda. Esta é a tarefa em toda a Europa. A Alemanha aponta o caminho.
Zeitgeist?
O Partido da Esquerda (Die Linke) obteve um resultado histórico ao conseguir eleger deputados nas eleições regionais em dois estados na parte ocidental da Alemanha (5,1% em Hessen e 7,1 na Baixa Saxónia). É agora um partido com implantação nacional. Como assinalava, na semana passada, esta detalhada reportagem do sempre atento, embora também enviesado, Financial Times (o melhor barómetro daquilo que preocupa os defensores do status quo neoliberal), o crescimento da esquerda alemã é parte de um forte contra-movimento que está a contestar as crescentes desigualdades e a duradoura compressão dos salários. Diz-se que o SPD, cada vez mais pressionado à esquerda, teve de repudiar parcialmente a famigerada agenda 2010 que reduziu fortemente os direitos dos trabalhadores alemães e que, graças a essa viragem, conseguiu alcançar bons resultados. Aumento das despesas sociais e salário mínimo são alguns dos novos temas na agenda política. A seguir com atenção. Para ver se aprendemos alguma coisa. Para ver se a ala esquerda do PS - que oscila entre a excessiva discrição ou, como bem sublinha Daniel Oliveira, a inconsistência - aprende alguma coisa.
A história repete-se?
Na tradição de Schumpeter (um nome demasiado citado por gente que nunca o leu), Carlota Perez publicou em 2002 um livro intitulado Technological Revolutions and Financial Capital: The Dynamics of Bubbles and Golden Ages, onde procura relacionar as grandes alterações tecnológicas e os comportamentos dos mercados financeiros.
A tese de Perez consiste, essencialmente, na noção de que os colapsos financeiros estão associados a uma sequência de fases de desenvolvimento que se iniciam com a introdução de constelações de novas tecnologias e novos materiais, que transformam radicalmente o funcionamento da economia e de toda a sociedade (vapor, caminhos-de-ferro, aço, electricidade, motor de combustão, petróleo, matérias sintéticas, microprocessadores, ...).
Quando tais constelações de inovações radicais surgem, poucos dão conta da sua presença e do seu potencial. A maioria do sistema económico continua a produzir como dantes e são poucos os investimentos atraídos para o desenvolvimento dos novos domínios. Mas à medida que as novas tecnologias se aperfeiçoam, que diminui o seu preço, que são adoptadas por alguns sectores pioneiros e que dão origem a negócios de sucesso, todas as atenções se viram para elas.
E do desdém, a pouco e pouco, nasce a euforia: muitos querem ser os Bill Gates da próxima geração, ainda mais são os que começam a apostar nas acções da próxima Google. Em breve, a especulação atinge proporções nunca vistas e o preço dos activos financeiros distancia-se cada vez mais dos lucros da esfera real da economia. A acumulação de riqueza na esfera financeira gera não só mais instabilidade, mas também uma pressão crescente sobre a esfera produtiva - exigindo-se lucros impraticáveis a todo o custo (o que, tipicamente, inclui despedimentos em massa, adiamento de investimentos com retornos de longo prazo, práticas fraudulentas, etc.). Com os especuladores habituados aos elevados lucros proporcionados pelas apostas certeiras nas tecnologias vencedoras, a espiral do casino não pára, alargando-se as apostas ao preço futuro das casas, das obras de arte, das matérias-primas e de tudo o que for passível de especulação. O resultado é sempre o mesmo (foi assim em 1797, em 1847, em 1893, em 1929, em 2000, ...) - o colapso das bolhas especulativas e as crises financeiras (concentradas num só grande evento - como em 1929 - ou dispersas numa sucessão de episódios - 1987, 1992, 1997, 1998, 2000, 2007, ...), que destroem em poucas horas poupanças de vidas inteiras e produzem efeitos recessivos sobre as economias reais (com aumento do desemprego e da incerteza).
A história mostra que estes períodos de crise são momentos de viragem. As tensões estruturais (desigualdade, instabilidade, incerteza, desemprego) tornam-se insustentáveis, levando o próprio sistema a sentir necessidade de repor as condições político-institucionais para o crescimento económico. O resultado deste processo é essencialmente indeterminado: a forma como as tensões são resolvidas (ou pelo menos atenuadas), e o tempo que demoram a sê-lo, dependerão dos interesses em jogo, da lucidez dos principais actores envolvidos, do seu poder relativo, bem como da eficácia das forças sociais relevantes. A mesma crise pode estar na origem de uma Alemanha hitleriana ou de um ‘New Deal’ americano. Em suma, a história repete-se, mas estranhamente nunca sabemos o fim da mesma.
Se tivesse de apostar, alinharia com Michel Husson (ver este post do João) e diria que o tempo das crises está para durar - por muito que as soluções para as evitar estejam à vista de toda a gente.
terça-feira, 29 de janeiro de 2008
Ecos da mini-remodelação (4): a questão
Ecos da mini-remodelação (3): é preciso ter lata
Ecos da mini-remodelação (2): então podemos estar descansados
Ecos da mini-remodelação (1): Diz-me com quem andas...
A desigualdade mata II
FMI?
