quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

No que dá a deriva... "não ideológica"

Jornal Público, 12/1/2022
 
Na teoria, a ideia liberal é tão elegante. Mas na prática, a teoria é outra. 

No fim, tudo tem a ver apenas com apropriação de recursos públicos (leia-se, dinheiro!) por alguns muito ricos e com a captura do Estado nessa lógica, por receio de a defesa do interesse dos cidadãos (e não dos contribuintes!) parecer... ideológica!

Na teoria, os operadores privados do sector financeiro - supostamente em concorrência - teriam de se esforçar para obter os melhores resultados, baseados nos mais aprumados punhos de renda do mérito. Essa leal e transparente contenda seria em benefício dos consumidores que veriam baixar os custos do crédito e subir os juros dos seus depósitos, pagos pela instituição bancária. E caso alguém resvalasse no pecado da ganância, a entidade reguladora independente (leia-se, independente do poder político eleito!) actuaria para repor a sanidade da instituição e de quem a liderar. 

Por isso e pressionado pelos responsáveis não eleitos do Banco Central Europeu (BCE), o Governo socialista - pela pena de Mário Centeno - preferiu não nacionalizar o principal banco comercial privado português em queda e passou-o (leia-se, "pagou" com uma garantia de quase 4 mil milhões de euros para que alguém o "comprasse") a um fundo abutre que, como é do mais comum conhecimento público, não visa uma intervenção estrutural na economia em benefício do país e dos seus cidadãos, mas sim optimizar os seus lucros de curto prazo. E por isso, ao longo de vários anos, os anos previstos no contrato não divulgado aos cidadãos portugueses, foi encontrando milhentas imparidades nas carteiras de crédito que supostamente deveriam estar limpas, vendeu de forma polémica - sabe-se lá a quem! - as carteiras de créditos supostamente malparados mas com imóveis atrás e arrecadou ainda a compensação das imparidades concedidas pelo governo socialista. Quando acabou a garantia, o Novo Banco começou a dar lucro...

O caso descrito na notícia em cima - com pormenores deliciososamente negros de conluio de tácticas de comunicação e de desrespeito pelos deputados eleitos da comissão parlamentar de inquérito - é apenas um dos casos conhecidos. 

No final, Mário Centeno que foi para governador da entidade dita independente - sucursal da entidade não eleita Banco Central Europeu - agora terá avaliar o comportamento dos administradores do Novo Banco, escolhidos pelo fundo abutre, e decidir se foram meritórios. 

Mais um caso em que o Estado e os cidadãos portugueses foram secundarizados em proveito - ideológico - daqueles que não têm pejo em defender o ideário liberal dos mais ricos.    


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