quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Querido diário - "Não somos capitalistas selvagens"

O presidente do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, bateu-se hoje, na RTP, contra o deputado do IL, João Cotrim de Figueiredo. 

Um dos argumentos esgrimidos para se diferenciar do partido que poderá roubar bastantes milhares de votos ao CDS foi o de que quem está no CDS não entrega os seus valores à lógica do mercado. Que defendem a doutrina social da Igreja e a existência de um Estado para conceder a igualdade de oportunidades a quem nasceu pobre. 

É salutar que Rodrigues dos Santos defenda esses valores, mas é de estranhar que se tenha esquecido que, quando não havia IL e alguém no Governo tinha de executar o programa liberal, os ministros do CDS aplicaram convicta e entusiasticamente as medidas vincadas por esse ideário.

Há dez anos, eram aprovados os cortes ao subsídio de desemprego, tanto no seu valor - acabando com o seu valor mínimo e cortando no seu valor máximo - como no tempo da sua duração (cortado a metade). Tudo para "incentivar a procura activa de emprego" por parte dos desempregados, tendo eventualmente que aceitar salários mais baixos.

Tudo em nome do fim da "subsídio-dependência" e da entrega dos desempregados à lógica do mercado. 

E sobre a primado da concertação social - defendido como uma regra de ouro do CDS - convém lembrar que o Governo Passos Coelho/Paulo Portas usou a Comissão Permanente da Concertação Social para aprovar os diplomas que pretendiam e desvalorizou um debate aprofundado de temas relevantes ao país. Sobre os pormenores desse mandato, queira ler um dos capítulos do 3º Relatório Anual do Observatório sobre Crises e Alternativas, elaborado a partir das actas das diversas sessões.

Apenas para dar um cheiro do que se passava, transcreve.-se algumas das notas de rodapé desse capítulo:

 

A CGTP chamou a atenção: «Normalmente a comunicação social tem conhecimento dos documentos e propostas que o governo pretende discutir em sede de concertação antes dos parceiros, o que constitui uma desvalorização do papel dos parceiros sociais» (CPCs, 08/04/2009). A CGTP criticou o anúncio, sem discussão na CPCs por parte do primeiro-ministro e do presidente do PSD, de “alterações estruturais” ao regime do subsídio de desemprego, de redução do seu valor (CPCs, 05/05/2010). A CGTP criticou a divulgação prévia à comunicação social dos documentos relativos à discussão das MAE (CPCs, 10/01/2011). A CGTP questionou o ministro da Solidariedade e da Segurança Social sobre se as noticias divulgadas pela comunicação social relativas à redução do número de meses de subsídio de desemprego para os desempregados de longa duração correspondiam à verdade. Foi o ministro da Economia — denunciando a fonte da informação? — que esclareceu haver apenas um working paper. O ministro da Solidariedade disse que o estudo que saiu a público não era do governo, nem o governo se revia nele (CPCs, 19/02/2013).

(...)

A CGTP acusou o governo «de falta de transparência e má-fé negocial», pois o seu secretário-geral teria sido informado pelo primeiro-ministro, «telefonicamente, uma hora antes da assinatura do acordo subscrito com outros parceiros e numa altura que o assunto já era público», sendo inconsequente o pedido de ratificação já que o Decreto-Lei fora previamente publi- cado a 01/10/2014 (CPCs, 2009–2015).

A CCP referiu que «não negociou com qualquer central sindical o acordo, mas sim com o governo, estando em causa uma negociação um pouco atípica». A UGT disse que não participou em quaisquer reuniões de concertação sobre aquele tema e que apenas tivera contactos telefónicos com o governo, achando que o correto teria sido a obtenção do acordo na CPCs. A CGTP enfatizou que «este é um momento negro para o diálogo social e a CPCs confirma a falta de respeito do governo para com os parceiros sociais e o presidente do CES». O ministro respondeu que «era da maior importância que a atualização do SMN fosse feita por acordo com os parceiros sociais capazes de assumir compromissos». A CGTP considerou que o ministro devia «respeitar a inteligência dos representantes dos parceiros sociais» e reafirmou que a CGTP «não se auto-excluiu, mas que foi excluída pelo governo» e que «não aceitam juízos de valor, mormente quando o governo afirma que assinou com as organizações que têm capacidade de compromisso. [...] Esta é uma questão que a CGTP não irá deixar passar em branco». O ministro pôs à votação a ratificação do acordo assinado a 24/09/2014, e votaram a favor a CCP, CIP, CTP e UGT. Os representantes da CGTP votaram contra, tendo feito a seguinte declaração de voto: «Naturalmente que votam contra o Acordo, pela insuficiência do valor e pela forma como todo o processo decorreu, mas não contra a atualização do SMN» (CPCs, 2009–2015).