Sobre isto vale a pena ler este artigo de opinião no Jornal de Negócios.
segunda-feira, 28 de janeiro de 2008
Mirandismos em crise

Os liberais intransigentes têm muito que explicar. Afinal de contas a crise vem pôr em causa as suas crenças mais profundas. Começou o trabalho para salvar a fé. Duas estratégias insustentáveis, bem visíveis nesta posta de João Miranda no blasfémias reconstruído: (1) culpar o poder político (a Reserva Federal); (2) declarar que a crise financeira é inevitável e natural como as estações. A segunda estratégia só pode ser mantida graças ao desconhecimento da história económica. Compare-se o período que vai dos anos quarenta aos anos setenta, caracterizado por controlos de capitais, forte presença pública na banca e regulamentação apertada, e o período de reforma financeira neoliberal, a partir dos anos setenta, e tira-se uma conclusão que tantos estudos sublinham: no primeiro período houve muito menos crises financeiras. Mais: a Índia e a China, por exemplo, puderam evitá-las no segundo período, ao contrário de muitos países em desenvolvimento, porque, apesar de tudo, mantiveram um sistema financeiro e cambial que está muito longe das prescrições dos «fundamentalistas de mercado». A primeira estratégia obscurece as responsabilidades de um sistema financeiro crescentemente liberalizado. Sublinhar apenas que os cortes de taxas de juro que a Reserva teve de efectuar nos primeiros anos do milénio se destinaram a evitar mais uma aguda crise de mercado. Depois é preciso assinalar que a criação de moeda é também um processo endógeno à finança, relacionado com as operações dos bancos nas suas inovadoras actividades de concessão de crédito e com a existência de abundante liquidez na economia mundial em busca de valorização (a Reserva tem limitada influência sobre estes processos). Além disso, estes processos de mercado sempre mereceram o aplauso de Greenspan e Bernanke (economistas com fortes influências dos libertários de direita) e dos neoliberais de todos os partidos. Esta crise é interna ao mercado e mostra as suas limitações. De qualquer forma, quem confia tanto na omnisciência dos agentes de mercado tem de explicar como é que os operadores privados foram «enganados» pelo poder político e participaram em movimentos de «sobre-investimento» (João Miranda) e em processos especulativos que se revelaram tão insustentáveis, perigosos e opacos. Há tanta coisa para rever.
A economia tem de ser de esquerda II
domingo, 27 de janeiro de 2008
A economia tem de ser de esquerda
As propostas keynesianas do Prémio Nobel Joseph Stiglitz ganham agora uma nova urgência: «Devíamos começar por reforçar o sistema de seguro-desemprego, porque o dinheiro recebido pelos desempregados será gasto imediatamente (. . .) A assistência federal deveria vir na forma de apoios à reconstrução das infra-estruturas mais importantes. Mais apoio federal para os orçamentos de educação dos estados também reforçaria a economia no curto prazo e promoveria o crescimento no longo prazo. O mesmo acontece com os gastos na promoção da conservação de energia e da redução de emissões [de carbono]».
Em comum a defesa de que o «capitalismo purificado» não tem como sair espontaneamente da crise, resultado dos seus desenvolvimentos internos, sem causar devastação económica e sofrimento social evitáveis e assimetricamente distribuídos.
Estímulos igualitários
Barbara Ehrenreich é uma das jornalistas mais atentas à fracturada sociedade norte-americana. Em artigo na The Nation escrutina os «estímulos» que estão agora a ser propostos. Em momentos de crise faz todo o sentido canalizar apoios públicos para os mais pobres que exibem uma maior «propensão ao consumo» capaz assim de sustentar a procura em queda. A prova de que estratégias igualitárias fazem todo o sentido económico. No entanto, a autora defende que é imperioso não ficar por aqui e enfatizar a dimensão moral das imensas necessidades humanas não satisfeitas numa sociedade capitalista tão desigual. A crise deve abrir a possibilidade para se discutir de novo o crescente divórcio entre mercados em expansão, capazes de reconhecer apenas preferências individuais suportadas por dinheiro e as necessidades não satisfeitas dos sectores mais pobres. É preciso mudar de modelo económico e repensar as linhas que separam aquilo que deve ser provisionado pela comunidade política e assegurado a cada membro e o que pode ser deixado às forças do mercado.
sábado, 26 de janeiro de 2008
A desigualdade mata
sexta-feira, 25 de janeiro de 2008
A esquerda do lado da oferta repensa as prioridades?
A esquerda do equilíbrio orçamental como fim último da política económica e das transformações mercantis da provisão pública parece que está a começar a revisitar os méritos da instituição de reformas estruturais (ainda que tímidas) que encurtam a rédea da finança capitalista e de intervenções conjunturais que reabilitam a política económica keynesiana. Talvez a crise possa afinal reverter o plano inclinado do «socialismo moderno». Optimismo da vontade.
Mega fraude na société Générale
A fraude foi cometida através de actividades de cobertura de futuros sobre índices bolsistas. Perante a queda vertiginosa dos mercados, este homem de 30 anos não conseguiu disfarçar por mais tempo as perdas. A grande questão agora é perceber o que o levou a cometer esta fraude porque segundo diz o banco o seu empregado pouco ou nada ganhou com o assunto.
quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
Certificados de aforro: mais um frete à banca?
