segunda-feira, 30 de março de 2020
Já só vale a pena exigir o impossível
Políticos, comentadores e jornalistas, todos continuam a falar da emissão de eurobonds como se disso dependesse o sucesso do combate à crise.
Sejamos claros: o contributo fundamental das eurobonds (ou coronabonds, ou o nome que lhe quiserem dar) seria a redução dos custos de financiamento dos Estados e a garantia de que existiram compradores. No entanto, o gráfico acima mostra que Portugal está a pagar juros historicamente baixos, não havendo sinais de ausência compradores para a dívida nacional.
A emissão de dívida conjunta poderia ser importante caso o BCE, por algum motivo, deixasse de poder fazer o que tem feito. Até lá, a discussão sobre os eurobonds apenas nos desvia do que é essencial: o principal problema que os países com economias mais frágeis enfrentam é a perspectiva de um aumento significativo da dívida pública (e, por arrasto, da dívida externa).
Sejam quais forem os custos, a emissão de obrigações em conjunto não reduz os montantes em dívida – aumenta-os. A forma mais eficaz e razoável de lidar com este problema seria o financiamento directo dos défices públicos através de emissão monetária pelo BCE. Outras economias podem fazer isso. Na UE, tal opção está expressamente proibida pelos tratados.
A única forma que hoje vejo de contornar esta dificuldade seria combinar a garantia de juros muito baixos durante muitos anos, com a alteração das regras orçamentais (em especial a regra sobre o ritmo de redução da dívida) e transferências orçamentais volumosas para as economias mais afectadas. A probabilidade de isto acontecer não é muito diferente de ter o BCE a desrespeitar a proibição de financiamento monetário dos Estados.
A ser assim, o que nos espera é mais uma década de austeridade, com cortes da despesa e aumento de impostos. Os investidores privados sabem disso e pensarão duas vezes antes de pôr o seu dinheiro em países como o nosso. O governo sabe disto e limitará o volume de apoios ao emprego e à actividade produtiva. O resultado será a rápida destruição da economia nacional, seguida de uma retoma lenta e dolorosa.
Deixem-se, pois, de falar de eurobonds e coronabonds. Este é um daqueles momentos em que a única forma de realismo é exigir o impossível.
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5 comentários:
Como sempre nada se questiona sobre a despesa pública.
Sobre o que mais haja a fazer, para além de montar o crescimento nos padrões habituais de consumo, nada se diz.
Business as usual, regado a impostos e dívida crescente.
De facto, a economia política europeia é tão boa, que a única ferramenta para enfrentar a crise – a austeridade - é fortemente pró-cíclica, ao contrário daquilo que qualquer economista medíocre apreendeu nas aulas.
Mas isto não é mau para todos. O BCE não pode financiar diretamente os estados, mas pode financiar indiretamente, comprando dívida no mercado secundário.
Resultado: os bancos ganham, os especuladores ganham, as bolhas incham e o país vai ficando mais pobre a cada dia que passa.
Uma união europeia em que os tratados subscrevem as 4 liberdades do neoliberalismo não podia funcionar de outra forma.
Só falta acrescentar uma quinta liberdade às 4 conhecidas: liberdade de saquear o contribuinte, em tempos de crise.
"Políticos, comentadores e jornalistas, todos continuam a falar da emissão de eurobonds como se disso dependesse o sucesso do combate à crise."
Também não percebo. E percebo ainda menos quando se faz disso ponto de honra relativamente a países que são historicamente contra a mutualização de dívidas. É absolutamente contra-producente e só serve para uma coisa: propaganda política barata. Mas pelos vistos muito eficaz.
" ...a perspectiva de um aumento significativo da dívida pública (e, por arrasto, da dívida externa)."
O ex-Ministros Medina Carreira repetidamente chamou a atenção para o facto, óbvio, de que sem moeda própria os Países menos produtivos, como Portugal, cedo teriam uma "incomportável dívida externa", pois não podiam utilizar o truque de desvalorizar a sua moeda para conter exportações (e favorecer exportações).
A curto prazo não vai ser fácil reorganizar ou uma moeda comum para o Países do Sul da Europa, ou mesmo uma, o escudo-novo, só para Portugal. Ou um contidosexit ou um perduláriosexit diria o MIn. holandês.
De qual quer maneira as grandes unidades produtivas "nacionais", hoje dia, até já nem o são ... nacionais.
Para já só resta a "fuga para a frente". Um capitalismo-marital entre alguma iniciativa dita privada "nacional ou não" e o Estado Central, a dita União Europeia.
O desespero do actual PM tem explicação. Mais uma vez foi confrontado com realidade de que não é PM de um Estado soberano -como sempre sonhou e lhe têm segredado ao ouvido os acólitos- mas apenas gestor deste bairro, por conta de outrem.
As minhas desculpas: "para conter importações (e favorecer exportações)." Revisor ausente, auto-revisão dá nisto.
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