Desde 1994 existiram seis pacotes de programas de perdão fiscal. A maior parte deles, onde se incluí o último, o programa PERES de 2016, assentava na ideia de regularizar dívida à Autoridade Tributária e à Segurança Social. Este programa previa que, ao abater o montante em dívida na totalidade ou em prestações, não eram cobrados custos adicionais como juros de mora.
O argumento de que este tipo de perdão fiscal é perverso porque beneficia quem não paga a horas, incentivando as empresas a esperar por um novo programa, poderá ter alguma validade quando se olha para o grau de concentração das receitas. Mais tarde, soube-se que através do PERES dez contribuintes pagaram 44,8% da receita obtida, poupando 78 milhões de euros, e que cinco empresas do PSI-20 usufruíram destes benefícios, conseguindo uma poupança de 36 milhões de euros em despesas processuais.
No entanto, a crítica a ser feita não se deve prender com a sua conceptualização, mas antes com o tipo de contribuintes a que se dirige. Faz parte das funções do executivo gerir as necessidades de receita e será legítimo recorrer a este tipo de programas para que se recupere no imediato uma parte do que a médio-longo prazo já se assumia como perdido. Circunscrito a particulares e a PME que demonstrem dificuldades financeiras, este tipo de programas, do ponto de vista social, cumprem a função de aliviar o sufoco da dívida para pequenos contribuintes. Aliás, também se soube, que no PERES 10.000 das dívidas liquidadas eram consideradas incobráveis.
Os programas que representaram uma rutura com esta linha foram os RERT I, II e III (2005, 2010 e 2012). Assentes numa retórica de combate à fuga fiscal, pretendiam fornecer informação do que não se sabia (e não reaver a dívida já conhecida pelas autoridades). O capital que não tivesse sido declarado (e por isso não tributado), poderia ser agora “limpo”. Em troca dessa informação, era garantido aos beneficiários que ficariam a salvo de possíveis infrações criminais, usufruindo de uma taxa substancialmente menor do que em situações regulares – 5% e 2,5% se o capital fosse reinvestido em dívida pública nas duas primeiras versões, e 7,5% na última. A perversidade destas “amnistias fiscais” foi, por isso, múltipla.
Primeiro, do ponto de vista de geração de receita extraordinária, os programas RERT ficaram muito aquém dos outros programas. Desde 2002 (a partir do programa Ferreira Leite) contabiliza-se que cada programa conseguiu arrecadar acima dos mil milhões de euros, enquanto as amnistias traduziram um encaixe bem menor – a última versão, a que teve maior adesão, arrecadou cerca de 260 milhões de euros.
Segundo, o argumento de que os RERT permitiram saber mais sobre o capital não declarado é pouco convincente, ou pelo menos pouco exigente. Em 2019, um estudo da Comissão Europeia estimava que Portugal tinha em offshore um valor muito superior, aparecendo recorrentemente no grupo dos piores países europeus. Só em 2014, quando se atingiu o pico, previam-se 69,92 mil milhões dólares (mais de 30% do PIB). No total dos três programas foram regularizados cerca de 6 mil milhões, ou seja, 10%. Haverá melhores formas de garantir a transparência fiscal, como seja, por exemplo, o levantamento do sigilo bancário.
Depois, ainda que se possa ter argumentado posteriormente que não foram só as grandes fortunas que beneficiaram destas amnistias, revelou-se que, dos 3600 contribuintes que aderiram, 188 eram grandes contribuintes e que conseguiram legalizar 853 milhões de euros (14% do total). Mais, quando se lê posteriormente as justificações dadas pelos beneficiários destes regimes é muito claro que a riqueza detida tem lastro histórico e que há um certo sentimento de impunidade.
Por fim, a tutela dos registos e o processamento das aplicações foram muito distintas. A regularização de dívida foi feita junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social, a declaração do capital detido no estrangeiro foi feita pelos bancos comerciais. Só mais tarde a Autoridade Tributária teve acesso à documentação e com resistência. Ou seja, o nível de transparência associada a cada um foi muito diferente.
Pela regularidade com que aparecem, não seria de estranhar que um novo programa de perdão fiscal surgisse nos próximos anos (por exemplo, aqui já houve quem o defendesse). Lembrarmo-nos do que foram as amnistias fiscais (a última já no governo de Passos Coelho), que beneficiaram nomes como Ricardo Salgado e que pouco contribuíram para as receitas públicas, é útil para escolhermos o rumo do próximo ciclo político. Tem sido a esquerda a fazer o combate pela transparência financeira e a ser exigente na defesa dos contribuintes mais vulneráveis.
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3 comentários:
"Tem sido a esquerda a fazer o combate pela transparência financeira e a ser exigente na defesa dos contribuintes mais vulneráveis"?
Nem toda a "esquerda". É duvidosa a participação do PS neste combate e nesta defesa, convém não esquecer a responsabilidade dos governos Sócrates nos RERT.
Quanto mais tributam mais fogem - princípio da legítima defesa.
O nosso Zézito, é impagável. Agora vai receber instruções do comandante de pelotão, vejam bem: em Marte. Boa viagem Zé! E, como diz o Povo com aquela ironia fina e decantada, leva para lá muitas saudades nossas, que é coisa que cá não deixas.
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