«A principal intenção do Governo, ao criar os vistos gold em 2012, não foi a de mudar a face do património imobiliário ou facilitar o investimento estrangeiro. O maior desígnio era pueril, fazer entrar dinheiro e dinamizar a economia num país que estava sufocado pelos ditames da troika e as políticas de ajustamento estrutural. (...) Agora a situação mudou. A economia portuguesa recuperou e esse tipo de investimento passou a ser dispensável num país que continua a registar uma dinâmica de crescimento no turismo e também foi capaz de atrair investidores europeus para o setor imobiliário. (...) Os vistos gold responderam a uma necessidade que atualmente já não existe. Tão simples quanto isto.» (Celso Filipe, Vistos sem brilho).
Sobretudo no âmbito da discussão do OE para 2020, várias vozes insurgiram-se contra as propostas para o setor da habitação, considerando que as mesmas iriam, entre outros impactos, provocar «danos irreparáveis» no investimento estrangeiro (limitação dos Vistos Gold e alterações fiscais ao Regime de Residente Não Habitual), gerar situações de «injustiça» e comprometer a recuperação económica do país (agravamento do IMI para fogos devolutos), ou «retirar estabilidade e confiança» ao setor imobiliário (contenção do Alojamento Local em áreas de elevada pressão turística).
É possível que alguns agentes do setor não tenham noção da dimensão da crise habitacional que o país atravessa e que afeta, de modo particular, as áreas metropolitanas. No caso da AML, por exemplo, se a variação do preço mediano de venda por m2 entre 2016 e 2019 anda em linha com os valores registados à escala do continente (em torno dos 20%, apesar da diferença em termos absolutos), em Lisboa esse aumento é de +55% (de 2.065€ para 3.205€ por m2), numa dinâmica que foi alastrando para os concelhos limítrofes, em resultado da escassez de oferta na capital (a qual, por sua vez, é induzida por lógicas especulativas que pouco têm que ver com as necessidades de habitação). De facto, quando posicionamos os diferentes concelhos da AML em função da média do preço mediano de venda por m2 registado neste período (1.214€), são cada vez mais os municípios acima desse valor, num claro efeito de «mancha de óleo».
Opondo-se a alterações ao quadro que regulamenta as novas dinâmicas imobiliárias (do Alojamento Local aos Vistos Gold, passando pelo Estatuto de Residente Não Habitual), que contribuem significativamente, no seu conjunto, para a atual dificuldade de acesso à habitação, a generalidade dos agentes preconiza uma maior intervenção pública, devendo o Estado, nesses termos, assegurar a colocação de fogos no mercado. De facto, não se pode esperar que um dos parques habitacionais públicos mais exíguos da Europa (apenas 2% do total de alojamentos), tenha a capacidade necessária para indiretamente influenciar os preços de mercado, o que não dispensa - por redobradas razões - que a regulação do mercado, sempre inevitável, proteja as necessidades dos mais vulneráveis.
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2 comentários:
É só artifícios à volta da habitação!
Uma medida governamental simples seria:
- Quem não paga renda de um mês (ainda que antecipado por contrato) até que deva o subsequente mês de renda pode ser administrativamente despejado na semana seguinte, com concomitante avaliação de eventuais danos no arrendado.
- O Estado tem instalações e casas de acolhimento pelas quais cobra até um máximo de 4?% do rendimento do agregado acolhido.
Aprovada uma tal medida, após o habitual badalar da 'dignidade' por conta do senhorio, o mercado de arrendamento teria toda uma nova dinâmica e o Estado cumpria o seu papel de assistente social em vez de chulo dos proprietários.
Conheço, perto de onde vivo, vários prédios reabilitados há mais de 6/8 meses e continuam por habitar...
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