sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A questão é um bocadinho mais complicada



Numa altura em que inúmeros representantes políticos, jornalistas histéricos e comentadores celebram vergonhosamente um assassinato, vale a pena recuperar esta análise sóbria e inteligente de James Petras, datada de há alguns meses atrás, acerca dos interesses e motivações em jogo no conflito líbio:

Maniqueísmos à parte, este conflito começou como uma guerra civil entre duas fracções das elites líbias: uma autocracia paternalista e crescentemente neoliberal que gozava de um apoio popular considerável versus uma elite treinada e financiada pelo imperialismo ocidental, apoiada num conjunto amorfo de chefes religiosos, tribais e regionais, apoiantes da monarquia e quadros neoliberais, sem quaisquer credenciais democráticas ou nacionalistas e desprovida de uma base popular de apoio significativa.

Por mais que certos críticos possam acusar o Ocidente de ‘hipocrisia’ e ‘duplicidade de critérios’ por bombardearem Khadafi mas não os déspotas de inumeros países do Golfo, na verdade os poderes imperiais têm vindo a aplicar os mesmos critérios em cada uma destas duas regiões: defendem estrategica e consistentemente os regimes autocráticos clientelares que permitem aos estados imperiais instalar bases militares estratégicas, levar a cabo operações secretas e criar plataformas logísticas para as guerras em curso no Iraque e Afeganistão, bem como para o conflito previsto com o Irão. Atacaram a Líbia de Khadafi precisamente porque este se recusara a contribuir activamente para as operações militares do Ocidente em África e no Médio Oriente.

E uma nota adicional: para quem ainda tenha ilusões relativamente à isenção de canais como a BBC ou a CNN, é especialmente divertido reparar como em todos os excertos de declarações passadas de Khadafi que são agora recuperados, os intérpretes que fazem a dobragem para inglês usam sistematicamente um tom de ‘mau da fita’ para reforçar o processo de demonização do inimigo. Reparem, vale a pena.

5 comentários:

Ana Paula Fitas disse...

Caro Alexandre Abreu,
Fiz link... e agradeço.
Um abraço.

Pedro Viana disse...

Sóbrio?! Um texto que, para ser simpático, omite muito do que se passou (porque não encaixa na teoria do autor) e cujo tom aproxima-se do histérico, disparando acusações e distribuindo etiquetas por todo o lado?!...

meirelesportuense disse...

É uma nojeira, hoje tive a possibilidade de ver algumas intervenções que cuidaram em manter-se um pouco fora desta orgia colectiva da violência...Mas foram poucas, no entanto mesmo assim conseguem purificar um pouco -pouquinho- o ar que respiramos...

Aires da Costa disse...

Costumo acompanhar o seu blog e mesmo quando não concordo com o que leio não deixo de o ter em alta consideração. Porém, neste post fico profundamente surpreendido: A única coisa que tem a dizer sobre um crime de guerra divulgado e aplaudido por quase todoa os líderes ocidentais ( no poder ou na oposição) é remeter para uma análise das disputas entre líbios e a intervenção da NATO em favor de uma das partes?

Alexandre Abreu disse...

Obrigado pelos comentários.
Caro Pedro Viana, não é por fazer acusações que um texto é menos sóbrio. O texto de Petras é com certeza bastante adjectivante, mas ao que eu me referia ao utilizar a palavra 'sóbrio' era à capacidade de análise crítica e distanciada, sem o maniqueísmo habitual na maior parte da comunicação social pró-imperialista - mas também nalguns defensores (a meu ver excessivamente acríticos) de Kadhafi enquanto revolucionário, socialista e anti-imperialista. Ainda assim, se acha que a análise omite aspectos importantes, não há nada como darno-los a conhecer, directamente ou remetendo para outras fontes.
Caro Aires da Costa,
Acolho e respeito o seu comentário, mas de certa forma não o compreendo. No post, chamo a atenção para as vergonhosas celebrações de um linchamento e para a manipulação da opinião pública levada a cabo pela comunicação social ocidental. Mas o principal objetivo do post é mesmo remeter para um texto onde está muito mais: a estrutura de interesses e contradições a nível interno, mas também a forma e conteúdo da agressão imperialista. A meu ver, está lá quase tudo do essencial, mas, também aqui, convido-o a acrescentar o que achar por bem - não somos donos da razão e este blogue também vive dos contributos dos seus leitores.
Por fim, deixem-me recomendar mais um texto bastante informativo, de John Pilger, acerca da estratégia norte-americana para África e do papel do conflito líbio nesse contexto:
http://www.johnpilger.com/articles/
the-son-of-africa-claims-a-
continents-crown-jewels
Cumprimentos.