segunda-feira, 23 de março de 2020

Guia para o atual debate económico e político


Vivemos tempos de convulsão. No espaço de poucas semanas, algumas das nossas maiores certezas foram desfeitas. A minha geração, que vivia com a expetativa de só ter a temer os acidentes ou as traições do próprio corpo, que para a maioria chegariam lá pelos 80 anos, sob a forma de uma doença coronária ou de uma qualquer forma de cancro, está hoje em isolamento por causa de um vírus. O mundo ocidental, que tinha a soberba de achar que o patamar de condições sanitárias que atingira o colocava a salvo destas crises, está hoje paralisado por causa de uma doença infeciosa. Aquilo que pensávamos só poder conhecer por relato histórico ou ficcional acontece hoje à nossa porta.

No debate económico associado à crise, reina também a maior confusão. Os termos da discussão dos últimos anos esfumaram-se em escassos dias. Conceitos como a emissão monetária em mercado primário ou o helicóptero monetário são atirados para o debate público, sem que a maioria da população tenha capacidade de os entender. Como naquelas comédias de sábado à tarde, em que um rapaz acorda e constata que é uma rapariga ou uma jovem de 16 acorda com 40 anos, economistas conservadores vêm apelar a propostas de ação do BCE que só se ouviriam nos círculos da esquerda à esquerda do centro até há duas semanas. Académicos respeitados, que fizeram uma parte importante do seu percurso a declarar a virtude da independência dos bancos centrais como antídoto para os impulsos destruidores do Estado para a economia, vêm agora a terreiro propor o fim da independência dos bancos centrais como única solução para enfrentar aquela que se prevê ser uma das mais violentas recessões do último século.

O texto que se segue é uma modesta tentativa de mapear os atuais termos do debate e contribuir para o esclarecimento de conceitos que hoje se encontram no espaço público mas que não se encontram ao alcance da maioria da população sem formação em economia. Formar juízo crítico e não estar à mercê da opinião dos “especialistas” é um importante exercício democrático em tempos como o que atravessamos.

O que é um banco central e o que significa o seu controlo público? Os bancos centrais são aqueles que têm capacidade de criar a moeda reconhecida num determinado território sem qualquer limite legal. É o facto de não terem um limite legal, e não a capacidade de criação monetária, que os distingue dos bancos comerciais comuns. Um banco comercial cria moeda quando concede um empréstimo, por exemplo. Mas está sujeito a uma restrição na sua criação monetária, imposto por limites como rácios de capital ou de reservas. Com efeito, apenas os bancos centrais têm a capacidade de injetar liquidez ilimitada na economia. Essa liquidez pode ser injetada em mercado primário ou secundário, por meio de agentes privados ou de agentes públicos. Ser em mercado primário significa ser por empréstimo direto ao Estado ou aos agentes privados.  A intervenção em mercado secundário caracteriza-se habitualmente pela aquisição de títulos de dívida de agentes públicos ou privados, depois de estes já terem sido primariamente adquiridos por agentes privados num primeiro momento. Esta compra não financia diretamente os agentes, mas pode ajudar à sua liquidez, uma vez que cria uma pressão negativa sobre as taxas de juro exigidas em novas emissões. 

O controlo público do Banco Central significa que o seu governador responde perante o governo. Isto é, no limite o governo tem a capacidade de decidir sobre a condução da política monetária. 

O que justifica a tendência internacional para a independência dos bancos centrais ao longo das últimas três décadas? Essa tendência deve-se a uma mudança da visão do papel dos Estados na condução da política económica. A ascensão intelectual do neoliberalismo favoreceu a emergência de desenhos institucionais que afastam o Estado da gestão do ciclo económico. O enunciado geral para afastar o Estado da emissão monetária defendia que era uma tentação irresistível para o poder político, com impactos negativos na economia a médio e a longo-prazo. Com o objetivo de maximizarem a probabilidade de serem eleitos, os agentes políticos sofreriam da tendência reiterada para emitir moeda para além da capacidade da estrutura produtiva. Sobretudo em períodos antes de eleições, poderiam recorrer a emissões monetárias para aumentar os salários dos funcionários públicos ou para financiarem programas públicos do agrado do eleitorado. Com a capacidade produtiva interna incapaz de responder à procura gerada pela emissão, a resposta das empresas seria subir os preços para moderar a procura e conservar as suas margens de lucro. Adicionalmente, a inflação pode também aumentar pelo canal de aquisição de importações. O aumento de oferta de moeda nacional causa uma tendência para a sua desvalorização, o que causa o aumento do nível geral de preços por ação dos bens que têm de ser adquiridos por moeda estrangeira. Por seu turno, essa pressão inflacionária pode ser propagada no tempo por meio das expetativas de aumento real de salários. Os sucessivos choques inflacionários são vistos como muito nocivos para as decisões dos agentes económicos. Por vários motivos, mas em particular porque dificulta a aferição da expetativa dos preços relativos dos diversos bens. Num quadro conceptual em que a maximização do lucro/utilidade dos agentes é a referência, a inflação é um elemento distorcedor, que confunde os agentes entre o nível geral de preços e o preço relativo do bem que pretende produzir ou consumir. 

Com este pensamento económico como pano de fundo, vários países tornaram os seus bancos centrais independentes. Isto é, bancos centrais em que a administração do Banco Central não está sob a alçada do governo, respondendo a um corpo de administradores nomeados de forma independente. Conforme a doutrina económica prevalecente, essa ação deveria ser guiada por objetivos diferentes de política monetária. Na década de 80, com a hegemonia do Monetarismo, o seu mandato passaria sobretudo por manter a criação de uma massa monetária com taxa de crescimento constante e assim estabilizar os preços. Num momento seguinte, com a ascensão do anúncio de uma taxa de juro diretora como instrumento central, o objetivo do banco central passaria por estimar uma taxa de juro que fosse consistente com os seus objetivos de inflação, emprego e estabilidade macroeconómica (nem todos os bancos centrais têm objetivos comuns, tema que será analisado no parágrafo abaixo).

Esta condução independente da política monetária seria vantajosa para a atividade económica, promovendo inflação baixa e estável e pouca volatilidade nas taxas de câmbio, favorecendo a previsibilidade e o investimento.  

A independência dos bancos centrais é toda igual? Não. Apesar de terem em comum o critério de não terem subordinação governamental, os bancos centrais podem ter características muito diferentes. Essa diferença pode ser caracterizada, grosso modo, em dois planos. Em primeiro lugar, o plano dos objetivos. Há bancos centrais, como a reserva federal-norte americana, que incluem nos seus critérios variáveis como o nível de emprego e a estabilidade do nível de preços. Outros, como o Banco Central Europeu, têm apenas como mandato primário a estabilidade de preços. Embora sejam ambos independentes, a sua capacidade de agir em função do pulsar das movimentações sociais é muito distinto. Mesmo que a Reserva Federal norte-americana não tenha controlo governamental, o seu mandato para estabilizar os níveis de emprego funciona como uma garantia indireta de que o seu mandato tem de ser sensível à pressão social. Pelo contrário, os bancos centrais como o BCE, que se orientam apenas pela estabilidade de preços, podem compaginar o cumprimento do seu mandato (controlando a inflação), enquanto ignoram tudo o que ocorre no plano do emprego e, por extensão, nos indicadores sociais (sobre a relação emprego/inflação falarei adiante). 

