(Continua daqui: I)
No regime neoliberal, o peso do Estado na economia não diminuiu. No entanto, o papel do Estado alterou-se de forma substancial: de accionista de empresas produtivas, passou a regulador de sectores tipicamente caracterizados por um número limitado de concorrentes privados de grandes dimensões (banca e seguros, telecomunicações, transportes, energia, água); de fornecedor de serviços colectivos (educação, saúde, segurança social) passou a financiador desses mesmos serviços, crescentemente assegurados por empresas privadas; de proprietário de equipamentos e infraestruturas de interesse geral (redes viárias, portos e aeroportos, redes de telecomunicações, equipamentos de saúde e de assistência social, etc.), passou a locatário, pagando uma renda pela utilização pública dos mesmos. Até hoje os benefícios desta reconfiguração do papel do Estado estão por demonstrar.
Não obstante, foi vingando a ideia de que o sector privado oferecia maiores garantias de eficiência produtiva e qualidade dos serviços prestados. Com os mesmos recursos, defendia-se, seria possível fazer mais e melhor pelo bem-estar social e pelo desenvolvimento económico. Esta ideia foi activamente promovida pelos grupos económicos melhor posicionados para explorar as oportunidades de lucro proporcionadas pelas privatizações e pelo recurso crescente a parcerias público-privadas em actividades económicas com um mercado garantido e essencialmente protegidas da concorrência internacional.
A atractividade dos negócios nestes sectores protegidos é directamente proporcional à liberalização dos movimentos internacionais de mercadorias e capitais, a qual pôs em causa a lucratividade dos investimentos em actividades mais expostas à concorrência internacional.
Na verdade, a liberalização das trocas comerciais e abertura de novos países ao investimento estrangeiro, conjugadas com os desenvolvimentos tecnológicos nos domínios dos transportes e telecomunicações, foi vista por alguns sectores como uma oportunidade para relançar a lucratividade dos investimentos, por via da deslocalização da produção e da redução acentuada dos custos de trabalho. No entanto, paradoxalmente, este modelo de globalização económica apresenta alguns factores limitativos do crescimento económico. Por um lado, aumentou o grau de exposição dos produtores de bens e serviços transaccionáveis à concorrência internacional, pressionando as margens de lucro. Por outro lado, embora a capacidade produtiva instalada aumentasse de forma substancial, o crescimento da procura mundial ficou comprometido por uma pressão crescente sobre os salários, reflectindo a diminuição do poder negocial de um factor de produção essencialmente imóvel – o trabalho – face à crescente facilidade de movimentação dos capitais a nível global.
Por conseguinte, os investidores procuraram novas fontes de aplicação dos seus recursos, menos vulneráveis à pressão concorrencial enfrentada pelos bens e serviços transaccionados nos mercados globais.
(Texto publicado no anuário JANUS 2011-2012. Continua.)
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1 comentário:
Caro Ricardo
Realmente, um dos paradoxos do chamado "neoliberalismo" - ou do período de acumulação capitalista à escala mundial caracterizado pela talvez última fase da chamada "hegemonia norte-americana" - é que se assiste de facto a um aumento indefinido da importância da intervenção do estado, ou dos estados.
Todavia, o "anti-estatismo" doutrinário de que se parte tem importantes consequências.
Sendo contrário ao "estado-produtor" por uma questão de princípio, o neoliberalismo - variedade "terceira via" incluída, dado que discutir rotulagens como "democratas" norte-americanos versus "socialistas" e "sociais-democratas" europeus é hoje em dia meramente assunto de Lewis Carroll ou George Orwell - induz tipicamente o surgimento de múltiplos sectores produtores privados, mas imensamente "rentistas"... embora, é claro, o conceito de “rent-seeking” seja por sua vez habitualmente tratado, e de forma Carrolliano-Orwelliana, como associado em princípio às concertações ou "cartéis" do trabalho, isto é, ao que conhecemos habitualmente por sindicatos (vide a in/famosa retórica "socrática" contra os "privilégios"...)
A outro nível - e sim, isso também é crucial - adopta-se uma espécie de "keynesianismo de guerra" permanente, passa-se globalmente de welfare state para warfare state... num ambiente internacional cada vez mais degradado e meramente "might is right", com a própria noção de guerra despromovida em "acção de polícia", e os inimigos transformados, dado que avessos-ao-império-logo-ex-definitio-à-humanidade, em não-humanos, em “aliens” ou "bugs", que os "soldados do universo" se encarregam de... desinfestar...
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