É a última grande novidade deste governo: a emissão de uma nova série de certificados de aforro, que acaba com o poder atractivo destes produtos de poupança face à concorrência privada. Na nova série (C), a taxa de remuneração base continua indexada à Euribor mas vai ser mais baixa logo que os juros comecem a cair (devido à nova fórmula de cálculo); e o prémio de permanência (que era a grande vantagem dos certificados) é completamente revisto, não só alargando-se o prazo necessário para atingir a taxa máxima (de quatro para nove anos), como impedindo que o aforrador possa manter essa taxa máxima por mais do que um ano.Por outro lado, relativamente aos certificados actuais, que as pessoas (na maioria idosos) já subscreveram, o Governo também não se coibiu de reduzir a taxa de remuneração, violando os direitos adquiridos pelos aforradores que, quando compraram certificados, fizeram-no com base num conjunto de condições. Há muito tempo que se diz que as actuais condições remuneratórias dos certificados de aforro eram demasiado vantajosas, saindo muito caro aos cofres do Estado. Até pode ser verdade. Mas também é verdade que quem beneficia directamente com esta descaracterização dos certificados são os bancos e outras instituições financeiras que comercializam produtos semelhantes (até o nome é igual em alguns casos) e que a partir de agora passam a ser mais rentáveis do que os do Estado.
Sócrates fez tudo o que pôde mas não conseguiu a recessão
O plano B da The Economist para Portugal
O homem não tem medo das palavras e diz mais à frente, em entrevista ao Jornal de Negócios: "Se a conjuntura se deteriorar fortemente, e esse é um cenário que não pode ser descartado, o único instrumento que o Governo tem em mãos é a política orçamental e fiscal". Pacek dá como exemplo a redução de impostos e o lançamento de um "programa de obras públicas para manter a procura dinâmica". E finalmente, chega à blasfémia: "Não veria nada de errado se, por exemplo, o Governo em 2008, por causa da conjuntura externa, decidisse esquecer o limite [do défice orçamental] de 3% [do PIB] e o deixasse chegar aos 4%, desde que se tratasse de uma medida temporária".
Perante a perplexidade da jornalista, Nenad Pacek recorda que "esta é uma resposta normal em tempos de crise". A jornalista acrescenta que "é a velha receita keynesiana" ao que o economista pivot da conferência The Economist responde com naturalidade: "sim, e é uma boa receita. Os Estados Unidos estão a tentar fazer o mesmo". Se fosse um português a dizê-lo (como os ladrões têm feito aqui exaustivamente) punham-lhe o carimbo de "esquerdista e radical irresponsável" e ninguém o levava a sério. Mas assim pode ser que alguém dê ouvidos a este sensato conselho.
A especulação é a juventude do mundo
Davos farpado
O fórum económico mundial de Davos é um dos lugares privilegiados de encontro do que Philip Mirowski chamou recentemente o «colectivo intelectual neoliberal». Intelectuais públicos, homens de negócio privados, cujas actividades têm óbvio impacto público, e dirigentes políticos de todas as escalas socializam protegidos por arame farpado. Alguns artistas bem intencionados desempenham o habitual papel do idiota útil. São as redes sociais que lubrificam os mercados e que vão corroendo a separação público/privado de que o liberalismo fazia gala. Henry Mintzberg, um guru da gestão, resumiu bem a coisa: «Davos, onde as pessoas que passaram 51 semanas a criar os nossos problemas tiram uma semana de folga para tentar resolvê-los» (Financial Times). Só discordo da última parte: «para tentar resolvê-los».
Aprender com os especuladores
George Soros é um dos mais conhecidos especuladores, agora transformado em filantropo e crítico do «fundamentalismo de mercado», ou seja, crítico da crença de que os mercados tendem para o equilíbrio se dermos rédea solta aos impulsos egoístas dos indivíduos. Hoje, o Público tem um artigo escrito por si que vale a pena ler (aqui está uma versão em inglês já que a tradução não só não está disponível como é péssima). Soros diz que estamos perante a crise «mais grave dos últimos sessenta anos». Sublinho os seguintes pontos: (1) a importância da ideia keynesiana da «reflectividade» (sim, não é ele o autor da ideia) para explicar as dinâmicas desestablizadoras dos mercados financeiros alimentados a crédito o que origina, em contexto de incerteza inevitável sobre o valor fundamental dos activos, uma interacção perversa, e que se alimenta mutuamente, entre a valorização dos activos e a disponibilidade de crédito; (2) esta interacção alimenta inovações financeiras que prolongam o ciclo de crédito e que aumentam a fragilidade financeira do sistema e a sua opacidade; (3) a desregulamentação e a liberalização financeiras geraram um incremento da especulação (de que Soros muito beneficiou diga-se), ou seja, aumentaram os canais para o comportamento que consiste em deter activos com o único objectivo de os revender mais tarde; (3) neste contexto as possibilidades da política monetária sustentar os mercados estão muito diminuídas e esta pode até ter efeitos perversos. Fundamentalismo de mercado e desregulamentação. As causas profundas dos desequilíbrios profundos na economia global. Se a política económica não tiver em conta estes dois elementos servirá para muito pouco. Reduza-se a taxa de juro, use-se o défice e, ao mesmo tempo, ataque-se o problema de fundo e as suas causas estruturais: a hegemonia da finança de mercado, os padrões de distribuição gerados e a ideologia que os legitima.
quarta-feira, 23 de janeiro de 2008
A economia da turbulência
A importância dos mercados financeiros é de tal ordem que as causas da recente crise parecem estar neles encerradas. No entanto, se é certo que estes hiperbolizam os efeitos das fases ascendentes e descendentes da economia real, é nesta última que devemos encontrar as respostas para a crise. Robert Brenner é dos poucos a arriscar uma explicação para a euforia financeira das duas últimas décadas e para a consequente multiplicação das crises financeiras. Autor em 1998 de um número especial da New Left Review dedicado à história económica do pós-guerra, Brenner foi considerado, pelos editores da revista (algo exageradamente diga-se), como o herdeiro do trabalho iniciado por Marx no século XIX.