Mas existem outros dois critérios ainda mais determinantes, cuja ação articulada é necessária entender a extensão da discussão que está a ter lugar. O primeiro é a capacidade de adquirir títulos de dívida pública em mercado primário, o segundo é a correspondência entre a ação de um banco central e o número de Estados soberanos sobre o qual a sua legitimidade assenta. Estas diferenças são facilmente compreensíveis através de um exemplo concreto, explorando as diferenças entre o Banco de Inglaterra (o Banco Central inglês) e o BCE. Ambos os bancos centrais adquiriram independência no final da década de 90. O Banco de Inglaterra porque essa independência lhe foi atribuída, o BCE porque foi constituído nessa época. Mas correspondem a realidades práticas muito distintas. Em primeiro lugar, o Banco de Inglaterra não está estatutariamente proibido de adquirir títulos de dívida pública em mercado primário. Essa diferença tem reflexo na discussão presente, com o Banco de Inglaterra a admitir esse cenário numa das suas últimas comunicações. Esta característica é fundamental porque é um poderoso antídoto contra os ataques especulativos. Como o Banco de Inglaterra a ter a possibilidade de, no limite, financiar diretamente o Estado inglês e emitir moeda para saldar as obrigações de dívida assumida no passado, isso gera um efeito tranquilizador nos agentes financeiros que detêm títulos de dívida inglesa ou o pretendem adquirir no futuro. Esta característica distintiva do Banco de Inglaterra foi celebremente assinalada por Paul de Grawe como um importante fator de isolamento de Inglaterra em relação ao à crise das dívidas soberanas (ver aqui). Embora nunca tenha tido necessidade de emitir moeda para financiar diretamente o estado em mercado primário ou para saldar compromissos assumidos, a possibilidade de o fazer foi um importante fator para serenar a ambiência especulativa dos mercados financeiros. Por outro lado, a independência do Banco de Inglaterra é mais facilmente revertível. Isto é, ainda que os bancos centrais tenham feito a sua transição para entidades independentes sob a narrativa da irreversibilidade do processo, é sabido que esse não é uma premissa inamovível. No limite, o Banco Central funciona no contexto de uma unidade soberana e essa unidade soberana pode resgatá-lo para a sua esfera de ação se assim o deliberar. No caso do Banco de Inglaterra, será suficiente a vontade determinada do parlamento e do governo para que tal suceda. Esta perceção de capacidade de retirada da independência numa situação extrema também contribui para a diminuição da perceção de risco de o Banco Central não funcionar como prestamista de último recurso, porque, mesmo que o governador seja obstinadamente contra essa ação, a vontade democrática pode celeremente sobrevir num momento de excecionalidade. 

 O BCE, pelo contrário, tem um desenho institucional muito distinto. Em primeiro lugar, porque está estatutariamente impedido de financiar diretamente os Estados. Isto é, está proibido de comprar títulos de dívida pública dos Estados em mercado primário. Na verdade, até à crise, a interpretação desta cláusula era ainda mais extrema. Parte dos membros do BCE, em especial o Bundesbank, tinham a interpretação – e, na verdade, mantêm-na – de que a compra de títulos em mercado secundário, fundamental para diminuir as taxas de juro dos países periféricos a partir de 2012, constituía uma violação dos tratados. Foi isso que explicou a tardia reação do BCE, com o enorme custo económico e social desses anos (sobre a ligação entre a crise de 2010 e a crise presente falarei adiante). Essa impossibilidade faz com que os mercados saibam que, no limite, nenhum Estado da zona euro tem a capacidade de emitir moeda, por sua decisão, para responder a uma situação de escassez de liquidez. A inexistência dessa possibilidade impendeu, e continua a impender, como uma guilhotina sobre a capacidade de financiamento dos estados soberanos da zona euro, em particular os da periferia. Embora consigam taxas de juro reduzidas em período de acalmia financeira e de compromisso de injeção de liquidez do BCE, os estados periféricos são sujeitos à crua realidade em períodos de abalo económico grave: a sua emissão de dívida equivale, na prática, a emissão de dívida em moeda estrangeira, uma vez que não detêm o controlo de emissão dessa moeda. E, portanto, a especulação sobre os juros da sua dívida escala rapidamente. Além do problema estatutário, o BCE tem um problema ainda maior: a dificuldade de alterar esses estatutos. No caso do Banco de Inglaterra, basta uma grande pressão política interna dentro do Estado britânico para que tal suceda. Mas, no caso da zona euro, é totalmente diferente. A alteração dos estatutos do BCE teria de ser tomada por uma ampla maioria (unanimidade, na verdade) dos estados soberanos que compõem a zona euro, o que muito, muito dificilmente sucederá, fruto dos interesses conflituantes desses Estados. No fundo, a escolha é entre a manutenção do desenho institucional do euro como ele existe ou a sua implosão. A reforçada independência do BCE é, neste momento, uma das suas maiores fragilidades. 

O balanço da independência dos bancos centrais é positivo? Em resumo, a resposta é negativa. A dimensão mais visível do atual ceticismo em relação à atuação dos bancos centrais independentes, em particular o BCE, prende-se com o excesso de zelo com que prosseguiram o seu mandato da estabilidade de preços. Isso conduziu-os amiúde a sobrestimarem as taxas de desemprego compatíveis com os seus objetivos de inflação. No período antes da crise, isso traduziu-se em fixação de taxas de juro acima do necessário; no período pós-crise, com as taxas de juro diretoras próximas de zero, traduziu-se numa contenção orçamental desnecessária, por meio dos objetivos em termos de saldo estrutural. Ambos os movimentos causaram desacelerações económicas artificialmente criadas pelo contexto institucional. Isto é hoje amplamente reconhecido. Veja-se o artigo de Antonio Fatas, curiosamente publicado na IMF Economic Review em 2019 (aqui), onde este ciclo recessivo alimentado pela articulação entre o BCE e as regras orçamentais europeias é reconhecido. Por outro lado, foi na época dos bancos centrais independentes, na sua maioria também com missões de supervisão financeira, que aconteceu uma das maiores crises financeiras do século XX. Finalmente, mesmo naquilo em que se sugere e que foram bem sucedidos – manter a estabilidade de preços – existe um aceso debate sobre o seu papel. Outros fatores – como o aumento dos bens de consumo e industriais importados da Ásia ou a fragilização dos instrumentos de reivindicação salarial coletiva – podem ter desempenhado um papel igualmente importante. Neste sentido, a independência dos bancos centrais não tem a solidez de resultados que alguns quadrantes lhe gostam de atribuir. 

A emissão de moeda pelo banco central é uma medida eficaz no combate às crises económicas? A resposta a esta questão necessita de ter em conta a resposta às duas sub-questões que se encontram abaixo. 

