Ao longo dos últimos anos, o recurso a aumentos do IVA para aumentar a receita fiscal tem sido sistemático e crescente. Essa não é, de resto, uma especificidade portuguesa, embora aqui a tendência seja particularmente intensa. A OCDE e a UE têm referido uma tendência para a transferência de receita da tributação directa (IRS e IRC), mas essa constatação não é feita com grandes sinais de preocupação. Devia ser.
Já é bem conhecido o problema de equidade associado à tributação do consumo, sobretudo quando comparada com a tributação directa. Os impostos sobre o consumo são, na melhor das possibilidades, proporcionais, mas, na realidade, regressivos, já que a percentagem de rendimento dedicada ao consumo é mais elevada entre os contribuintes com rendimentos menos elevados.
No actual contexto, as alterações nas categorias de bens de primeira necessidade com taxas reduzidas de IVA (justificada com alguns casos pitorescos mas pouco relevantes do ponto de vista do volume de receita), agrava esse perfil, pois reduz ou elimina o único elemento de justiça fiscal na estrutura deste imposto, na ausência de uma taxa especial para bens de luxo, que poderia concretizar o mesmo objectivo, do outro lado do nível de rendimentos e afectando um sector económico bem mais desafogado.
Pelo contrário, os aumentos e as alterações de categorias do IVA atingem de forma bem mais grave a actividade de muito mais empresas em Portugal, que têm muito menos margem de manobra, por três razões: (1) atingem um segmento de consumo já muito pressionado, o que leva a que as empresas tenham que assumir pelo menos uma parte da carga fiscal adicional, (2) o IVA afecta a estrutura de custos de todas as empresas, ou seja, não discrimina (como o IRC, por exemplo) entre empresas com bons resultados e empresas que enfrentem situações de pré-falência e (3) os aumentos do IVA agravam as pressões de liquidez das empresas que têm com frequência que o liquidar antes de receberem os pagamentos respectivos.
Além disso, os aumentos no IVA (passados e futuros) ameaçam conjugar-se com o impacto do corte no subsídio de Natal, constituindo-se como um autêntico cabo das tormentas que, no final deste ano e início do próximo, muitas empresas não conseguirão atravessar. Sobretudo no sector do comércio, que já tem sido brutalmente afectado pela austeridade. Convinha que alguém explicasse ao Ministro que empresas falidas pagam 0% de impostos.
Mas há ainda um aspecto estrutural sobre o qual um país em crise deveria reflectir. E, já agora, o espaço económico também em crise a que esse país pertence. A tributação directa sobre os rendimentos do capital e a tributação (quando progressiva) dos rendimentos singulares têm efeitos estabilizadores na economia que o IVA não tem, como se pode ver. Porque, ao contrário do IVA, as receitas da tributação directa reagem mais do que proporcionalmente às flutuações da actividade económica, arrefecendo-a em períodos de expansão e apoiando-a em períodos de abrandamento.
Assim, ao alterar a estrutura da sua receita fiscal, as economias que seguirem este caminho (e na Europa são todas), enfraquecem os seus instrumentos de resposta a contextos de crise. É um erro que nos vai explodir nas mãos nesta crise… e nas próximas.
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