domingo, 2 de outubro de 2011
Recapitalização da Banca II – Há sempre alternativa
Hoje, os nossos banqueiros são as vozes mais audíveis na necessidade de renegociação dos termos com a troika. O próprio presidente da República, com as suas homeopáticas intervenções, colocou-se claramente do lado da banca nacional contra a troika. E, no entanto, tivemos ontem 150 mil pessoas nas ruas. Esta dramática ironia, resultado do desequilíbrio de poder entre trabalho e capital que hoje vivemos, pode ser explicada, não pelo desequilíbrio de mobilização de ambos os campos (o que são as agora famosas manifestações em Wall Street quando comparadas com as mobilizações da CGTP?), mas pela vitória no campo da luta das ideias. Não só a banca consegue ter a comunicação social a reproduzir os termos em que se coloca neste debate, como, sobretudo, consegue apresentar uma narrativa em que os seus interesses aparecem como os nossos interesses, que se pode resumir em duas afirmações:
“A culpa da crise não é nossa, mas sim do endividamento do Estado”;
A afirmação é simplesmente falsa. As responsabilidades do capital financeiro numa especialização enviesada da economia portuguesa nos sectores de bens não transaccionáveis, conducente a um endividamento externo alimentado por esse capital financeiro, são evidentes. Vejam-se em que sectores estão as participações accionistas da banca nacional… Se Portugal não tivesse o actual endividamento externo, a dívida pública nacional teria o mesmo tratamento nos mercados de países como a Bélgica ou França, cujas dívidas em percentagem do PIB são superiores ou similares à nossa.
“Se formos obrigados a seguir este caminho, o crédito á economia reduzir-se-á, acrescentando recessão à recessão.”
A segunda afirmação parece mais complicada de contrariar. A falta de crédito que pequenas e médias empresas hoje enfrentam colocam-nas numa situação aflitiva. No entanto, a resposta popular não pode ser a da aceitação dos termos em que a banca se coloca contra a troika. Os fundos para a recapitalização da banca deveriam ser imediatamente accionados. Este novo capital colocaria a banca imediatamente numa situação mais confortável na concessão de crédito doméstico. Por outro lado, com o Estado como accionista, este teria que ter a responsabilidade de intervir na forma como o crédito é concedido, favorecendo determinados sectores. A renegociação dos termos do Memorando seria feita, neste caso em particular, de forma a garantir a intervenção pública na gestão bancária. Exactamente o contrário do que os nossos banqueiros querem.
Claro está que estas medidas não resolvem a crise. Os problemas são estruturais e colocam-se em diversas esferas. Precisamos de uma alternativa sistémica, se queremos potenciar a presente luta social.
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10 comentários:
Caro Nuno Teles,
por um lado afirma que "As responsabilidades do capital financeiro numa especialização enviesada da economia portuguesa nos sectores de bens não transaccionáveis, conducente a um endividamento externo alimentado por esse capital financeiro, são evidentes."
Ou seja, o efeito do excesso de crédito da banca conduziu, no passado, a um excesso de endividamento externo. Presumo que por bens "não transaccionáveis" inclua o investimento público em estradas (directa ou indirectamente através de PPPs), hospitais, ...
No entanto, termina o seu post a apelar a uma recapitalização da banca (presumo que com os 12 mil milhões de euros disponibilizados pela troika para esse efeito) para que esta possa voltar a conceder crédito. Ou seja, propõe que o País se endivide junto da troika para conceder crédito que possibilitará mais consumo e, consequentemente, mais endividamento externo.
Para além de contrariar uma frase muito querida da esquerda ("o dinheiro da troika não deve ir para os bancos"), não percebo como sana esta contradição: diminuir endividamento externo (1ª parte do post) vs aumentar o consumo e consequentemente o endividamento externo (2ª parte).
Pode, por exemplo, comentar uma noticia de hoje: o imposto sobre vendas automóveis diminuiu cerca de 100 milhoes de euros. Boa ou má notícia?
A Grécia anunciou à pouco que não vai conseguir cumprir o acordo com a troika e que só atingirá os 8,5% (mais 0,9% do que o acordado) se o Estado conseguir despedir mais pessoas (já foram despedidas 200 mil, a troika pede mais 150 mil) e se conseguir arrecadar mais receita nestes 3 meses que faltam para acabar o ano.