i)               De que crises económicas falamos? Em economia, podemos distinguir, de modo geral, dois tipos de crises. As que provêm do lado da procura e as que provêm do lado da oferta. As crises de procura caracterizam-se por uma economia não conseguir empregar plenamente os seus recursos. Isto é, a economia tem capacidade instalada de trabalho, capital e progresso técnico para produzir uma determinada quantidade de bens e serviços, mas produz menos, porque os agentes económicos não estão a utilizar plenamente os seus recursos. Isso gera a existência de capital excedentário e de desemprego. Estas crises são habitualmente geradas por um desalinhamento de expetativas. Como as flutuações nas economias capitalistas são primariamente movidas pela decisão descentralizada de investimento de múltiplos agentes económicos, um período de maior incerteza em relação ao futuro pode inspirar uma inibição no investimento que, por um efeito de composição, acaba por fazer diminuir a atividade económica. Nestes casos, o principal problema é o facto de os capitalistas considerarem que, se investirem, não vão conseguir vender a sua produção. Nesse sentido, o problema é que os agentes privados não têm a expetativa de realizar a taxa de lucro esperada. Face à incapacidade do sistema de preços e taxas de juro resolver o problema de modo automático, é fundamental que uma entidade injete exogenamente procura por bens e serviços. Essa entidade com capacidade de planeamento é, por excelência, o Estado. Essa injeção, além de elevar de imediato o nível económico, tem efeitos de cadeia positivos, que podem reanimar o ritmo de investimento e reconduzir a economia ao pleno emprego. Por outro lado, uma economia pode enfrentar uma crise do lado da oferta. Estas crises afetam diretamente o potencial produtivo da economia. Os exemplos mais destacados são o aumento substancial do preço de uma matéria-prima relevante importada do exterior, uma crise da taxa de lucro ou uma súbita destruição/inutilização dos fatores de produção. No primeiro caso, o exemplo mais destacado é o petróleo e pode olhar-se como exemplo os choques petrolíferos da década de 70. Com um preço de uma matéria-prima importada a um nível superior, a produção potencial é forçada a cair. Quanto à crise da taxa de lucro, trata-se do caso em que os capitalistas não estão dispostos a investir com a margem de lucro vigente. Não é um problema de realização da taxa de lucro (como no caso das crises de procura) mas um conflito entre a distribuição funcional do rendimento que inibe a expansão da economia quando os níveis salariais estão além do que que a classe capitalista está disposta a aceitar. É, tradicionalmente, uma das principais explicações marxistas para as crises de acumulação de curto-prazo. Finalmente, o caso mais inusitado de crises de oferta que estão associadas à inutilização/destruição de capacidade produtiva. A ilustração mais clara deste tipo de crises são os cenários de guerra, em que unidades de produção são destruídas e a força de trabalho é retirada da produção e mobilizada para o campo de batalha. Outros exemplos são desastres naturais, como os terramotos.  Estas últimas crises, contudo, tendem a ser limitadas ao período de excecionalidade do evento que as suscita.

Como veremos adiante, contudo, a diferença entre crises do lado da procura e da oferta não é estanque, podendo estar interrelacionadas. Essa compreensão será adiante central para caracterizar a crise que estamos a atravessar.

Para já, importa sublinhar que a intervenção dos bancos centrais é eficaz, essencialmente, nas crises do lado da procura. Para um Estado que vê a economia a paralisar e o desemprego a subir, é essencial ter meios de financiamento para introduzir o choque exógeno que criará a procura por bens e serviços que coloque fim à espiral deflacionária. No caso em que os agentes privados se mostram indisponíveis para financiar a dívida pública a taxas de juro comportáveis, a solução pode passar pelo financiamento junto do Banco Central. No entanto, esta é uma solução que não é facilmente aplicável a todas as economias.

ii)             De que economias falamos? Para avaliar a eficácia do financiamento do Estado junto do seu Banco Central para combater uma crise de procura, temos de distinguir o perfil de economia que estamos a analisar. Por imperativo de brevidade, distingamos dois tipos de economia: uma pequena economia em desenvolvimento, sem uma moeda internacional de referência, e uma economia madura com uma moeda internacional de referência. Por economia em desenvolvimento entende-se uma economia com baixo grau de sofisticação produtiva e com um stock de capital limitado. Ou seja, um tipo de economia em que as restrições de oferta são mais rapidamente atingidas. Por uma economia madura entende-se uma economia com reservas habituais de capital excedentário e um maior nível de sofisticação na capacidade produtiva. O meu argumento é que, no primeiro caso, o financiamento direto pelo Banco Central é, na maioria dos casos, ineficaz. No segundo caso, pelo contrário, o financiamento pelo Banco Central é um importante instrumento de política económica, capaz de pôr fim a um ciclo recessivo sem riscos assinaláveis. 

Comecemos pelo primeiro caso. Podemos imaginar que se trata do caso extremo, e tantas vezes citado, da economia do Zimbabué. Considere-se que o caso em que o governo no Zimbabué se financia massivamente junto do seu Banco Central. Provavelmente, aquilo que povoa a mente de muitos economistas sempre que ouve falar deste recurso irá concretizar-se: hiperinflação. Mas é importante perceber porquê e não apenas vaticinar este desfecho como prova de sabedoria de algibeira. Numa economia pouco desenvolvida e diversificada, os limites da capacidade produtiva interna são rapidamente atingidos. Uma vez atingida a capacidade de produção interna, dois mecanismos favorecem o surgimento de inflações elevadas: em primeiro lugar, uma subida contínua dos preços internos, como resposta de um tecido produtivo que não consegue responder em quantidade de produção. Mas, principalmente, o facto de este tipo de economias ter de importar uma maioria de bens que é incapaz de produzir. Esses bens têm de ser adquiridos nos mercados internacionais denominados em moedas de referência (o dólar ou o euro). O país terá de ter reservas dessas moedas para adquirir esses bens. No entanto, se o empréstimo do Banco Central for massivo, essas reservas serão esgotadas rapidamente. As paridades (se algum tipo de câmbios fixos existir) terão de ser abandonadas. No caso de câmbios flexíveis, a moeda desvalorizará rapidamente até um valor muito abaixo do inicial. O câmbio com essas moedas cairá a pique e a moeda nacional perderá rapidamente o seu valor. Se este expediente for usado com frequência, este processo pode tornar-se cumulativo. É assim que se atinge o caso anedótico da nota de um bilião de dólares do Zimbabué. Este é o motivo pelo qual a compra de dívida em mercado primário tem de ser usada com muita precaução como processo de desenvolvimento.

Mas o caso é dramaticamente distinto se pensarmos numa economia desenvolvida com uma moeda de reserva internacional em contexto de crise de procura. Relembre-se que essa economia está em espiral deflacionária, com muito capital e força de trabalho por utilizar. Por outro lado, a estrutura económica mais diversificada permite-lhe produzir um conjunto mais alargado de bens e serviços. Assim, consideremos o caso em que esta economia se financia diretamente junto do seu Banco Central e lança um programa de gastos sociais e investimento público. Em primeiro lugar, isto cria uma injeção direta de procura que permite deter a espiral recessiva. Mesmo que esse financiamento seja massivo, como a depressão é profunda e a capacidade produtiva se encontra inutilizada, a economia terá oportunidade de responder. Por isso, a inflação por pressão da capacidade produtiva interna é um cenário muito implausível. Na verdade, no momento em que tal suceder é o momento em que o estímulo deixa de ser necessário. E a poupança? A poupança não é um obstáculo neste caso. O problema de uma economia com excesso de capacidade é, na verdade, o excesso de poupança dos agentes privados: não há despesa suficiente para manter a economia no pleno emprego. É neste momento que vale a pena termos bem presente o mais básico dos ensinamentos keynesianos: a poupança não gera nem tem de preceder o investimento. Sim, expost eles têm de ser iguais, mas esse ajustamento pode se feito pelo aumento da produção que não existiria na ausência do choque procura. O que tem de preceder o investimento é o financiamento. E esse pode ser exogenamente fornecido, como neste caso. A questão final relaciona-se com saber o impacto nas reservas do país e na taxa de câmbio. Neste caso, ao contrário do exemplo anterior, pouco existe a temer. A moeda que está a ser emitida é uma moeda de referência internacional, como o dólar ou o euro. Seria preciso emitir um valor absurdo dessa moeda para pôr em causa a sua utilização como reserva de valor à escala internacional. Relembremos que, desde o fim do padrão-ouro, acumular estas divisas é a única possibilidade de um país acumular reservas com aceitação universal. Face ao ceticismo, é importante notar que a prova evidente deste facto são os gigantescos programas de QE promovidos pela FED e pelo BCE. Esses programas massivos causaram quebras residuais na taxa de câmbio dessas moedas (quebras essas que foram até benéficas para alguns países que constituem a zona euro, como Portugal). Com efeito, não se vislumbra o motivo pelo qual um país com estas características deva esperar hiperinflação. Voltaremos mais adiante a esta discussão, com o caso mais concreto de Portugal no contexto da zona euro.

