segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A crise (adiada) do neoliberalismo - parte V

(Continua daqui: I, II, III e IV)

Parte das poupanças dos mais ricos é reciclada sob a forma de crédito ao consumo e à habitação para as classes menos favorecidas. A estagnação dos salários reais dos grupos de rendimentos mais pobres implica que o crescimento do consumo só pode ser obtido através do recurso ao crédito, originando um novo mercado atractivo para os investidores financeiros. No mercado da habitação, como noutros mercados, o afluxo em massa de capitais (desta feita sob a forma de crédito) favorece o crescimento dos preços dos activos, convidando as famílias a endividar-se na expectativa de que os preços das casas continuarão a subir no futuro. Mas não sendo o aumento do preço da habitação acompanhado pelo crescimento dos rendimentos reais, mais cedo ou mais tarde o valor dos activos imobiliários revela-se insustentável. Aos primeiros sinais de incumprimento nas prestações aos bancos, antecipando uma possível queda dos preços, alguns proprietários começam a desfazer-se das suas casas, contribuindo assim para despoletar o colapso da bolha especulativa imobiliária.

Na crise financeira que teve início nos EUA, com origem precisamente no mercado de crédito à habitação dirigido a famílias com menores posses, os efeitos do colapso da bolha especulativa fizeram-se sentir muito para lá do universo dos actores directamente envolvidos. Desta feita, não foram apenas as famílias que se viram a braços com dívidas que superavam em muito o valor das casas, ou os bancos que se tornaram proprietários de habitações difíceis de transformar em liquidez no imediato. A crença na auto-regulação dos mercados, que esteve na base da desregulação financeira e da demissão das agências públicas responsáveis pelas actividades de supervisão, permitiu que os créditos concedidos pelos bancos fossem transformados em títulos transaccionados nos mercados financeiros e incorporados em produtos financeiros crescentemente opacos e complexos. A difusão destes produtos pelo sistema financeiro mundial conduziu a uma crise generalizada, que paralisou as actividades seguradoras e de crédito, provocando uma crise económica sem precedentes nas últimas décadas, cujos efeitos ainda se farão sentir por alguns anos.


(Texto publicado no anuário JANUS 2011-2012. Continua.)

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