domingo, 12 de abril de 2020

Para uma economia do cuidado

«Já entendemos o que era tão difícil de entender: é possível parar, mesmo que por más razões; é possível e necessário recuperar o espaço onde vivemos e onde nos organizamos e que julgávamos diluído nos fluxos internacionais; o cuidado, o cuidado com as pessoas, tornou-se na questão central; é na ação coletiva e na esfera pública que se travam as lutas decisivas. (...) Temos de saber quais são as bases sobre as quais os dias futuros precisam de assentar. Temos de criar uma economia que comece na organização do sistema produtivo, prossiga na capacidade permanente de criar valor, mesmo em tempos de paragem, e tenha no centro o princípio do cuidado (porventura na dupla aceção de prudência e de tratar da vida).
(...) A economia do cuidado, que começa na organização das capacidades de produzir e criar valor e culmina no conforto da salvação de vidas, é aquela em que o Estado está no centro de uma ordem relacional que não é estatista, mas é pública e coletiva. O Estado regula e consagra o que configura a sociedade, é certo. Mas também tem de ser parte da produção e da vida material em que a sociedade assente: produz, se for necessário, antecipa as capacidades de que vamos precisar, articula o que já existe em vista das finalidades tornadas urgentes.»

José Reis, O tempo das alternativas: criar uma economia do cuidado

5 comentários:

A.R.A disse...

O mundo moldou-se a um só sistema onde o lucro acente numa produção intensiva para satisfazer o consumismo induzido das massas, semeia crises cíclicas para criar valor e assim poder alimentar um sistema obeso e cada vez mais pesado para o lado dos poucos que muito têm vs os muitos que vivem á míngua.
Essa é a pedra basilar do capitalismo moderno, uma verdadeira máquina composta por várias peças onde nada é deixado ao acaso para que um só propósito seja atingido, o lucro.
Essa economia do cuidado só seria possível se o sistema vigente fosse desmantelado, peça por peça, escrutinando-se o que de bom se atingiu e o que de nefasto passou a contranatura pois numa pandemia a humanidade agarra-se aos seus valores mais básicos para a sobrevivência das suas comunidades.
Hospitais privados que tentam lucrar com uma pandemia tornam-se obsoletos na sua vulgaridade quando a sociedade civil mostra brio e racionalidade na partilha para com o próximo pois se tu ficares bem eu aumento a percentagem de também eu ficar bem. Raciocínio simples mas eficaz.
Até na meca do capitalismo um enfermeiro norte-americano já se mostrou chocado ao tentar ventilar um paciente em necessidade extrema quando este o impediu e questionou em tremendo sofrimento : Quem é que pagaria o tratamento? Ou seja estamos perante uma gritante negação da vida perante um valor maior ou será que foi um choque frontal entre um esboço de uma economia de cuidado (enfermeiro) com a economia de mercado (paciente*)?
* o paciente acabou por morrer

Jose disse...


Que inteligente é o Estado!

As coisas que Ele sabe, as coisas Ele antecipa, as coisas em que Ele participa!

Omnisciente, Omnipresente - obviamente através seus terráqueos representantes.


Jaime Santos disse...

Assino este artigo de José Reis por baixo. Em particular quando este afirma, petro no branco, que a Esquerda se tem ficado por diagnósticos e não pela apresentação real de alternativas. Mais trabalho na vertente económica e menos queixas, sff...

Anónimo disse...

Qualquer governo sério e responsável tem de aproveitar a necessidade do hoje para criar as estruturas necessárias para que o país possa responder aos mais diversos ataques, o que se trata é diminuir as vulnerabilidades aprofundadas nos últimos quarenta anos, quem não o fizer ficará na história e será julgado seguramente.

A.R.A disse...

Leio alguns comentários e fico perplexo pois se uns perante um comboio desenfreado de evidências não desviam 1mm que seja do seu pensamento outros apelam a mais trabalho e menos queixas.
Pois bem, se ao primeiro pouco há que fazer a não ser vê lo esbardalhar-se e tomar nota da ocorrência já ao segundo (talvez vá escrever um sacrilégio) houvesse um Estado detentor de sectores fulcrais para a sua soberania talvez o trabalho na vertente económica fosse sustentado como se de interesse nacional se tratasse e não morressem no papel um sem número de propostas que nunca chegaram a ver a luz do dia porque outros valores a eles se iriam sempre sobrepor.