Até agora, procurou-se apenas fixar o quadro de conceitos e casos gerais que permitem perceber a situação particular em que nos encontramos. O seguinte conjunto de respostas já procurará, pelo contrário, aplicar esses conceitos à crise particular esta pandemia.

O que caracteriza a crise económica causada por esta pandemia? Numa frase, esta crise pode ser caracterizada com como um choque de oferta temporário de inaudita dimensão em tempo de paz, seguido de uma profunda e prolongada crise de procura causada pela existência de agentes económicos severamente constrangidos financeiramente e por um colapso das expetativas. 

O brutal choque de oferta é criado pela necessidade de inutilizar a maior parte da força de trabalho, colocando-a em recolhimento a fim de impedir a propagação do vírus. O choque de procura segue-se pelo canal direto do colapso de rendimentos, pela existência de um Estado soberano com níveis absurdos de endividamento e pelo congelamento de qualquer investimento privado perante este cenário. 

Qual será o cenário se nada for feito? 

Para avaliar o desenvolvimento da crise que foi sumariamente descrita atrás, é útil pensar num cenário base em que nenhuma reação de política económica seria acionada. 

O recolhimento da população em casa e o fecho de múltiplas unidades produtivas causa uma diminuição sem precedente da produção. Mesmo que as empresas tenham margem de tesouraria e o usem, mais tarde ou mais cedo a quebra de produção estender-se-á à queda de rendimentos. Importa não subestimar o impacto do choque de oferta no imediato: somos uma economia que está resumida à prestação de serviços básicos e à manutenção das cadeias de consumo. Mesmo que alguma atividade possa ser feita em teletrabalho, o impacto é residual. Adicionalmente, importa notar que o investimento, vital à dinâmica de qualquer economia capitalista, sumiu da noite para o dia. Ninguém investe neste cenário. O incumprimento privado dispara e, por conseguinte, as imparidades dos bancos. 

A par da desesperante queda de produção e rendimentos no setor privado, o Estado tem de aumentar a sua despesa para fazer face à crise de saúde pública que está a vivenciar. A despesa aumenta e, com o efeito, o défice. Ao mesmo tempo, o PIB cai a pique, lançando o défice em percentagem do PIB e os valores da dívida pública para níveis estratosféricos. 

Enquanto tudo isto acontece, o Estado é ameaçado pelo corte de financiamento nos mercados internacionais. As taxas de juro começam a subir. O financiamento da economia portuguesa fica condicionado a curto prazo. 

Mesmo que a crise de saúde pública termine em alguns meses, a economia estará devastada. Pessoas com situações sociais dramáticas, com rendimentos reduzidos ou no desemprego. Investidores privados demasiado temerosos ou sem capacidade financeira para investir. Um Estado sem capacidade de acudir à ruína económica, com níveis de desequilíbrios orçamentais nunca vistos e o financiamento internacional à beira de ser cortado. 

O que está a ser feito é suficiente? E como afeta o cenário de base?
Avaliemos as medidas que estão a ser tomadas e como afetam o cenário de base. No momento em que escrevo, é possível dividir as medidas que estão a ser tomadas em três grandes grupos. i) As medidas propostas pelo governo para resposta imediata à crise, ii) o programa de aquisições em mercado secundário anunciado pelo BCE e iii) O anúncio da suspensão das regras orçamentais europeus constantes no tratado orçamental. 

Quanto às medidas propostas pelo governo, como as linhas de financiamento para as empresas ou o co-pagamento de salários em caso de ser declarado o lay-off, tratam-se sobretudo de medidas que pretendem conter no imediato o aumento do desemprego e a queda de rendimentos. Comparando com o cenário base, tem a vantagem de aplacar parte dos efeitos sociais imediatos da crise e suavizar a quebra de rendimento e de procura no imediato e no futuro. O governo tentará levar estas medidas até ao fim do momento pandémico, esperando que seja o suficiente para as empresas não encerrarem e os trabalhadores não serem despedidos. Contudo, embora seja uma medida acertada no estreito espaço de reação do governo, não se deve sobreavaliar a sua capacidade de contenção. Portugal tem números elevados de trabalhadores precários, muitos deles em atividades económicas que dependem direta ou indiretamente do turismo. No caso dos trabalhadores precários, o mais provável é que as empresas acabem por recorrer ao despedimento. Até porque, no caso do turismo, já se tornou evidente que o choque não será apenas temporário. Mesmo que os trabalhadores por tempo indeterminado conservem na sua maioria os postos de trabalho, só o impacto nos trabalhadores precários já será colossal. Adicionalmente, esta medida também modifica o cenário base do lado da despesa. Pagar uma parte substancial do salário a uma parte substancial da população empregada em Portugal, a que se adiciona os aumentos no subsídio de desemprego, fará disparar a despesa. Com o PIB a cair a pique (a estimativa do Expresso aponta para uma contração acima dos 8%) o impacto no saldo orçamental e no stock de dívida será avassalador. 

A segunda medida é o pacote de aquisição de ativos do BCE em mercado secundário. Este programa foi anunciado tardiamente, apenas dias após a crise já estar a devastar Itália e após o ataque especulativo evidente de que as obrigações soberanas dos países do Sul estavam a ser objeto. Deposita-se grande esperança neste pacote, porque a compra massiva de ativos em mercado secundário foi capaz de inverter, em 2012, a crise das dívidas soberanas na periferia da zona euro, baixando a perspetiva de risco e, por consequência, as taxas de juro da dívida pública. Mas desta vez não bastará. Porquê? Porque a solução de 2012 surgia, apesar de tudo, num momento em que o essencial era tentar retomar a aparência de que contrair dívida em euros por um país como Portugal era sensivelmente o mesmo do que uma dívida em euros contraída por um país como a Alemanha. Mas desta vez esta medida não bastará. Desde logo, porque ela assenta numa aparência: o risco de um euro emitido por um país da periferia não é, de facto, um euro emitido por um país como a Alemanha. De 2012 em diante o instrumento resultou por uma combinação de fatores que não são repetem. Por um lado, a inversão de expetativas. Numa crise que tinha até então sido caracterizada pela inação do BCE, este instrumento foi considerado um arrojo de política económica inesperado. Esse choque de expetativas foi o suficiente para suscitar de novo o interesse nos mercados financeiros na compra de dívida dos países periféricos no mercado primário, sabendo que o BCE serviria como fonte de procura futura em mercado secundário. A diminuição das taxas de juro da dívida pública foi também um importante choque de expetativas interno. Com um cenário de partida de eminência de dissolução da zona euro e espiral deflacionária, o retorno à perspetiva de normalidade no financiamento dos Estados surgiu como um importante golpe de face as expetativas dos agentes privados. Mas, recordemos, o cenário nunca voltou à normalidade que foi proclamada: o Quantitative Easing (QE) foi mantido a par de uma muito rígida disciplina orçamental e de um ciclo económico favorável, sem choques adicionais. Tudo isto, recordemos, sem que o BCE tenha alguma vez aumentado as taxas de juro ou tenha ousado cessar em definitivo o programa de compras. 