Para este autor, a economia mundial sofre, desde os anos setenta, de excesso de capacidade produtiva, reflectida em menores taxas de lucro médio da indústria e nas fracas taxas de crescimento económico e investimento dos últimos trinta anos nas principais economias mundiais (EUA, Japão, Alemanha) quando comparados com as décadas «gloriosas» de crescimento que se seguiram à 2º Guerra Mundial. Nos anos oitenta a resposta a este problema tomou duas direcções diferentes. Por um lado, verificou-se uma enorme ofensiva contra os direitos dos trabalhadores (aumento do desemprego e estagnação salarial) de forma a desequilibrar a repartição do rendimento entre capital e trabalho, favorecendo o primeiro. Por outro lado, como estimulo à actividade económica, os Estados contraíram enormes quantidades de dívida pública neste período. Uma tendência revertida nos anos noventa quando os défices públicos foram sendo substituídos por défices dos agentes privados impulsionados por preços especulativos de determinados activos - primeiro das acções «tecnológicas», mais recentemente dos activos imobiliários.
Contudo, estes estímulos não resolveram os problemas de excesso de capacidade produtiva. A sobreacumulação de capital não só persiste como foi agravada. As taxas de lucro continuam longe dos níveis dos anos cinquenta e sessenta. Assim, quando as bolhas especulativas implodem os problemas estruturais da economia mundial emergem com mais força. É muito cedo para afirmar se esta crise financeira é o fim da economia especulativa sob o domínio da finança que manteve a economia mundial à tona durante as últimas décadas, mas, se o diagnóstico de Brenner for correcto, devemos esperar que a gravidade e frequência destas crises aumente.
Reformas
Onde o Estado desaparece, o mercado emerge...mas só para quem pode.
Teixeira dos Santos ou o ‘optimismo balofo e gratuito’

Andava o governo português todo pimpão a dar ares que contava para alguma coisa na «Europa» e agora os governos dos países que realmente contam - Itália, Alemanha, França e Reino Unido - reúnem-se a sós para discutir a crise financeira e os ventos nefastos oriundos do capitalismo norte-americano que a União até agora tem aceite com tanto prazer que até lhes vai abrir ainda mais a janela em Tratado. De Lisboa. Teixeira dos Santos mostrou o seu desagrado. Concordo inteiramente. Mas reparem: que contributo pode o actual governo português dar? Apelar ao cumprimento da «meta» do défice orçamental? Dizer, como Teixeira dos Santos, que a «análise objectiva» da situação concreta indica que não há problema e que tudo se resolverá no melhor dos mundos, «bastando» para isso que os «desequilíbrios» na economia norte-americana se corrijam? Automaticamente? Como que por uma mão invisível? Não sei. Só sei que a ideologia do controlo do défice como objectivo último da política económica vai ter que sofrer um grande abanão. Estas reuniões mostram acima de tudo como a actual arquitectura do «governo económico» da UE e as suas opções de política económica são um obstáculo a uma resposta adequada à crise que aí vem e que, na realidade, nunca chegou a abandonar Portugal. O BCE entretanto parece que vai acordar. Um dia. Vai ser uma grande viragem. E muitas mais serão necessárias. A crise tende a corroer as ortodoxias que lhe preparam o terreno. Ainda bem. Porque há alternativa.
terça-feira, 22 de janeiro de 2008
'A catástrofe eminente e os meios de a conjurar'

Os sinais de recessão avolumam-se e o «pânico» generaliza-se entre os especuladores. A crise financeira, que marca o fim de um longo período de euforia, está associada à ruptura das convenções que tinham sustentado as dinâmicas colectivas de crescimento dos preços dos activos que agora se revelam insustentáveis. Isto faz com que, na ausência de referências que polarizem a suas expectativas, os agentes entrem num período de desconfiança absoluta em relação à pertinência das dinâmicas financeiras anteriores e com que surjam, de novo, as lógicas autoreferenciais e miméticas típicas dos mercados financeiros. Só que agora num sentido descendente. Numa situação de ruptura da convenções, em que as forças da desconfiança emergem, o comportamento mais «razoável» é procurar «sair» do mercado o mais rapidamente possível, o que se traduz na generalização da chamada «fuga para a qualidade», isto é numa fuga para activos que são considerados absolutamente seguros. Aqui entram os títulos da dívida pública, «a espinha dorsal dos mercados financeiros», segundo o FMI. Aqui entra a Reserva Federal (Ben Bernanke é supostamente um dos mais reputados investigadores da «grande depressão») que com um corte abrupto e inesperado das taxas de juro procura criar novos «pontos focais» que evitem a emergência da crise aguda como nova convenção do «mercado». Paradoxalmente pode ter o efeito contrário no curto prazo. Já imaginaram o que aconteceria se não existisse dívida pública ou o que, o agora famoso, Hyman Minsky chamou «Big Government» e «Big Bank»? Temo é que não sejam grandes o suficiente. . .
