quinta-feira, 16 de abril de 2020

Covid-19 na UE: tempo, aprendizagem e eficácia da contenção

Em artigo recente, e tendo em vista situar Portugal face aos seus congéneres europeus, o Expresso cruzou o número de casos confirmados com as mortes associadas à Covid. No gráfico resultante destaca-se o grupo de países inicialmente atingidos pela pandemia, que apresentam, como seria de esperar, um maior número de casos confirmados e de vítimas mortais, face aos países afetados numa segunda fase, tornando o exercício enganador.

De facto, como assinalado em post anterior, a contaminação dos Estados-membros da UE28 não foi linear, permitindo considerar duas fases distintas, separadas entre si por 20 dias. Um desfasamento que ajuda a perceber, entre outros fatores, a evolução da pandemia, desde logo pelo facto de o «comportamento» e as opções dos países afetados numa segunda fase beneficiarem do conhecimento do impacto e das respostas (ou da sua ausência) nos inicialmente contaminados. A evolução da pandemia em Itália, Espanha e Portugal é, deste ponto de vista, bastante elucidativa.


Uma das diferenças reside, por exemplo, na duração distinta do período inicial de contaminação (isto é, entre a confirmação do primeiro caso e o momento em que se atingem 100 casos). Nos países da Fase 1, este período dura em média 33 dias, mais do dobro do tempo dos países da Fase 2, que ronda os 14 dias. Ou seja, e uma vez que se trata de casos detetados (e não do total de contaminações), os países da Fase 1 sugerem um período de propagação «silenciosa» mais longo, com poucos casos conhecidos durante muitos dias, que poderá ter favorecido comportamentos de maior risco por parte das populações (dada a escassa perceção do perigo). Os países da Fase 2, pelo contrário, dispunham já de uma noção mais realista dos impactos da pandemia (bastava olhar para Itália e Espanha), podendo por isso preparar-se para responder melhor: testando mais, reforçando os sistemas de saúde e adotando, de modo mais atempado, medidas de contenção e comportamentos sociais adequados a uma gestão mais eficaz da doença.

Não surpreende por isso que os países afetados na Fase 2 apresentem, no seu conjunto, melhores indicadores de evolução, com curvas mais achatadas (gráfico seguinte). De facto, comparando os primeiros cerca de 30 dias nas duas fases, tanto em termos de casos confirmados como de vítimas mortais os Estados-membros da Fase 2 registam valores mais baixos no 31º dia após confirmação do primeiro caso (cerca de 54 mil casos) que os da Fase 1 (145 mil), revelando um crescimento mais suave. Por outro lado, se o número de novos casos não parou de subir nos países da Fase 1 (19 mil no 31º dia), regista-se uma tendência de descida no conjunto de países da Fase 2 (para cerca de 4 mil novos casos no 31º dia). Por último, e embora com valores mais elevados na maior parte do tempo, os Estados-membros da Fase 2 chegam ao 36º dia (após registo da primeira vítima mortal) com um número de mortes (4 mil) substancialmente inferior aos países da Fase 1 (17 mil), sendo que também aqui o ritmo de crescimento é mais contido.


O facto de o conjunto de países da UE28 infetados numa segunda fase apresentarem uma evolução mais favorável da epidemia reforça a ideia de que a adoção atempada de medidas de contenção, e de comportamentos sociais preventivos (nomeadamente o confinamento), é a estratégia de combate mais eficaz e que reduz a perda de vidas, desqualificando por isso a opção pela «imunidade de grupo» (como o Reino Unido ou mesmo os Países Baixos e a Suécia demonstram). Aliás, como referiu Ricardo Cabral, a opção pela «imunidade de grupo» não só seria trágica em termos de mortalidade como poderia significar, em termos económicos - pelo riscos de aumento da quebra de atividade e hospitalização de pacientes - algo equivalente a «enviar a maior parte da população (...) para uma guerra». Por isso, todos os passos, necessariamente graduais, de regresso à normalidade, devem ser dados a partir da ideia de uma economia ao serviço da vida, como referiu o João Rodrigues, e resistir a impulsos imprudentes e pressões de motivação duvidosa.

2 comentários:

João Pimentel Ferreira disse...

Mais uma vez faz-se comparações que não têm muito sentido do ponto de vista epidemiológico. Como se podem comparar países com populações, áreas e densidades populacionais tão diferentes? Um dos motivos pelos quais aqui a Holanda tem um elevado número de casos é por ser o país da UE com maior densidade populacional, são 17 milhões de habitantes numa área perto da do Alentejo.

Nuno Serra disse...

Caro Pimentel Ferreira, aqui estão-se a comparar grupos de países, definidos a partir de um critério bastante claro: há duas fases distintas de propagação, separadas por vinte dias. Compreender a evolução e os resultados obtidos para cada um dos grupos de países (repito, grupos de países) é o que se pretende. De resto, no que refere, encontrará certamente bons exemplos, nos dois grupos, de casos de maior e menor densidade, área, perfil demográfico, etc.