Agora, o cenário será bem diferente. Em primeiro lugar, será muito mais difícil convencer os agentes privados a querer deter títulos de dívida da periferia, mesmo com a promessa do BCE: o que os espera não são países em recuperação, mas países com stocks de dívida em valores inimagináveis e estruturas produtivas de rastos. Por outro lado – e este é um ponto a sublinhar – mesmo taxas de juro relativamente baixas em tempos normais (1,5%-2%) são intoleráveis para países cujo stock de dívida explode para valores que se podem aproximar dos 150% ou dos 200%. O serviço de dívida gerado é imenso e isso é algo que afastará ainda mais os investidores privados. Finalmente, em 2012, o QE foi visto como a prova derradeira de que a zona euro iria resistir à crise. Isso pôs fim à especulação sobre o fim da moeda única e do BCE. Neste momento, as apostas neste sentido são muito menos certas. E isso deixa os agentes privados muito mais inquietos: de que vale a garantia de um banco central se esse banco central deixar de existir, pelo menos como o conhecemos? 

Finalmente, a suspensão dos limites orçamentais europeus. Esta é provavelmente a mais insidiosa das medidas anunciadas. Insidiosa porque o seu anúncio parece muito promissor, mas o seu efeito prático, sem qualquer complemento, é próximo de nulo. O que a Comissão Europeia anunciou é que nenhum país será sancionado por violar as regras orçamentais. Mas isto é parco consolo: porque o que há a temer neste momento é tudo menos as comparativamente irrisórias sanções da Comissão. Mesmo que as sanções não existam, os países terão forçosamente de gastar mais, o seu défice explodirá, o seu serviço e o stock de dívida também. E, no final do dia, tudo isto existirá, mesmo que a Comissão levante as suas amadas sanções. A questão fundamental é como financiamos esta calamidade e como temos os meios financeiros para enfrentar uma depressão futura. Colocar os países a endividarem-se individualmente – acenando com a possibilidade de o fazer porque não existem sanções – é irresponsável, porque o corte de financiamento virá dos mercados financeiros, que a Comissão Europeia não controla. O que se exige das autoridades europeias é que enfrentem este problema, ao invés de tentarem salvar a face junto da opinião pública e empurrarem o problema para o futuro. 

Com efeito, qual a resposta à pergunta: “são estas medidas suficientes?” A resposta é não! Não porque os países periféricos da zona euro ver-se-ão, ainda durante o momento de resposta à crise, com um défice e uma dívida crescente que precisa de ser financiada e nem a flexibilização das regras orçamentais europeias nem a compra de dívida em mercado secundário trará essa solução. Por outro lado, e mesmo admitindo o cenário otimista de que não existe pressão de financiamento a curto-prazo, chegar ao fim da crise com agentes públicos e privados altamente endividados, a par de enorme desemprego e incerteza, é a garantia de que esta crise perdurará como crise de procura durante muito tempo. Isto é, mesmo que a economia resolva o seu problema de oferta, com a reativação da força de trabalho, será necessária capacidade de financiamento e expetativas de procura. Sem essa fonte de procura, a espiral recessiva agudiza-se e, através dela, os problemas de financiamento. 

O choque, por fim, será assimétrico e nenhum destes instrumentos consegue lidar com esse problema. A exposição relativa dos países do Sul será superior. Em primeiro lugar, porque partem de uma atmosfera macroeconómica mais frágil, ainda com os desequilíbrios orçamentais e externos herdados das últimas décadas – importa recordar que, para lá a narrativa gloriosa, Portugal enfrentará este cenário com uma dívida pública e externa superiores a 100%. Por outro lado, economias da periferia como a portuguesa assentaram a sua recuperação económica na exposição ao mercado externo, quer através da exportação de bens quer da exportação de serviços, com particular enfoque no turismo. Com a economia global em contração, o multiplicador à escala global determinará que a diminuição da exportação de bens será inevitável. O turismo, pilar das contas externas da economia portuguesa e grande gerador de emprego direto e indireto, diminuirá acentuada e secularmente durante os próximos anos. Com efeito, a maior exposição externa das economias periféricas, a par dos maiores desequilíbrios macroeconómicos de partida, determinará que, uma vez mais, sejam estas as economias mais afetadas. 

O que está a ser proposto? A consciência de que as medidas que estão a ser tomadas são insuficientes tem levado economistas de diferentes quadrantes de pensamento a pedir medidas mais arrojadas com urgência. Essas medidas estão tradicionalmente associadas aos setores progressistas do pensamento económico e do espectro político e implicam, sem exceção, uma maior presença do Estado na condução da crise e da economia. Uma boa medida da singularidade do momento que atravessamos, no entanto, é que estas propostas têm cruzado vários setores políticos e do pensamento económico, formando consensos entre grupos de pessoas que até há escassas semanas não se vislumbravam possíveis. 

Como medidas de combate macroeconómico à crise temos assistido a três grandes propostas: a compra de dívida do BCE diretamente aos Estados, a emissão de eurobonds e a aplicação do chamado “helicóptero monetário”. O apelo a estas medidas proveio de setores diversificados. Da opinião internacional e nacional. Paul DeGrawe, influente economista belga e um coerente defensor de reformas na zona euro há muitos anos, escreveu um artigo no Project Syndicate (aqui) onde apela ao financiamento direto do BCE aos estados-membros. Um conjunto alargado de economistas, associados com a ala progressista do pensamento económico, fizeram um apelo público à emissão de eurobonds. Subscrevem esse apelo nomes como Pikkety, Mark Blyth ou Giovanni Dosi. Francisco Louçã é também um dos assinantes do apelo. Wolfgang Munchau apela a um misto de financiamento do BCE aos estados com helicóptero monetário para pessoas e empresas nas páginas do Financial Times (aqui). De forma mais surpreendente, um conjunto de economistas que inclui alguns nomes da frente avançada da direita económica portuguesa, na sua maioria sediada no Minho, como Fernando Alexandre, Miguel Portela, João Cerejeira e Luís Aguiar-Conraria, bem como nomes associados à Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, fez um manifesto em que apelava à intervenção do BCE em mercado primário (aqui). Vejamos, então, no que se concretizam exatamente estas medidas. 

A compra de dívida em mercado primário. Num momento anterior do texto, já se expôs aquilo que se entende por compra de dívida em mercado primário: significa que o Banco Central (neste caso o BCE) emite euros para adquirir diretamente dívida aos países membros da zona euro. No caso da resposta acima, Portugal enquadrar-se-á no caso de um pequeno país com elevada capacidade excedentária e uma moeda de referência internacional. Pelos motivos enunciados atrás, não é expectável que este financiamento cause uma inflação desmedida: Portugal estará numa situação de grande excedente de capacidade e elevado desemprego, sendo o financiamento da despesa do Estado essencial para suster a espiral deflacionária. Por outro lado, ao contrário de um país com uma outra moeda, não corre o risco deste movimento colocar em causa a sua capacidade de comprar bens internacionalmente nem de sofrer importação de inflação. 