Nota. Abram a Teoria Geral de Keynes no capítulo 12. Acho que está lá o essencial sobre a «psicologia» dos mercados financeiros e algumas boas ideias para começar a tornar, a prazo, o destino das economias menos dependente das suas alternâncias de euforia e pânico: «A criação de um elevado imposto sobre as transferências para todas as transacções talvez fosse a mais salutar das medidas capazes de atenuar, nos Estados Unidos, o predomínio da especulação sobre a empresa».
Regulação e a palavra «suja» começada por N
A conversão do «novo trabalhismo» às virtudes de uma paisagem económica marcada pelo domínio da finança de mercado, assente na poderosa City londrina, foi um dos mais mais eloquentes símbolos da extensão da vitória neoliberal nos anos noventa. Antes da actual crise, a regulação «ligeira» e um regime fiscal favorável faziam as delícias dos especuladores que afluíam para Londres aos magotes. O governo britânico «explicava» pacientemente ao resto da União Europeia e do mundo as virtudes deste sistema e bloqueava quaisquer veleidades regulatórias ou fiscais harmonizadoras. «Socialismo moderno» no seu melhor. Os neoliberais de todos os partidos aplaudiam o dinamismo da «economia» e viam as crescentes desigualdades como um preço a pagar ou como uma virtude a nutrir. As dinâmicas concorrenciais entre espaços nacionais pareciam ir acentuando o plano inclinado. E depois veio a crise e a comprometedora corrida ao Northern Rock a revelarem aos mais desatentos ou esquecidos o que acontece quando a finança anda demasiado solta e a «especulação» leva a melhor sobre a «empresa» (Keynes). Agora vem o tempo de revisão das crenças. Fala-se com mais intensidade de uma agência europeia de regulação. De maior controlo da finança. O «modelo britânico» começa a ser olhado com suspeição. O «novo trabalhismo», no entanto, permanece tão obcecado em livrar-se de qualquer traço socialista que a solução mais óbvia para o problema do Northern Rock - a nacionalização - é substituída por uma confusa ajuda pública aos investidores privados - «nacionalização sem os seus benefícios» (Financial Times).
segunda-feira, 21 de janeiro de 2008
Universal e Gratuito
O resultado é o lento asfixiamento do serviço nacional de saúde público, universal e gratuito. Quem pode pagar passa a recorrer a cuidados privados; quem não pode recorre a um medíocre sistema assistencialista de saúde. O mercado ocupa o lugar deixado vago. E, depois, já sabemos, devido à aberrante assimetria de poder presente neste mercado, caminhamos a passos largos para um sistema ineficiente «à americana», onde elevados gastos não têm qualquer correspondência na qualidade de cobertura dos serviços de saúde. A única forma de preservar o SNS é, pois, garantindo um serviço de qualidade, de fácil acesso, em que todos, ricos e pobres, sintam confiança.
Não foi por acaso que surgiu esta onda de contestação ao ministro da saúde. As populações, sobretudo aquelas que assistem há anos a um progressivo desaparecimento de serviços públicos, não estão dispostas a perderem o bem público que mais valorizam. Esta petição, sucinta quanto baste, é uma boa forma de mostrarmos como esta é uma luta de todos nós.
Recessão
domingo, 20 de janeiro de 2008
Ironias da história económica
O «complexo Wall-Street-Tesouro» dos EUA, directamente, ou por intermédio do FMI e do Banco Mundial, tudo fez para que os países em vias de desenvolvimento aderissem ao malfadado «consenso de Washington». Isto foi nos anos oitenta e noventa, o período dourado do neoliberalismo. As privatizações maciças, e tantas vezes desastrosas, eram um dos principais pilares de um consenso que entretanto se esboroou. Felizmente nem todos os governos seguiram essa receita e muitos dos que a seguiram já a ultrapassaram. Aprenderam com as crises económicas recorrentes. E agora, como já aqui o Nuno Teles tinha notado, estamos perante uma dessas deliciosas ironias da história económica: são os governos dos países emergentes que utilizam as suas colossais reservas para, através de fundos de investimento detidos pelo Estado, «salvar» os colossos financeiros privados de Wall-Street. Estes fundos estão a crescer (embora o seu peso seja ainda diminuto) e as suas justificações são variadas: desde puras estratégias de rentabilização de activos até instrumentos da reabilitada política industrial. Sobre os «fundos soberanos» e o emergente «capitalismo de Estado» vale a pena ler agora o excelente artigo de Andrew Leonard (via blogoexisto) e a sempre atenta, e quando a crise aperta pragmática, The Economist.
sábado, 19 de janeiro de 2008
Quando é que a União Europeia aprende?
Aprofunda-se a crise económica nos EUA. As coisas estão mesmo negras. O poder político, em despero de causa, faz o que pode neste contexto: mobiliza, com a autonomia que caracteriza a potência hegemónica, os instrumentos de política económica. A Reserva Federal corta decididamente as taxas de juro e agora, no seguimento de várias propostas focadas na promoção da procura, anuncia-se um «estimulo fiscal» temporário de 140 mil milhões de dólares. Os EUA são assim: quando a crise do modelo neoliberal aperta, as receitas ortodoxas de política económica são mesmo só para os outros. Mais uma vez: quando é que a UE aprende? É que não se não é keynesiano quem quer, mas sim quem pode, a Europa pode, mas não quer. Até quando?
sexta-feira, 18 de janeiro de 2008
Um caso interessante
quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
Desigualdades salariais
Onde é que os liberais traçam a linha?
