quarta-feira, 26 de janeiro de 2022
A dignidade do trabalho e o Estado Social são a nossa casa comum
«O que atravessa as propostas da direita portuguesa é uma visão profundamente individualista da sociedade. É a ideia que as pessoas se interessam, aliás, se devem apenas interessar pelas suas vidas. A ideia de sociedade de cada um por si, sem querer saber o que acontece aos outros. É por isso que a direita dá tanta centralidade ao mercado e é por isso que nunca fala de desigualdades. Acredita numa sociedade de vencedores e vencidos, em que o sucesso de alguns é o insucesso de muitos.
(...) É por isso que onde a direita ambiciona sempre incutir os valores da competição, nós temos de proteger os valores da cooperação. Nós cooperamos porque reconhecemos que sozinhos somos seres limitados. Que coletivamente somos mais fortes e que a nossa força resulta da pluralidade, da partilha, da solidariedade. Cooperamos porque para nós os problemas de uns são os problemas de todos.
(...) É por isso que nos afastamos das propostas defendidas pela direita, sobretudo quando ela as faz em nome da “liberdade”. (...) A liberdade para nós não é um valor abstrato, não é um recurso proclamatório. Para nós a liberdade que conta é a liberdade efetiva e igual para todos, não só para alguns.
(...) Liberdade é, depois de termos trabalhado uma vida inteira, podermo-nos reformar sem ficar dependentes da caridade alheia ou à mercê dos mercados financeiros. E essa liberdade só o sistema público de pensões nos pode dar. Liberdade é podermos ter uma formação de qualidade, sejamos nós filhos de um patrão ou de um trabalhador. E essa liberdade só a escola pública nos pode dar. Liberdade é termos acesso a cuidados de saúde de qualidade sem que nos perguntem se os conseguimos pagar. Essa liberdade só o Serviço Nacional de Saúde nos pode dar. Esta liberdade igual para todos e não só para alguns – para aqueles que a podem pagar – não cai do céu. Ela existe porque foi conquistada, porque foi construída, porque ao longo da história nos organizámos coletivamente para lhe dar uma tradução institucional a que chamamos “Estado Social”.
(...) Que ninguém se esqueça que a grande maioria da população portuguesa não é licenciada e que nenhum país se desenvolve se se esquecer de respeitar, reconhecer e valorizar o trabalho de todos, independentemente dos seus estudos. De todos aqueles que fazem trabalho manual e social. Valorizar e respeitar os nossos operários, os nossos homens e mulheres que fazem as coisas que usamos para viver. Os nossos sapatos, as nossas roupas, os nossos móveis, as nossas casas. Valorizar e respeitar as mulheres e os homens que garantem que as nossas cidades, os nossos hospitais ou as nossas casas são limpas. Valorizar e respeitar aqueles que cuidam, em instituições ou em casa, dos nossos idosos, das nossas crianças ou das pessoas com deficiência.
(...) Para a direita, uma sociedade de vencedores e vencidos é sinónimo de “sociedade meritocrática”. Falam em “mérito” para justificarem e aceitarem desigualdades. Mérito? (...) Aquelas mulheres que cozem as gáspeas, as partes dos sapatos, horas e horas seguidas, sentadas sem quase olhar para o lado, sempre a olhar para a agulha, para a pele e para a linha... não têm mérito? Os técnicos de manutenção da CP não têm mérito? Aqueles homens que conseguem fazer milagres e mantêm comboios com 50 anos a circular em Portugal não têm mérito? As técnicas sociais dos lares, creches, cercis, não têm mérito? Aquelas mulheres e homens que cuidam todos dias dos nossos idosos, das nossas crianças e dos nossos familiares com deficiência... não têm mérito? Só conseguiremos ter um país desenvolvido e forte se valorizarmos e respeitarmos todos os que trabalham.
(...) A cola da nossa comunidade, a nossa casa comum é o Estado Social, a maior construção coletiva de que fomos capazes. Uma construção que devemos proteger, aprofundar e, quando a colocam em causa, defender dos que a querem destruir em nome da “liberdade”.»
Da intervenção de Pedro Nuno Santos, ontem em Aveiro.