Qual a grande vantagem desta iniciativa sobre aquelas que estão a ser tomadas? Em primeiro lugar, esta é a única medida que não nos coloca reféns dos mercados financeiros. Num momento de grande instabilidade nos mercados financeiros internacionais, este é o aspeto chave. Com este mecanismo, os países da zona euro poderão fazer face à crise imediata e à necessidade de gasto e investimento público futuros. Não é de mais notar que é fundamental que a resposta à crise seja feita por meio do Estado. Porque ele precisa de meios financeiros para suportar a despesa social, porque ele precisa de meios para robustecer um sistema de saúde exaurido e porque ele precisa de meios para manter níveis de procura que contenham a recessão. Pode perguntar-se: “E é fundamental que seja o Estado?”. Há um argumento muito keynesiano que nos explica a razão: o Estado é o único agente que não está sujeito a flutuações comportamentais de preferência pela liquidez em tempos de crise. O que significa isto? Um dos maiores problemas das economias capitalistas em tempo de depressão é que os agentes privados tendem a aumentar a procura de moeda em períodos em que enfrentam uma incerteza fundamental. Como a procura por moeda não causa aumento de procura por bens e serviços (uma vez que a moeda não se produz) e, por conseguinte, não aumenta o emprego, esta ação dos agentes privados tem um impacto recessivo. Só a ação do Estado – enquanto entidade sujeita a planeamento cuja ação tem impacto global na economia – pode utilizar esse financiamento para aumentar diretamente a procura de bens e serviços. Pelo contrário, injetar liquidez noutras partes do sistema pode não causar procura por bens e serviços. Veja-se o que aconteceu com o QE: o BCE injetou massivas quantidades de liquidez nos bancos, que, na sua maioria, não se converteu em crédito para atividades produtivas, porque os bancos e os investidores estão sujeitos a preferência por liquidez, pelo que possuírem liquidez à sua disposição não tem,  necessariamente, um impacto expansionista, se não existir quem procura esse crédito para investir. É, pois, por garantir a independência dos mercados financeiros e garantir meios de ação a um agente público sem preferência pela liquidez que a compra de obrigações dos estados soberanos pelo BCE é importante para fazer frente à crise de procura que se seguirá.  

Os Eurobonds. Os Eurobonds são uma proposta antiga, que vem fazendo parte da vaga de fundo na discussão da zona euro desde a última crise. Neste contexto, os Estados continuam a financiar-se junto dos mercados financeiros. Mas com uma diferença essencial: no lugar de ser cada país financiar-se individualmente, estes títulos de dívida são suportados por todos os Estados-membros. Este é um instrumento importante para combater a dimensão assimétrica da crise, porque permite que os países do centro partilhem o risco com os países da periferia, o que garante que estes últimos não se vejam sujeitos a aumentos súbitos no seu custo de financiamento. Os Eurobonds seriam uma medida menos ousada do que a intervenção do BCE em mercado primário, mas seriam um passo importante. Ainda que seja uma opção que continua a depender dos agentes privados, a partilha de risco reduz expressivamente a probabilidade de ataques especulativos. A grande questão dos Eurobonds, contudo, reside nos detalhes. Até que valor deve ser a dívida mutualizada? Deve mutualizar-se toda a dívida nos próximos anos ou isso é um convite ao risco moral? Será apenas mutualizada a dívida diretamente relacionada com os gastos durante a pandemia? Será isso suficiente para países que têm de sustentar a sua economia no período posterior? Estas são questões que surgem de imediato. Com efeito, o debate sobre os Eurobonds só pode ser tido tendo presente estes detalhes.

O helicóptero monetário. O helicóptero monetário é uma antiga proposta de Milton Friedman, redigida na década de 60, que consiste em o Banco Central emitir massa monetária e distribuí-la pela população em momentos em que os outros instrumentos de intervenção do Banco Central não têm resultado. Esta proposta tem sido discutida ao longo dos anos, com particular enfoque no caso japonês, como possível solução para a longa estagnação que o país enfrentou. Economistas renomados como Ben Bernanke ou Adair Turner já apoiaram, em algum momento, a medida. Embora muito debatida teoricamente, a solução nunca foi implementada. Em parte, uma vez mais, pelo receio das suas consequências para a inflação, sobretudo no caso de uma entidade governamental não colaborante, ou seja, que conduzisse um estímulo sincrónico que sobreaquecesse a economia. Mas também pelo receio dos incentivos perversos criados no contexto de uma economia de mercado, nomeadamente na poupança e na participação no mercado de trabalho. Esta proposta emergiu com renovado vigor nos últimos dias, com a administração Trump a considerá-la publicamente, além de vários artigos (um deles no Financial Times) fazerem um apelo semelhante. 

Devo confessar que esta não se trata de uma medida que perspetivo como a mais eficaz, pelo menos se for tomada isoladamente como resposta à crise. Em primeiro lugar, porque, ao contrário do equívoco em que muitas análises assentam, não há nada de keynesiano nesta medida. Na verdade, os seus fundamentos teóricos são extraídos do mais basilar raciocínio monetarista: esperar que uma expansão puramente exógena da moeda tenha uma relação de causalidade com a expansão do produto. Ora, eu tenho um enorme ceticismo em relação a esta causalidade por um motivo já explicado atrás: a preferência pela liquidez. Em tempos de grande incerteza, não há a certeza de que a população gaste uma proporção significativa do valor recebido para estimular devidamente a procura. Por outro lado, esta proposta tem o objetivo nem sempre revelado de afastar o Estado da resposta à crise. O próprio Milton Friedman faz esta proposta como prova da capacidade última de ação da política monetária, vista sempre como preferencial face à gestão da política orçamental como medida de política. Ora, tentar apenas dotar as pessoas mas não o Estado de liquidez num momento como este é desadequado: é o Estado que está a incorrer em enormes gastos no presente no domínio dos serviços públicos de saúde e da assistência social. Mesmo que esta medida tivesse um impacto positivo pela diminuição menos acentuada do emprego e do produto, o Estado continuaria a braços com um défice e uma dívida de enormes proporções. Qualquer medida que não resolva o problema do financiamento do Estado é insuficiente. Finalmente, ter-se-ia de considerar as questões de equidade da medida, que não são simplesmente previstas na proposta original. Aliás, a metáfora do helicóptero que lança notas é mesmo essa: não interessa quem o apanha, o importante é que a massa monetária se expanda. 

Apesar de todas estas reticências, não creio que seja uma opção a excluir, sobretudo porque a sua adoção poderia constituir um momento de alívio da restrição orçamental das famílias num momento de grande dificuldade. Mas sempre sublinhando que é essencial ser tomada a par de medidas que garantam o financiamento do Estado e garantam a sua condução do processo de recuperação, assegurando o fortalecimento dos serviços públicos e das respostas sociais adequadas. 

Mas afinal o euro é uma coisa boa? Parte do meu argumento anterior sobre a ausência de risco de inflação em caso de intervenção do Banco central residia no facto de o euro ser uma moeda de referência internacional. Esta premissa do argumento pode conduzir a alguns equívocos. Em particular, o leitor mais atento poderá tentar assinalar uma contradição entre um autor (e um blogue) que no passado criticou o papel do euro no desenvolvimento da economia portuguesa, venha agora colocar a pertença à moeda única como uma grande vantagem neste momento de crise. Para afastar o fantasma da incoerência, é importante esclarecer que nunca considerei que a moeda única fosse um projeto intrinsecamente mau. Na verdade, considero que não se pode ignorar a vantagem que uma moeda comum com outros países com um maior nível de desenvolvimento e a consequente menor exposição a risco cambial pode ter, sob determinadas condições, para o processo de convergência de uma pequena economia como a portuguesa. Um dos exemplos é, em tese, a maior capacidade de financiamento a mais baixo custo para expandir o stock de capital ou a menor exposição à instabilidade causada pelas crises na balança de pagamentos. O problema não é a moeda comum: são as características particulares do euro – uma moeda sobre apreciada para a economia portuguesa que conduziu, num primeiro momento, a incentivos perversos na proporção do investimento, dirigindo-o para a esfera não transacionável, o que amplificou os nossos desequilíbrios externos e orçamentais, na ausência de mecanismos federais de compensação orçamental; e, num segundo momento, uma moeda que nos deixou mais expostos à crise das dívidas soberanas, com uma resposta que preferiu destruir as economias periféricas com austeridade desnecessária no lugar de desencadear as reformas necessárias no seu desenho. Com efeito, o problema nunca foi a moeda única, mas o seu desenho institucional. Aceitar em resposta a esta crise a ação do BCE em mercado primário é a garantia de que, pela primeira vez, a economia portuguesa beneficia de se encontrar neste enquadramento. 

