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Presumo que o João Galamba argumentará que nesse caso o default seria totalmente absorvido pelo BCE. Aqui discordo. O BCE, como qualquer banco, tem capital próprio fornecido proporcionalmente por cada um dos Estados membros. Com um default, o BCE teria de ser recapitalizado por forma a absorver as perdas. Aliás, mesmo sem o cenário do default, o seu balanço aumentaria desmesuradamente, levando à necessidade de recapitalização. Ou seja, nestes cenários, o BCE tem a garantia, pelo menos implícita, da capacidade dos estados de, individualmente, recolherem impostos que sirvam para fazer frente a eventuais perdas. Mas o problema está no facto de esta recapitalização exigir muito mais do orçamento alemão do que do português. No fundo, os eleitores alemães estariam assim a pagar a factura da mutualização das dívidas ou de um eventual default grego. Penso que está aqui a razão da resistência alemã a qualquer solução deste género.
Mas vou presumir (a minha presunção talvez seja demasiada) que João Galamba argumenta que na verdade o capital próprio de um banco central, ou mesmo as garantias orçamentais que lhe subjazem, são irrelevantes. Bancos centrais não poderiam ir à falência por definição e o BCE teria o poder de simplesmente apagar as perdas do seu balanço. Começamos aqui a navegar em terreno desconhecido e, provavelmente, meramente teórico. O euro, mais do que qualquer projecto político, foi constituído como moeda de reserva internacional concorrente do dólar (papel em que foi bem sucedido) ao serviço dos interesses do capital financeiro dos países do centro europeu. No entanto, face à posição dominante do dólar, não me parece que a aceitabilidade internacional (ou mesmo doméstica) do euro fosse a mesma no cenário acima descrito. O euro seria uma moeda mais fraca, já que a confiança na moeda desapareceria, pelo menos parcialmente. Neste cenário, países como a Alemanha, que construíram o euro à imagem do marco, não teriam interesse na moeda única.
Resumindo, qualquer mutualização da dívida à escala europeia (quer seja via BCE ou outro mecanismo como as euro-obrigações) só pode ser bem sucedida se tiver uma garantia orçamental, com recursos próprios, que escape aos interesses nacionais de cada país. Essa garantia chama-se orçamento europeu, com impostos europeus. E para isso, tenho muita pena para quem não gosta da palavra, precisaríamos de federalismo democrático. Se tal projecto é possível politicamente é outra conversa, mas uma coisa é certa, não há solução económica europeia sem Estado europeu.