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7 comentários:
Nestes seis anos de governo PS,PSD foi o partido que mais vezes votou ao lado do PS:57.8%.
Por mim pagava-se pelo menos 2000€ por mês a toda a gente que faz trabalho manual e o salário mínimo aos parasitas que vivem da especulação financeira.
O PS é a casa comum de António Costa, Augusto Santos Silva, Francisco Assis, Pedro Nuno Santos, etc.
reduz o país a gaspeadeiras do século XX de agulha na mão a fazerem sapatos e a técnicos da CP que consertam máquinas também do século passado acho que parou no tempo
Excelente discurso, mais gente no PS devia assumir com clareza o que deve ser um partido socialista.
Há cerca de três meses - meia dúzia de dias ANTES DO CHUMBO da proposta de OE2022 -, as estimativas divulgadas em https://sondagens.rr.sapo.pt eram assim: PS com 39.65%, PSD com 26.04%, Chega com 8.49%, BE com 6.26%, CDU com 5.57%, IL com 5.10%, PAN com 2.53%, CDS com 1.83% e Livre com 0.37%.
Vejamos então as possibilidades que Costa terá considerado por essa altura, se o país fosse para eleições antecipadas a pretexto do esperado chumbo do orçamento:
a) O plano A - maioria absoluta do PS sozinho - parecia perfeitamente possível, atendendo aos 39.65% já disponíveis (com o PSD a mais de treze pontos percentuais), mais a robusta "margem de progressão" que uma boa campanha de vitimização poderia oferecer ao PS;
b) O plano B - maioria absoluta da troika PS + PAN + Livre - parecia perfeitamente garantido, atendendo aos 42.55% já disponíveis, mais a expectável "margem de progressão" conjunta do PS e destes seus dois novos parceiros.
Entretanto, a dois dias das eleições, as estimativas divulgadas em https://sondagens.rr.sapo.pt ficaram assim: PS com 36.02%, PSD com 32.34%, Chega com 5.77%, BE com 5.80%, CDU com 5.20%, IL com 4.99%, PAN com 1.46%, CDS com 1.71% e Livre com 1.64%.
A campanha de vitimização do partido de Costa terá assim contribuído para a seguinte evolução das intenções de voto:
1. As forças políticas de esquerda que chumbaram a proposta de OE2022 perderam desde então 0.83 pontos percentuais (0.46 o BE e 0.37 a CDU), ou seja, muito poucochinho. O PS é que perdeu em grande: 3.63 pontos percentuais.
2. O PSD ganhou 6.30 pontos percentuais, ficando a menos de quatro pontos percentuais do PS.
Dizem que vem aí um acordo de cavalheiros PS/PSD, devidamente apadrinhado pelo (ir)responsável político que dissolveu o Parlamento e atirou o país para eleições antecipadas em plena pandemia:
https://expresso.pt/eleicoes-legislativas-2022/santos-silva-admite-acordo-de-cavalheiros-entre-ps-e-psd-para-cada-um-deixar-o-outro-governar/
A. Correia
Logo no início da sua "mensagem a propósito da realização das Eleições Legislativas" [ https://www.presidencia.pt/atualidade/toda-a-atualidade/2022/01/mensagem-do-presidente-da-republica-a-proposito-da-realizacao-das-eleicoes-legislativas/ ], o presidente Marcelo disse que estas seriam "as primeiras eleições parlamentares realizadas em pandemia e após rejeição, também pela primeira vez, de um Orçamento de Estado em Democracia".
É de notar que o presidente-comentador asneia imperdoavelmente quando diz que se trata da rejeição "pela primeira vez, de um Orçamento de Estado em Democracia".: na realidade, o chumbo de um OE no Portugal democrático já tinha ocorrido em 1978, quando Portugal - em plena crise, sob resgate do FMI - estava a cumprir um programa de austeridade. Mas, nessa altura - era Eanes o "Presidente de todos os portugueses" -, não houve dissolução do Parlamento: o Governo foi mesmo obrigado a apresentar uma nova proposta de orçamento, a qual foi aprovada por uma maioria de deputados.
A. Correia
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