É provável que alguma mudança nesse sentido ocorra? A importância da moral e das narrativas para a economia política Na discussão sobre as possíveis reformas da zona euro, ontem como hoje, a análise deve ser sempre distinguir o leque de possibilidades teóricos do bem mais exíguo espaço da sua concretização política. O que escrevi a este propósito num texto sobre este tema na revista Manifesto continua válido: “(…) demonstrar a possibilidade teórica não basta: é preciso também saber como se alcança a correlação de forças necessárias à sua concretização. É aqui que a surge política, enquanto campo revelador das preferências sociais e das estruturas de poder. E aí tudo se torna mais difícil: a maioria das propostas de reforma implica um reforço da integração política, uma maior partilha de risco e uma renúncia às ideias económicas estruturantes da zona euro. Condições que não parecem poder vir a ser alcançadas na atual conjuntura ou num futuro próximo”.
A moeda única não é um desenho económico abstrato sujeito a fáceis reconfigurações em função da evolução dos acontecimentos. É um projeto político rígido que foi construído sobre pilares muito claros: independência reforçada do banco central, estabilidade de preços como objetivo primeiro, submissão do financiamento dos estados aos mercados financeiros e ajustamentos macroeconómicos assentes no ajustamento interno, por oposição a qualquer medida de coordenação entre os seus membros. Podemos e devemos fazer exercícios teóricos que extravasem o espartilho destas condições: mas não podemos ter a ingenuidade de pensar que um projeto político da envergadura do euro se move com rapidez perante a exposição à razão. 

Na verdade, como já vimos atrás, o BCE foi construído sobre um desenho institucional que torna particularmente difícil qualquer alteração aos seus estatutos. Seria necessária uma coordenação nunca vista entre Estados para permitir alterar os Estatutos do BCE e permitir que adquirisse dívida em mercado primário. Não se percebe como tal coordenação vai ocorrer. Basta relembrar alguns factos políticos recentes que apontam em sentido diametralmente oposto. O Bundesbank ainda hoje contesta o programa de compras do BCE em mercado secundário, embora seja evidente que foi essa ação que impediu o colapso do euro em 2012; por outro lado, antes do início desta crise, a União Europeia encaminhava-se para diminuir o orçamento comunitário, com uma posição inflexível por parte de muitos países do Norte. É difícil perceber como se poderá transformar esse movimento de restrição dos recursos comuns e da partilha do risco num passo totalmente oposto. 

Se estas mudanças serão possíveis ou não é algo que, no imediato, ninguém pode prever. A meu ver só existe um ténue elemento de esperança que pode alterar este quadro: a singularidade do discurso moral que se fará desta crise. No contexto de uma pandemia, é difícil construir uma narrativa sobre a culpa individual dos estados-membros para os impactos assimétricos que a crise terá. Essa ideia de singularidade de um choque exógeno que não é da responsabilidade política de nenhum Estado, articulada com algum instinto de auto-preservação, pode conduzir a uma inesperada mudança de curso dos eventos. A história ensina-nos que mesmo as construções políticas mais monolíticas podem gerar soluções políticas inesperadas se pressentirem que a sua sobrevivência enquanto sistema depende disso. A história também nos ensina, contudo, que estes movimentos, mesmo quando vão no sentido certo, podem ser tardios e precipitarem em vez de deterem os processos de desagregação. A eleição de Gorbachev como Secretário-Geral do PCUS e a Perestroika são exemplos deste processo. Mas, na zona euro, um movimento com este perfil é ainda mais improvável: não se trata apenas de uma configuração institucional monolítica, está também sujeita a uma armadilha de coordenação entre os seus membros que torna qualquer resposta num acontecimento longínquo, mesmo quando pressente que disso depende a sua sobrevivência. 

Desta vez é diferente? No parágrafo anterior, argumentou-se que a característica distintiva da economia política desta crise é a narrativa moral. A pandemia é perspetivada como um choque exógeno puro, independente das responsabilidades passadas de qualquer governo. Esta característica tem uma vantagem evidente, mas também uma desvantagem velada que importa discutir neste momento. 

A grande vantagem reside no caráter de excecionalidade permitir equacionar medidas que, noutro contexto, seriam afastadas com argumentos associados ao risco moral. “Porquê partilhar risco ou financiar diretamente Estados que cometeram erros no passado?” é uma questão que tem dificuldade em surgir no contexto desta crise. Isso permite colocar um conjunto de comentadores, economistas e políticos do lado do campo progressista, com o argumento de que “desta vez é diferente”. Esta oportunidade de aumentar a proporção de vozes do lado certo do debate não deve ser desperdiçada, devendo ser explorada até à exaustão com total sentido pragmático. Neste momento, cada elemento que nos permita engrossar as fileiras de uma solução racional para esta crise deve ser tomado em consideração sem pruridos de desavenças passadas. 

Mas esta circunstância também cria uma atmosfera perigosa, perante a qual nos devemos manter vigilantes. O perigo advém da tese da excecionalidade. Aqueles que, vindos do campo conservador, vêm agora propor medidas progressistas de combate à crise serão firmes em manter a tese da excecionalidade para defender a sua coerência por não terem defendido soluções semelhantes no combate à crise anterior. Vão insistir que desta vez é diferente.

Mas será que desta vez é mesmo diferente? A reposta tem de ser dada de forma clara: no que é relevante, ou seja, o leque de respostas à crise, não, não é diferente: as medidas que hoje estão a ser propostas para lidar com esta crise poderiam ter sido aplicadas no contexto da crise das dívidas soberanas, poupando assim muito do sofrimento social que sucedeu. A crise que vivemos hoje é, como já foi referido, uma violenta crise da oferta no presente, com uma grande probabilidade de alastrar para o futuro sob a forma de uma crise de procura. O motivo pelo qual a resposta do BCE neste momento é essencial já foi explicada. Teria sido diferente em 2010? A resposta é não. O que as economias da periferia da zona euro atravessaram em 2010 foi uma crise de liquidez, causada pelos efeitos de choque de um setor financeiro nos EUA, que se alastrou à Europa pela exposição dos bancos do nosso continente, e expôs a fragilidade de uma união monetária incompleta e incapaz de reagir a choques. A crise que se seguiu no financiamento dos países europeus poderia ter sido resolvido, no imediato, com a partilha de risco em eurobounds ou com a intervenção do BCE em mercado primário. Os desequilíbrios externos poderiam ter sido resolvidos com medidas de reforma do sistema de articulação macroeconómica no seio da zona euro. Poderiam ter sido resolvidos sem dor, sem austeridade. As pessoas hoje não têm culpa da pandemia. Mas também não tiveram culpa dos desvarios do setor financeiro e de um projeto político e económico falhado. As centenas de milhares de desempregados, as centenas de milhares de emigrantes e o sem número de pessoas que se viram privadas de acesso a cuidados médicos pela pressão orçamental do sistema ou aqueles que deixaram de estudar não foram os autores morais da crise anterior. 

A tese de que a crise anterior foi gerada por cidadãos e governos em espiral despesista foi uma fantasia. Uma fantasia que favoreceu um programa político com graves custos sociais, que teriam sido evitáveis. Devemos saudar todos quantos hoje estão do lado certo. Mas não podemos de deixar de lembrar o inevitável: que muito deles serviram de suporte intelectual e político a uma resposta falhada à crise anterior, que poderia ter sido enfrentada com os mesmos instrumentos que defendem agora.  

A ação política perante a crise

As páginas anteriores foram reservadas a uma tentativa de clarificar conceitos, cadeias lógicas e termos da discussão económica que agora tem lugar. Mas também se deve dedicar algumas linhas a pensar, de forma breve, a ação política que se exige. 