8 comentários:

Anónimo disse...

"ministro pôs à votação a ratificação do acordo assinado a 24/09/2014, e votaram a favor a CCP, CIP, CTP e UGT."
É estranho. A organização sindical UGT votou a favor mas os únicos neo-liberais são o PSD e o CDS.

TINA's Nemesis disse...

Todos nós sabemos como os do CDS são os primeiros a seguir os mandamentos de Cristo...
Salazar também era um fiel seguidor da doutrina de Jesus...
O Ventura, o Passos, o Sr. Silva também são bons cristão...
Tudo gente boa a quem o povo português deve tantos momentos de felicidade...

Anónimo disse...

Caro JRA,

Sugiro-lhe a análise futura aqui no blog o Artigo 19º do Orçamento de Estado proposto pelo Governo PS para 2010 (https://dre.pt/dre/detalhe/lei/55-a-2010-344942). Repito, Orçamento de Estado proposto pelo PS.

Anónimo disse...

Pedro Mota Soares, Assunção Cristas, Paulo Portas...bons tempos...Gente séria, gente de boa vontade e de bons costumes, fazem falta líderes destes que sempre se bateram pela igualdade de oportunidades dos pobres.

João Ramos de Almeida disse...

Caro anónimo 1,
Claro que nem sempre são apenas os liberais a defender políticas liberais. Já neste blogue temos abordado o risco que se tornou a captura de eminentes socialistas à agenda liberal. Isso inclui mormente Vítor Constâncio - que, com Cavaco Silva, abriu a porta à revisão constitucional ao largo do Parlamento permitiu o rolo compressor privatizador); António Guterres - que abraçou toda a agenda europeia (mormente a adesão à moeda única) que nos colocou nesta situação; José Sócrates que abraçou todos os entorses que daí decorreram, etc., etc.. O que a UGT fez neste capítulo deve ser remetido a este problema de base.

Caro anónimo2,
Estou em crer - só pode ser! - que tentou fazer humor...

João Ramos de Almeida disse...

Caro Anónimo entre 1 e 2,
Pois, creio que a resposta já foi dada na resposta anterior.

José Sócrates foi cedendo à pressão liberal vinda da União Europeia. A partir do 2º trimestre de 2010, o pensamento dominante na UE mudou. Passou da defesa de uma intervenção pública fomentando a procura e tentando compensar o arrefecimento recessivo (fruto da crise internacional criada pelos desmandos do sector financeiro); para uma obtusa austeridade que colocou os povos europeus a pagar outros desmandos do sector financeiro, provocando uma funda recessão generalizada. E o choque então criado permitiu a "revolução" liberal a que se assistiu.

As medidas adoptadas desde aí em Portugal, nomeadamente pelo PS de José Sócrates de 2010 à intervenção da troica em 2011, têm esse selo. Quando mais medidas de austeridade eram adoptadas, mais ineficazes se tornavam, para combater a recessão, e mais os loucos da Comissão Europeia pediam ainda mais medidas recessivas. O estranho é que o Governo de Passos Coelho/Paulo Portas abraçaram essa matriz e provocaram um caos gerador de uma taxa de desemprego de 25% da população activa alargada!

A austeridade tem uma lógica, mas dela não faz parte a procura de soluções para combater uma recessão. Ela visa - como já se disse e a coberto de uma "solução" para os desequilíbrios externos - colocar o povo a pagar os "buracos" dos bancos, entretanto transferidos para os Estados que foram chamados a cobri-los. A austeridade é socialização dos prejuízos de alguns que, no final, nem foram obrigados a ter de executar trabalho cívico para a comunidade nem a sua propriedade foi tocada!

É curioso - apenas curioso, para não dizer criminoso - que os liberais tanto façam por esquecer a sua responsabilidade na recessão criada com este pensamento. O pensamento liberal falhou, e falhou estrondosamente!

Cuidado, pois, com as repetições...

Anónimo disse...

Caro João Ramos de Almeida

Era de facto ironia mas pensei que fosse evidente, ainda assim percebo a sua hesitação, a mentira e a falta de capacidade fazem do mundo de hoje um lugar estranho e difícil de entender.

Anónimo disse...

Não são capitalistas selvagens mas têm como ídolos Margaret Thatcher e Ronald Reagan.