A crise, sempre a crise, a revelar a natureza utópica dos projectos neoliberais. Martin Wolf, editorialista do Financial Times (FT) e insuspeito de simpatias socialistas, tem sido muito citado neste blogue. Isto deve-se ao facto de ser hoje um dos mais atentos observadores, dentro das correntes de opinião que se exprimem em jornais como o FT, das complexas dinâmicas que estão a redefinir a relação entre Estado e mercados. Em artigo recente, Wolf reconhece implicitamente que os processos de liberalização financeira foram responsáveis pelas mais de 100 crises bancárias ocorridas nas últimas três décadas. Isto obriga-o a identificar as especificidades do sector financeiro e a necessidade de um controlo público muito superior ao existente: (1) «são quase o único sector capaz de devastar a totalidade da economia»; (2) «em nenhum outro sector a incerteza é tão relevante»; (3)« é muito difícil para os que estão no exterior observar a qualidade da tomada de decisões, pelo menos no curto prazo». E não há sofisticação e inovação financeiras que resistam a isto, como aliás as sucessivas crises financeiras nos EUA mostram. Um dos seus principais pontos chama imediatamente a atenção: «temo que a combinação de fragilidade do sistema financeiro com as remunerações gigantescas que gera para os insiders [ver caso BCP] irá destruir algo muito importante - a legitimidade política da própria economia de mercado - um pouco por todo o lado». Esperemos que, pelo menos, mine a legitimidade de algumas das suas variedades. Como bom liberal, Wolf sabe que é altura do Estado «intervir» para pôr ordem nas aberrações do «mercado»: é preciso alterar os incentivos dos gestores que geram os comportamentos de risco e isto exige intervenção dos poderes públicos. O problema é onde traçar a linha. Aqui entra a dinâmica política: é preciso traçá-la o mais longe possível por forma a terminar com a preponderância nefasta da finança de mercado. Acabar com off-shores, limitar a especulação disfarçada de «inovação financeira», limitar as práticas predatórias dos bancos, reconhecer e reforçar a presença pública no sector financeiro. Pesada agenda para superar o neoliberalismo, essa «expressão ideológica da hegemonia da finança». A linha de Wolf ficará um pouco mais atrás. Não sei bem onde. Nem ele. Nem ninguém.
quarta-feira, 16 de janeiro de 2008
O mercado faz mesmo mal à saúde
Pelo Margens de Erro tomei conhecimento deste estudo que traduz bem os custos de um sistema privado de saúde. A liberal The Economist, sempre tão confiante na bondade do mercado, apresenta-o esta semana com inusitada circunspecção. Os EUA gastam mais em cuidados de saúde (em % do PIB) do que qualquer outro país. E são, entre os países ricos, aquele onde as «mortes evitáveis» entre os homens menos caíram entre 1997 e 2003. Se a sua performance estivesse alinhada com a média ter-se-iam evitado 75000 mortes por ano. As consequências nefastas da extensão do mercado a todas as esferas da vida social não têm preço.
A economia não tem uma bola mágica, mas pode ter uma agenda
terça-feira, 15 de janeiro de 2008
Redução da pobreza?
Nota: É comum confundir-se medianas com médias. Quando se fala de rendimento mediano nacional falamos do rendimento que divide 50% da população nacional. Ou seja, um português que tenha um rendimento superior a este estará automaticamente nos 50% "mais ricos".
O que vem dos EUA?
Vale a pena ler este artigo de Joseph Stiglitz: «O governo Bush espera retardar uma vaga de despejos - passando para o próximo presidente os problemas da economia, como está a fazer com o lodaçal iraquiano. As suas possibilidades de êxito são escassas. Para os Estados Unidos hoje, a verdadeira interrogação é se haverá uma depressão breve e estrepitosa ou uma desaceleração prolongada, mas menos profunda». Entretanto, Barney Frank, presidente democrata da comissão de serviços financeiros do Congresso, escreve no Financial Times sobre as consequências negativas de uma «experiência de trinta anos de desregulamentação radical»: desigualdades abissais, sem precedentes desde os anos vinte, e crise financeira. Assim se mostra como, apesar de todas as cautelas, a realidade lá se vai encarregando de mostrar que é urgente uma «nova maré de regulação». Entretanto, Chris Hayes identifica, em artigo na The Nation, os efeitos positivos que a campanha combativa de John Edwards está a ter no debate político norte-americano. Pode não ganhar, mas as suas ideias fortes sobre acesso universal aos serviços de saúde, ambiente, desigualdades ou salário mínimo parecem estar a afastar os democratas da perniciosa herança neoliberal dos «novos democratas» de Bill Clinton.
segunda-feira, 14 de janeiro de 2008
A esquerda que conta II
Movimentos na teoria com impactos políticos - a economia como engenharia social
Um desenvolvimento interessante no que podemos designar por estudos económicos - área «pós-disciplinar» que reúne economistas, sociólogos, antropólogos e estudantes da ciência em geral - diz respeito à discussão dos efeitos que a teoria económica pode ter sobre a realidade que supostamente se limita a descrever. Na formulação mais extrema no debate, compilado neste livro, defende-se que a teoria económica dominante, assente no modelo do agente económico racional e na expansão de arranjos mercantis - teria a capacidade para moldar a realidade à imagens dos seus pressupostos teóricos: a teoria económica é «performativa» porque desenvolveu instrumentos capazes de, tal como em qualquer engenharia, construir sistemas e mecanismos que tornariam verdadeiros os seus pressupostos. O homo economicus não existe, mas pode ser construído.Michel Callon é o proponente desta provocadora e muito problemática tese, segundo a qual o «critério de sucesso teria substituído o de verdade» numa ciência que seria agora «90% engenharia e 10% teoria». Os famosos desenhos de leilões, a definição de regras para novos mercados ou a criação de instituições e mecanismos híbridos seriam exemplos deste processo. A teoria dos jogos e a economia experimental seriam as áreas da ciência económica implicadas. Os economistas envolvidos têm obviamente interesse em acompanhar esta ideia porque a sua «utilidade social» parece sair reforçada aos olhos da «opinião pública», sempre ansiosa por saber «para que é que serve a teoria».
