Um dos argumentos esgrimidos para se diferenciar do partido que poderá roubar bastantes milhares de votos ao CDS foi o de que quem está no CDS não entrega os seus valores à lógica do mercado. Que defendem a doutrina social da Igreja e a existência de um Estado para conceder a igualdade de oportunidades a quem nasceu pobre.
É salutar que Rodrigues dos Santos defenda esses valores, mas é de estranhar que se tenha esquecido que, quando não havia IL e alguém no Governo tinha de executar o programa liberal, os ministros do CDS aplicaram convicta e entusiasticamente as medidas vincadas por esse ideário.
Há dez anos, eram aprovados os cortes ao subsídio de desemprego, tanto no seu valor - acabando com o seu valor mínimo e cortando no seu valor máximo - como no tempo da sua duração (cortado a metade). Tudo para "incentivar a procura activa de emprego" por parte dos desempregados, tendo eventualmente que aceitar salários mais baixos.
Tudo em nome do fim da "subsídio-dependência" e da entrega dos desempregados à lógica do mercado.
E sobre a primado da concertação social - defendido como uma regra de ouro do CDS - convém lembrar que o Governo Passos Coelho/Paulo Portas usou a Comissão Permanente da Concertação Social para aprovar os diplomas que pretendiam e desvalorizou um debate aprofundado de temas relevantes ao país. Sobre os pormenores desse mandato, queira ler um dos capítulos do 3º Relatório Anual do Observatório sobre Crises e Alternativas, elaborado a partir das actas das diversas sessões.
Apenas para dar um cheiro do que se passava, transcreve.-se algumas das notas de rodapé desse capítulo:
A CGTP chamou a atenção: «Normalmente a comunicação social tem conhecimento dos documentos e propostas que o governo pretende discutir em sede de concertação antes dos parceiros, o que constitui uma desvalorização do papel dos parceiros sociais» (CPCs, 08/04/2009). A CGTP criticou o anúncio, sem discussão na CPCs por parte do primeiro-ministro e do presidente do PSD, de “alterações estruturais” ao regime do subsídio de desemprego, de redução do seu valor (CPCs, 05/05/2010). A CGTP criticou a divulgação prévia à comunicação social dos documentos relativos à discussão das MAE (CPCs, 10/01/2011). A CGTP questionou o ministro da Solidariedade e da Segurança Social sobre se as noticias divulgadas pela comunicação social relativas à redução do número de meses de subsídio de desemprego para os desempregados de longa duração correspondiam à verdade. Foi o ministro da Economia — denunciando a fonte da informação? — que esclareceu haver apenas um working paper. O ministro da Solidariedade disse que o estudo que saiu a público não era do governo, nem o governo se revia nele (CPCs, 19/02/2013).
(...)
A CGTP acusou o governo «de falta de transparência e má-fé negocial», pois o seu secretário-geral teria sido informado pelo primeiro-ministro, «telefonicamente, uma hora antes da assinatura do acordo subscrito com outros parceiros e numa altura que o assunto já era público», sendo inconsequente o pedido de ratificação já que o Decreto-Lei fora previamente publi- cado a 01/10/2014 (CPCs, 2009–2015).
A CCP referiu que «não negociou com qualquer central sindical o acordo, mas sim com o governo, estando em causa uma negociação um pouco atípica». A UGT disse que não participou em quaisquer reuniões de concertação sobre aquele tema e que apenas tivera contactos telefónicos com o governo, achando que o correto teria sido a obtenção do acordo na CPCs. A CGTP enfatizou que «este é um momento negro para o diálogo social e a CPCs confirma a falta de respeito do governo para com os parceiros sociais e o presidente do CES». O ministro respondeu que «era da maior importância que a atualização do SMN fosse feita por acordo com os parceiros sociais capazes de assumir compromissos». A CGTP considerou que o ministro devia «respeitar a inteligência dos representantes dos parceiros sociais» e reafirmou que a CGTP «não se auto-excluiu, mas que foi excluída pelo governo» e que «não aceitam juízos de valor, mormente quando o governo afirma que assinou com as organizações que têm capacidade de compromisso. [...] Esta é uma questão que a CGTP não irá deixar passar em branco». O ministro pôs à votação a ratificação do acordo assinado a 24/09/2014, e votaram a favor a CCP, CIP, CTP e UGT. Os representantes da CGTP votaram contra, tendo feito a seguinte declaração de voto: «Naturalmente que votam contra o Acordo, pela insuficiência do valor e pela forma como todo o processo decorreu, mas não contra a atualização do SMN» (CPCs, 2009–2015).
