segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Educação, inovação e intervenção pública: o resto é banha da cobra

A mensagem mais eficaz dos partidos da direita (todos eles) durante a campanha eleitoral em curso é a de que a economia portuguesa tem vindo a ser ultrapassada por vários países do Leste europeu que eram até há pouco tempo pobres e que isso se deve a 25 anos de "políticas socialistas" em Portugal. Será mesmo assim? 

Há seis países cujo PIB per capita medido em paridades de poder de compra é hoje superior ao português, mas que não o era em 1995. Desses, dois deles (Malta e Chipre) são ilhas mediterrânicas (e não países de Leste) com menos de um milhão de habitantes. Dos restantes, três têm entre um e três milhões de habitantes (Estónia, Lituânia e Eslovénia), sendo a República Checa o único com uma dimensão idêntica a Portugal (10,7 milhões). 

Dois daqueles países (Malta e Eslovénia) já tinham níveis de PIB per capita idênticos aos portugueses em meados da década de noventa. Outros dois (Estónia e Lituânia) perderam população no período em análise, o que não só ajuda a explicar a melhoria dos rendimentos per capita, como sugere que a sua população não está assim tão entusiasmada como a direita portuguesa parece estar. 

Se há coisa que estes países têm em comum e que os distingue de Portugal são os níveis de educação: em todos eles a proporção de adultos activos com o ensino secundário completo é superior ou muito superior a Portugal (no caso dos países de Leste os valores são ainda hoje quase o dobro e já é assim há muitas décadas). Se queremos perceber por que motivo têm crescido mais estes países, é por aqui que devemos começar. 

Às qualificações superiores vale a pena acrescentar outros factores que têm pouco a ver com o imaginário da direita portuguesa. Tomemos como referência a República Checa, o único dos seis países com dimensão comparável à portuguesa. Para além dos níveis educacionais muito superiores aos de Portugal (94,1% da população tem o ensino secundário, por comparação com 55,4% em Portugal) e de ter iniciado o seu processo de industrialização muito mais cedo (foi das primeiras economias industrializadas da Europa, ainda no século XIX), o mapa anexo ilustra uma característica que devemos ter bem presente: a sua ligação à economia alemã. 

A Alemanha é o principal destino de exportações da República Checa. Por sua vez, este país é o elo principal da cadeia de produção da indústria automóvel alemã. Isto não aconteceu por acaso, nem por receitas políticas milagrosas. O muro de Berlim mal tinha caído e já a Alemanha estava a assinar um “Tratado de Vizinhança” com a Checoslováquia, abrindo portas à entrada em força do investimento alemão naquele país, cujas fronteiras penetram bem fundo os territórios do leste da Alemanha. A proximidade geográfica, os laços históricos, as elevadas qualificações, os baixos salários, o domínio da língua alemã por boa parte da população, a vontade das lideranças alemãs em ocupar rapidamente o espaço deixado livre pelo fim do bloco soviético – tudo isto contou para a acelerada reindustrialização da antiga Checoslováquia. 

Enquanto isto, Portugal seguia o caminho contrário. A liberalização financeira, a privatização das grandes empresas rentistas, a valorização cambial do euro, a entrada da China na OMC e o próprio alargamento a Leste determinaram o rápido desmantelamento de boa parte da indústria portuguesa e o foco nos sectores protegidos da concorrência. Não foi por falta de “liberdade económica” ou de “excesso de socialismo” que a economia portuguesa estagnou no último século. Liberalização, privatização e desregulamentação das relações laborais foi o que mais tivemos desde 1995. 

Não é com mais agenda liberal que a economia portuguesa vai recuperar. É preciso continuar a investir em educação e em inovação. É preciso um Estado que seja um parceiro activo das empresas e dos centros de saber na promoção da mudança estrutural, como o foi ao longo dos séculos em todos os países que se desenvolveram. Acima de tudo, é preciso persistência e perseverança. O resto é banha da cobra. 

(Podem analisar alguns dos dados aqui referidos no site "O Estado da Nação em Números").

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu tenho uma solução para baixar os impostos (e é a solução que foi aplicada há décadas nos países de que os liberais tanto gostam de falar): nacionalizem setores estratégicos e lucrativos da economia portuguesa. Se o estado tiver no seu controlo mais empresas lucrativas, terá mais lucro logo não precisará de cobrar tantos impostos para pagar coisas como saúde e educação, áreas nas quais os liberais defendem que o Estado deve esbanjar dinheiro pagando aos privados.
Mas não foi isso o que o Estado fez em Portugal, pelo contrário, vendeu empresas como a EDP ao Estado chinês. Os liberais nem se opõem à existência de empresas estatais, só não podem é pertencer ao Estado português.

Jaime Santos disse...

Curiosamente, a República Checa, além de ter sido um potentado económico ainda nos tempos do Império Austro-Húngaro como refere e ter uma população altamente qualificada (graças ao sistema público de educação socialista) também não é membro do Euro, o que provavelmente lhe permitiu escapar às armadilhas causadas pelas falhas na arquitetura da moeda única (e não, este reconhecimento pela minha parte de algo com que o próprio António Costa concorda não implica uma defesa de saída de Portugal do Euro, porque uma coisa é entrar no Haman, outra é sair dele).

Sim, a História explica quase tudo. Mas era preciso que Costa tivesse feito uma pequena resenha dessa História em lugar de se colocar em posição para ser metralhado pelos pseudo-Liberais da pseudo Iniciativa...