E, no entanto, os estudos de caso realizados parecem dizer que a construção de mercados é um processo bem mais complexo e que a participação da teoria é muito menos importante do que muitos economistas gostariam. Na realidade, a teoria «pura» serve de muito pouco no processo concreto de construção de um mercado. Aqui estamos no reino de todas as «impurezas» políticas, sociais e culturais. O que não quer dizer que a teoria não possa ter efeitos. Destacaria dois: (1) a economia produz discursos que influenciam a forma como as pessoas olham para o mundo; (2) a economia influencia, de formas múltiplas, o desenho de instituições que impõem certos padrões de interacção que nunca são neutros nos valores promovidos.
Uma coisa é certa: com este debate desaparece a ideia de que o mercado é uma instituição de geração espontânea. A economia é, pelo menos, uma ideologia que ajuda a legitimar muitos dos processos que impõem a mercadorização da vida social. Por outro lado, ganha peso a ideia de que o mercado é uma tecnologia de afectação de recursos que pode ser moldada, através do recorte particular dos direitos e obrigações que cada agente enfrenta, para alcançar propósitos socialmente desejáveis. O que não quer dizer que se deixe de poder falar de propriedades «essenciais» desta instituição ou de defender que, em capitalismo, existem assimetrias que fazem com que certos interesses sejam sistematicamente privilegiados.
domingo, 13 de janeiro de 2008
A esquerda que conta
O destino da terceira via
Era previsível, demasiado previsível: Tony Blair foi convidado para «trabalhar» como consultor estratégico da J. P. Morgan, um dos maiores colossos da finança mundial. Diz-se que irá ganhar um milhão de libras por ano. É a recompensa para quem sempre se mostrou, enquanto governante, «extraordinariamente relaxado» com a acumulação de riqueza em poucas mãos. A economia e a sociedade britânicas que apanhem os cacos de um regime macroeconómico essencialmente assente no endividamento e na especulação financeira. O «socialismo moderno» acaba sempre no bolso de uma qualquer multinacional. Na Grã-Bretanha, na Alemanha ou, daqui a alguns anos, em Portugal.
sexta-feira, 11 de janeiro de 2008
mas Sarkozy só quer a felicidade
Como assinala Sérgio Aníbal, um dos nossos jornalistas económicos de referência, Sarkozy, em abrupta queda de popularidade, decidiu romper com a ideia, subjacente ao PIB, de que «o que não se conta não conta» e encomendar a Amartya Sen e Joseph Stiglitz, dois dos principais economistas da actualidade e cuja obra rompe com todas as ideias feitas do senso comum neoliberal, «o cálculo de uma medida de crescimento que leve em conta a qualidade e não apenas a quantidade». Muito pertinente. No entanto, como vários economistas têm afirmado, e Sérgio Aníbal não se esquece de nos lembrar, esta iniciativa é contraditória com os esforços de Sarkozy para instituir em França um ‘regime norte-americano’ com semanas de trabalho cada vez mais longas e indivíduos cada vez mais focados no consumo e na acumulação de activos. Sobretrabalho, sobreconsumo e sobreendividamento . A melhor receita para a infelicidade.
A França deprime-se porque é desigual...
Ao contrário do que muitas vezes se pensa, a França é um país com uma das taxas de sindicalização mais baixas do mundo desenvolvido e com uma das maiores diferenças, antes de impostos, entre o salário médio dos quadros superiores e profissões intelectuais e o salário médio dos trabalhadores menos qualificados (2,38). Só é ultrapassada pela Eslovénia (2,56) e, claro, por Portugal (3,33) onde a preocupação fundada com os efeitos nefastos das desigualdades é apelida de «populista». Na Suécia e na Dinamarca, economias altamente competitivas, com elevados níveis de sindicalização e com uma tradição de concertação social e de fixação dos salários mais ou menos centralizada, as desigualdades salariais são muito inferiores (1,83 e 1,79 respectivamente). Em países à partida menos desiguais é muito mais fácil financiar um estado social generoso que protege as pessoas contra os «ventos frios» do mercado. Estas coisas só se podem ler na Alternatives Economiques, a melhor revista de informação económica de esquerda.
quinta-feira, 10 de janeiro de 2008
Onde está a ala esquerda do PS?
