O Economic Policy Intitute (EPI) destaca as principais medidas: 450 mil milhões de dólares destinados aos resgates a empresas, 350 mil milhões destinados ao apoio às pequenas e médias empresas, 300 mil milhões para as famílias (sendo proposto que o Estado transfira diretamente cheques de 1200 dólares por adulto e 500 dólares por criança, com o objetivo de assegurar o rendimento de todos os cidadãos e manter os níveis de consumo), 250 mil milhões para expandir o alcance do subsídio de desemprego, 100 mil milhões para reforçar os hospitais e a sua capacidade de resposta à crise de saúde pública e ainda 150 mil milhões extraordinários para os Estados e autoridades locais.
É um acordo histórico que supera o American Recovery and Reivestment Act, aprovado pelo governo de Barack Obama em 2009 e avaliado em 787 mil milhões de dólares. No entanto, o tamanho conta muito e há dúvidas sobre se este pacote será suficiente para responder à crise provocada pela pandemia. Josh Bivens, investigador do EPI, defendeu recentemente que o estímulo orçamental teria de ser de pelo menos 2,1 biliões, face à contração prevista do produto. J.W. Mason, professor de economia da City University of New York (CUNY), foi mais longe e estimou que teria de andar à volta de 3 biliões de dólares (cerca de 14% do PIB), bastante mais do que o anunciado. O desemprego, de resto, já está a disparar, tendo registado o maior aumento semanal dos últimos 50 anos.
Josh Bivens e Heidi Shierholz explicam que a estimativa feita na semana passada pressupunha que a maior parte do estímulo fosse direcionado para os trabalhadores e as famílias, o que não acontece na proposta atual. Uma das maiores fatias do bolo é a dos resgates a grandes empresas, sem garantia de manutenção de todos os postos de trabalho e do pagamento dos salários e sem que esteja previsto que o Estado adquira participação nas empresas resgatadas. Para estas empresas, é o melhor de dois mundos: socializam os prejuízos sem terem de partilhar os lucros. What a wonderful world.
Além disso, as medidas de concessão de crédito às empresas acentuam a tendência de acumulação de dívida privada nos últimos anos. Nos EUA, as empresas não financeiras viram o seu endividamento total duplicar de 3,2 biliões de dólares em 2007 para 6,6 biliões em 2019. Joseph Baines e Sandy Hager, investigadores da Kings College e da City University (Londres), estudaram esta evolução, ligando-a à gradual reorientação da atividade das empresas nas últimas décadas, em que a distribuição de dividendos aos acionistas passou a ser o foco principal.
Para as grandes empresas, que dominam os mercados onde operam, isto tem sido feito à custa das despesas de capital – as empresas canalizam boa parte da receita para a recompra das próprias ações, aumentam artificialmente o seu valor e mantêm margens de lucro elevadas. As pequenas e médias empresas, contudo, precisam das despesas de capital para se manterem competitivas, pelo que têm visto os lucros diminuir, compensando-o com o recurso a crédito. O risco de uma vaga de falências que envie ondas de choque ao resto da economia é enorme.
Robert Pollin, professor de economia e co-diretor do Political Economy Research Institute na Universidade de Amherst, lembra que “ao longo da sua presidência e até à última semana, o mantra de Trump sobre a economia era que as condições nunca tinham sido tão boas.” Para Pollin, “isto foi sempre uma observação absurda”, já que a aparência de prosperidade se devia a uma conjugação da especulação bolsista com os cortes de impostos e medidas de desregulação para o setor empresarial. O pacote de estímulos de Trump é um reflexo disso mesmo: excessivamente concentrado no resgate de Wall Street, faz pouco para encarar a profunda crise do sistema de saúde – 1/4 da população (mais de 80 milhões de pessoas) adia cuidados de saúde devido aos custos excessivos e há 45 mil mortes todos os anos por ausência de cobertura de seguro – e negligencia a crescente desigualdade de rendimentos e o combate às alterações climáticas, preferindo manter os apoios aos combustíveis fósseis. Quando são precisas mudanças, Trump oferece mais do mesmo.
O que parece certo é que os dias de crescimento económico sob o governo Republicano estão a chegar ao fim. Até há poucas semanas, quase todos garantiam que desta vez era diferente e que a exuberância dos mercados financeiros era racional, pouco antes do colapso histórico dos índices bolsistas. O vírus está a estilhaçar a ilusão de prosperidade e a pôr a nu as fragilidades do regime de acumulação.
Artigo publicado no site Esquerda.Net a 28.03.2020.
2 comentários:
Um vendedor de banha da cobra no poder é denunciado por um vírus.
O que daí vai resultar é um ameaça para o mundo.
A questão para a Europa é simples: o aliado que quase não o era, pode transformar-se em feroz adversário.
Teoria Monetária Moderna funciona…
… para a Amazon/ Jeff Bezos, para a indústria militar, para a Goldman Sachs!
Isto é um mais um golpe da classe dominante/ Capitalista!
E este golpe é ainda maior que o golpe de Obama há 10 anos!
Quem ainda tem coragem de negar que os EUA (e Europa) é uma oligarquia?
Porque é que a larga maioria do dinheiro criado do nada não pode ser usado para ajudar quem trabalha e a generalidade da população?
Porque só é inflacionária a criação do dinheiro do nada quando é para ajudar o trabalhador e não é inflacionária quando a mesma é para ajudar a Goldman Sachs e Jeff Bezos?
Nós vamos assistir a ainda mais depauperação da classe trabalhadora, a dizimação de muitas pequenas e médias empresas, e podem ter a certeza que os governos dos EUA e Europa estão aqui para garantir que a consolidação da riqueza (logo do poder) numas quantas mãos vai continuar!
E não, não tem que ser assim.
Vamos nós, os povos da Europa e dos EUA permitir que isto continue?
A verdade é que temos vindo a permitir que isto aconteça e os custos para quem não faz parte da classe dominante são evidentes.
Se nós não nos mobilizarmos para alterar esta desgraçada realidade, podem ter a certeza que a desgraçada realidade vai ficar ainda mais desgraçada.
Enviar um comentário