Essa ação é dividida em dois grandes momentos que têm, no entanto, períodos de sobreposição. 

Num primeiro momento, que corresponde àquele em que nos encontramos ainda hoje, o papel da esquerda deverá ser apoiar de forma robusta a resposta que as autoridades públicas estão a dar a este problema. Todos temos o nosso papel em credibilizar a ação do Estado e valorizar a capacidade com que as instituições democráticas estão a ter a lidar com esta crise. Este é um daqueles raros momentos em que incutir o respeito pela autoridade não deve ser algo estranho à esquerda. É a capacidade da democracia e do Estado que estamos a defender, não a autoridade em si mesma. Por outro lado, a esquerda deve prosseguir vigilante e assegurar que toda a despesa nos cuidados de saúde e nos apoios sociais está a ser feita, sem olhar a contenções orçamentais, bem como pressionar para que o governo, apesar das múltiplas solicitações a que está sujeito, seja firme no controlo dos despedimentos abusivos por parte das empresas. Felizmente, esta é a estratégia que tem seguida pela esquerda até agora. 

No entanto, há uma bolsa minoritária de pessoas no nosso campo político que entende que esta ação é um erro. Defendem que a esquerda deveria estar a pugnar para que mais unidades produtivas fechassem para proteger os trabalhadores e “pôr o sistema capitalista a pagar a crise”. No fundo, aproveitar o momento de convulsão para precipitar a transformação política. Isto seria um erro político de dimensões históricas. Primeiro, porque em qualquer sistema político, capitalista ou não, para manter o consumo é necessário que exista quem produza. E só o facto de a produção se manter em muitos setores assegura um fator chave na condução desta crise: a manutenção intacta das cadeias de abastecimento. Este é o aspeto crucial para manter a paz social neste momento e combater de modo eficaz o problema de saúde pública. Aqueles que acham que beneficiariam do caos – para além do inenarrável maquiavelismo do seu cálculo – subestimam as respostas que uma situação de pânico neste momento causaria. O medo inspira o apelo à vinda de um chefe que tudo coloque na ordem. E seria o fascismo, não o socialismo, a dar a resposta. 

Mas a par do apoio à solução das autoridades e ao apelo à proteção social neste momento, há uma outra luta que já começou e se vai intensificar nas próximas semanas e meses.  Essa luta, mais surda e larvar, começa já nestes dias, nos sombrios espaços do comentário económico português. Ainda que hoje o que aí se passa não esteja no centro das prioridades da opinião pública, quem ganhar esse debate definirá boa parte do nosso futuro coletivo. É um tempo atribulado e, por isso, vemos muitos dos comentadores habituais com discursos muito arrojados e a falarem de mudança. Mas a crise de 2008 recomenda-nos prudência. Recordemos que também então se fizeram apelos à reforma do mercado financeiro e se apelou às medidas keynesianas de resposta à crise. Recorde-se também como isso se concretizou nos Estados terem de fazer estímulos orçamentais isolados e como, perante o desastre, esses mesmos comentadores e economistas mudaram de modo oportunista a sua narrativa em direção à austeridade. Por isso, este é o momento de estarmos atentos. Valorizar e aproveitar o ensejo de ter mais gente ao lado das nossas propostas do que o normal, mas ser prudente porque tudo pode mudar rapidamente. E, sobretudo, ter presente que a zona euro, pelas suas características, se pode mostrar intrépida perante qualquer pressão. Com efeito, nada neste combate será fácil. 

 Ao contrário de 2011, não podemos deixar que nos convençam que a culpa é nossa. Ao contrário de 2011, temos de ser capazes de implementar medidas que evitem o sofrimento social e o retrocesso económico desnecessários.

6 comentários:

Lowlander disse...

Muito bom. Isto sim é a razão de ser de um blog.

Jose disse...

«não podemos deixar que nos convençam que a culpa é nossa»

Quando aconteceu terem-nos convencido que a culpa era nossa?
Por estes lados nunca ouvi dizer tal coisa!

Jaime Santos disse...

Sim, excelente, sem recurso a argumentos de cariz mais ou menos irracional e criticando o Euro pelas deficiências do projecto e não pelo conceito.

Agora, importa fazer duas constatações. Em primeiro lugar, fica a pergunta em jeito de provocação, será que Portugal, armado com um novo escudo, que não seria seguramente uma moeda de referência, se pareceria mais com o Zimbabué ou com a Alemanha?

Parece-me que a resposta é clara e quem quer que defenda a saída do Euro como um caminho fácil, rápido e democrático está claramente a alinhar na tese de pôr os capitalistas a pagar a crise, com uma resposta por parte da população que depende das suas poupanças que os fará arrependerem-se de alguma vez terem proposto tal coisa.

Em segundo lugar, na ausência de uma resposta por parte das instituições europeias e dos países mais ricos deve equacionar-se, juntamente com outros Países do Sul, em particular a Itália, justamente o abandono do Euro, mas tal passo deve ser claramente o último de uma estratégia gradualista que possibilite a preparação de um plano de contingência que permita primeiro que a opção seja levada a sério e depois que seja possível mitigar as consequências negativas dessa opção e que devem ser claramente assumidas por quem propuser essa solução.

É preciso assumir que a solução deve ser democrática, mas será longa e tudo menos fácil, correndo-se manifestamente o risco de gerar um cenário de alta inflação.

Ou seja, o que é preciso é falar verdade em lugar de se embarcar em demagogias nacionalistas que só servem para esconder a falta aparente (?) de estratégia e de detalhe e que não enganam ninguém avisado. Seguramente, as tentativas de Varoufakis em aplicar teoria de jogos às negociações com a UE rapidamente foram torpedeadas por políticos bem mais experientes e maquiavélicos do que ele...

A fanfarronada, mesmo quando bem intencionada, nunca serviu para nada aos fracos...

Agora, se se trata por outro lado, não de uma falta de estratégia mas sim de simples perfídia, ao jeito de quem atira a pedra e esconde a mão, então não tem perdão...

Importa lembrar que o País se reconciliou consigo mesmo em 1975 fruto da inteligência e ponderação de homens como Ramalho Eanes, Melo Antunes, Vítor Alves e do próprio Álvaro Cunhal, que teve sempre uma noção clara das relações de força. Já não há pessoas dessa craveira entre nós.

A solução para uma crise seria fascista e não socialista, seguramente, como bem diz...

Jose disse...

A Política, económica ou qualquer outra, faz-se com os meios disponíveis, não com os meios a haver por eventual interceção de terceiros.

A moeda é o euro; este ano, e no seguinte será ainda o euro.

Lowlander disse...

"Em segundo lugar, na ausência de uma resposta por parte das instituições europeias e dos países mais ricos deve equacionar-se, juntamente com outros Países do Sul, em particular a Itália, justamente o abandono do Euro, mas tal passo deve ser claramente o último de uma estratégia gradualista que possibilite a preparação de um plano de contingência que permita primeiro que a opção seja levada a sério e depois que seja possível mitigar as consequências negativas dessa opção e que devem ser claramente assumidas por quem propuser essa solução.

É preciso assumir que a solução deve ser democrática, mas será longa e tudo menos fácil, correndo-se manifestamente o risco de gerar um cenário de alta inflação."

Jaime Santos "chavale"... quem te leu e quem te le... Entao e as grilhetas de Bruxelas que tu tanto gostas (gostavas?) pah? Que e que se passa? Acabou-se-te o vinho? Fala com o Ze.

Lowlander disse...

Jose, presta bem atencao, larga o vinho.