Democracia limitada para um mercado sem fim

A decisão, tomada pelo PS, de não convocar um referendo sobre o Tratado Constitucional reciclado, assim violando mais uma vez os seus compromissos eleitorais, fez-me lembrar uma frase de F. Hayek, o Papa de todas as utopias liberais: «Duvido que um novo mercado alguma vez tenha emergido numa democracia ilimitada e parece-me provável que a democracia ilimitada terá tendência para o destruir onde quer que ele tenha emergido». De facto, poucas decisões dizem tanto sobre as derivas do projecto de integração europeia. E são estes vaguardismos neoliberais anti-democráticos que estão a corroer as suas imensas potencialidades. O sonho de Hayek realiza-se pela mão da social-democracia: uma democracia de fraco alcance protege um poder apostado na expansão do mercado.
quarta-feira, 9 de janeiro de 2008
Estado Social Europeu
Durante o governo de Durão e Bagão (2001-2003) assistiu-se a um ataque a alguns dos principais instrumentos do Estado Social em Portugal, nomeadamente na atribuição do subsídio de desemprego e do rendimento mínimo garantido. Ora, segundo os dados que o Hugo fornece a despesa social durante este governo aumentou. Quer isto dizer que o Estado Social português foi robustecido? Não, o que aconteceu é que devido à estagnação económica a que nos condenou uma política orçamental desastrosa imposta pela U.E., o número de portugueses desempregados e/ou em situação de necessidade aumentou, resultando num aumento da despesa.
O breve exemplo português pode ser generalizado ao contexto europeu das últimas décadas. De facto, o programa neoliberal de liberalização dos mercados, privatização da economia e contenção orçamental resultou num novo de regime de crescimento medíocre, onde só determinados sectores, como o financeiro, e os muito ricos parecem prosperar. O outro lado da moeda foi o desemprego estrutural e o aumento das desigualdades sociais. Ora, com um crescimento medíocre e um número crescente de cidadãos a recorrem aos apoios públicos, é natural que a despesa social se tenha mantido num nível aparentemente estável, muito embora alguns dos arranjos do Estado Social tenham sido progressivamente desmantelados.
Estado Social Norte-americano
P.S.: Não resisto a dar conta de uma das conclusões do estudo de onde Migas retirou o seu gráfico. Para os autores, o sistema de segurança social é uma das causas desse desatre nacional que foi o aumento do número de divórcios nos EUA desde os anos sessenta. Ao permitir a emancipação dos seus cidadãos é bem provável que a conclusão seja verdadeira. Ainda bem!
A paz da Soeiro
Uma sociedade fracturada pelas utopias liberais
Vale a pena ler o diagnóstico que consta do Livro Branco das Relações Laborais. Para além dos pontos referidos por Eugénio Rosa, destacaria ainda a radiografia de um país inseguro e crescentemente desigual: (1) «a expansão do emprego tem sido feito à custa do emprego com contratos a termo»; (2) os trabalhadores com contrato a termo «auferem em média 73% do salário dos trabalhadores com contratos sem termo», o que significa que toda a desregulamentação laboral é apenas uma forma de comprimir o crescimento da massa salarial e de degradar ainda mais a posição do conjunto dos trabalhadores; (3) vários indicadores «confirmam o aumento das desigualdades salariais entre os trabalhadores no período de 1995 e 2005» com os resultados gloriosos, em termos de performance económica, que se conhecem; (4) «A comparação da situação com a de outros países mostra que, em conjunto com a Lituânia, Portugal tem o maior nível de desigualdades de rendimentos entre os Estados membros da UE27». Este último dado aponta para um dos nossos maiores bloqueios. A fractura social atrofia e bloqueia, mais do que qualquer outro elemento, a iniciativa, o desenvolvimento de relações de confiança que «economizam nos custos de transacção», a afirmação do mérito que faz com que as pessoas se respeitem por aquilo que são e fazem e não por aquilo que têm, a aceitação de reformas com repercussões positivas no longo prazo ou a resolução de problemas de acção colectiva. É por essas e por outras que mais igualdade pode significar mais crescimento.
Para fugir aos lugares comuns de quem vê o trabalho como mercadoria
terça-feira, 8 de janeiro de 2008
Até amanhã camarada
«Um historiador deve estar decidamente interessado, muito além do permitido pelos teleologistas, na qualidade de vida, nos sofrimentos e satisfações daqueles que vivem e morrem em tempo não redimido» (E. P. Thompson). No próximo dia 9 de Janeiro, quarta-feira, às 14h30, no Auditório Silva Leal (ISCTE), discute-se a tese de doutoramento do José Neves, intitulada «Comunismo e Nacionalismo em Portugal - Política, Cultura e História no Século XX». História das ideias, história política, cultural e social. História «em tempo não redimido». Nada mais, nada menos. Aprender sempre.
Não se habituem!
Ficámos a saber que o Ministro Mariano Gago decidiu aparecer, «sem aviso prévio do convite que lhe foi dirigido pelo Presidente da Assembleia», na Assembleia Estatutária do ISCTE «alegadamente para esclarecer dúvidas» (Miguel Vale de Almeida). Pois. A verdade é que anda muita gente muito nervosa com o bom senso que as universidades têm mostrado face às mal planeadas engenharias mercantis do governo: «as universidades de Lisboa, Nova de Lisboa, Técnica de Lisboa, de Coimbra e do Minho decidiram adiar para Junho a decisão» sobre a passagem a fundação de direito privado. Mal vão por isso as instituições públicas de excelência - «O ISCTE tem projecção internacional, tem muita publicação científica, centros de investigação com classificação de Excelente e fez tudo isso enquanto instituto público» (Eduarda Gonçalves) - que têm à sua frente gente que se limita a ser correia de transmissão de ministros desesperados. Gente que não olha a meios para atingir os seus fins. A democracia universitária está em perigo. Não se habituem a estas interferências.