8 comentários:
"ministro pôs à votação a ratificação do acordo assinado a 24/09/2014, e votaram a favor a CCP, CIP, CTP e UGT."
É estranho. A organização sindical UGT votou a favor mas os únicos neo-liberais são o PSD e o CDS.
Todos nós sabemos como os do CDS são os primeiros a seguir os mandamentos de Cristo...
Salazar também era um fiel seguidor da doutrina de Jesus...
O Ventura, o Passos, o Sr. Silva também são bons cristão...
Tudo gente boa a quem o povo português deve tantos momentos de felicidade...
Caro JRA,
Sugiro-lhe a análise futura aqui no blog o Artigo 19º do Orçamento de Estado proposto pelo Governo PS para 2010 (https://dre.pt/dre/detalhe/lei/55-a-2010-344942). Repito, Orçamento de Estado proposto pelo PS.
Pedro Mota Soares, Assunção Cristas, Paulo Portas...bons tempos...Gente séria, gente de boa vontade e de bons costumes, fazem falta líderes destes que sempre se bateram pela igualdade de oportunidades dos pobres.
Caro anónimo 1,
Claro que nem sempre são apenas os liberais a defender políticas liberais. Já neste blogue temos abordado o risco que se tornou a captura de eminentes socialistas à agenda liberal. Isso inclui mormente Vítor Constâncio - que, com Cavaco Silva, abriu a porta à revisão constitucional ao largo do Parlamento permitiu o rolo compressor privatizador); António Guterres - que abraçou toda a agenda europeia (mormente a adesão à moeda única) que nos colocou nesta situação; José Sócrates que abraçou todos os entorses que daí decorreram, etc., etc.. O que a UGT fez neste capítulo deve ser remetido a este problema de base.
Caro anónimo2,
Estou em crer - só pode ser! - que tentou fazer humor...
Caro Anónimo entre 1 e 2,
Pois, creio que a resposta já foi dada na resposta anterior.
José Sócrates foi cedendo à pressão liberal vinda da União Europeia. A partir do 2º trimestre de 2010, o pensamento dominante na UE mudou. Passou da defesa de uma intervenção pública fomentando a procura e tentando compensar o arrefecimento recessivo (fruto da crise internacional criada pelos desmandos do sector financeiro); para uma obtusa austeridade que colocou os povos europeus a pagar outros desmandos do sector financeiro, provocando uma funda recessão generalizada. E o choque então criado permitiu a "revolução" liberal a que se assistiu.
As medidas adoptadas desde aí em Portugal, nomeadamente pelo PS de José Sócrates de 2010 à intervenção da troica em 2011, têm esse selo. Quando mais medidas de austeridade eram adoptadas, mais ineficazes se tornavam, para combater a recessão, e mais os loucos da Comissão Europeia pediam ainda mais medidas recessivas. O estranho é que o Governo de Passos Coelho/Paulo Portas abraçaram essa matriz e provocaram um caos gerador de uma taxa de desemprego de 25% da população activa alargada!
A austeridade tem uma lógica, mas dela não faz parte a procura de soluções para combater uma recessão. Ela visa - como já se disse e a coberto de uma "solução" para os desequilíbrios externos - colocar o povo a pagar os "buracos" dos bancos, entretanto transferidos para os Estados que foram chamados a cobri-los. A austeridade é socialização dos prejuízos de alguns que, no final, nem foram obrigados a ter de executar trabalho cívico para a comunidade nem a sua propriedade foi tocada!
É curioso - apenas curioso, para não dizer criminoso - que os liberais tanto façam por esquecer a sua responsabilidade na recessão criada com este pensamento. O pensamento liberal falhou, e falhou estrondosamente!
Cuidado, pois, com as repetições...
Caro João Ramos de Almeida
Era de facto ironia mas pensei que fosse evidente, ainda assim percebo a sua hesitação, a mentira e a falta de capacidade fazem do mundo de hoje um lugar estranho e difícil de entender.
Não são capitalistas selvagens mas têm como ídolos Margaret Thatcher e Ronald Reagan.
Enviar um comentário