"As responsabilidades do capital financeiro numa especialização enviesada da economia portuguesa nos sectores de bens não transaccionáveis, conducente a um endividamento externo alimentado por esse capital financeiro, são evidentes."
E as responsabilidades da esquerda que ainda há dois anos defendia mais dívida para obras públicas?
Continuamos a não ter uma esquerda social-democrata que se preocupe com a produção nacional e as empresas produtivas.
Ainda na sexta-feira tive uma discussão com um membro da Comissão Nacional do PS que insistia que a CGD devia ser gerida como um banco privado e como tal a sua administração poderia aprovar qualquer tipo de crédito.
Queria vos sugerir a ideia:
"Tráz um Amigo no 15 de Out".
Se formos 200.000 pasariam a 400.000 ;)
Há sempre alternativa, e neste momento tão difícil que o pais atravessa, com tendência a piorar de dia para dia e com a persistência de más práticas politicas,a alternativa é sem dúvida, os portugueses virem para a rua mostrar a sua indignidade.
Penso que chegou o momento dos portugueses,deixarem de ser benevolentes,com os responsáveis que os trouxeram a esta situação.
A manifestação de 15 Outubro com certeza que irá mostrar mais uma vez o estado de alma de todos os portugueses,só espero que daqui para a frente se consiga encontrar soluções,verdadeiramente corretas para que Portugal possa traçar um novo rumo para bem de todos.
Caro Nuno Teles,
Desculpe a minha insistência, mas gostava mesmo de conhecer a sua análise à notícia noticia de hoje: o imposto sobre vendas automóveis diminuiu cerca de 100 milhões de euros. Boa ou má notícia, sabendo que:
- A diminuição da cobrança dos impostos resulta de uma diminuição da compra de carros (consumo);
- Em parte, essa redução nas vendas pode ter resultado de uma diminuição do crédito concedido pelos bancos para compra de carro;
- As empresas do sector (e os seus empresários) deixaram de receber 600 milhões de euros, reduzindo assim os seus lucros ("obscenos" diria);
- Podem estar em causa postos de trabalho;
- Diminuíram as importações uma vez que provavelmente grande parte dos carros vendidos seriam importados;
- Vai "diminuir" (não aumentar) o consumo de combustíveis e consequentemente a sua importação;
- O ambiente e os transportes públicos vão beneficiar desta "redução" do parque automóvel.
Em suma, e voltando ao seu post, deveria a banca ser recapitalizada para atribuir mais crédito ao consumo?
Caro António Carlos,
Onde, no meu texto, leu que se deve promover o crédito ao consumo?
Nuno
Caro Nuno Teles, caro António Carlos, caros todos
Atenção que, evidentemente, a terapia de que estamos necessitados é complexa e multímoda. Não é/será necessário fazer uma coisa, mas várias.
Agora as ideias do Nuno, visando por exemplo o crédito selectivo às exportações e uma maior intervenção do Estado no sector bancário (no limite, acrescento eu, a nacionalização da banca, como única forma de evitar que o sector financeiro tenha as características predatórias que adquiriu) são sem dúvida ideias importantíssimas e contributos que se agradecem.
Pode ser ainda só uma gota de água dada a quem sai do deserto, sim; e pode não matar toda a sede... mas também pode salvar a vida!...
Ah, e também ajuda decerto a salvar-nos denunciar enfaticamente o regime de controle apertadíssimo do pensamento e de brainwash interminável em que a opinião pública está mergulhada. Claro que ajuda. Se não fosse isso, talvez a conversa geral fosse realmente outra.
Em todo o caso, felizmente há CGTP neste país. E, já agora também, felizmente há Nuno Teles.
Obrigado, Nuno. Continue, que faz muita falta...
C. Albuquerque, nem todas as "obras públicas" säo benignas e virtuosas. Estádios de futebol näo o säo, mas tanto PS como PSD apresentaram o caso como "desígnio nacional"; em Portugal consideram-se "obras públicas" as PPP e outros que tais que só servem para encher o bolso aos amigos e depenar o Estado.
Obras públicas virtuosas criam emprego e riqueza a médio e curto prazo, caso das ferrovias NORMAIS que tanto desprezaram. E näo auto-estradas que, para além de estarem vazias e darem prejuízo ao Estado, ainda aumentam a dependência energética e desertificam o interior. AH POIS É!
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