É, porém, altura de fazer um balanço das dificuldades com que se depararam as propostas mais emancipadoras, mais justas e mais sistémicas, e de procurar relançar todas as agendas que foram ficando para trás. Não apenas as mais discutidas na legislatura passada (salários, pensões, creches…), mas várias outras que podem responder estruturalmente às dificuldades que a maioria da população sente na vida de todos os dias. Tão importante como elevar salários e pensões, ou subtrair precariedade ao trabalho, é assumir como objectivo político o pleno emprego. Tão importante quanto investir no SNS é impedir a sangria de recursos para pagar exames, etc., no privado. Tão importante como garantir habitação pública é intervir no mercado do arrendamento impedindo a especulação com os preços e assegurando a habitação como um direito — ele não existe quando uma parte tão elevada do salário é gasta a pagar a casa. Tão importante quanto defender o ambiente e os transportes públicos, ou a transição energética, é intervir sobre os preços de mercado da electricidade, das telecomunicações ou dos combustíveis (quantos não usam o automóvel por não terem alternativa, ou não a terem onde podem pagar casa?). Tão importante quanto avançar para a transição digital é ter em conta a enorme parte da população que se está a deixar para trás. Tão importante quanto fazer programas para a alimentação saudável é instaurar um controlo de preços que permita às famílias porem na mesa alimentos saudáveis e nutritivos (de que tanto abdicam apesar do tempo de vida gasto a comparar preços e cupões de descontos, a procurar promoções). Tão importante quanto acabar com a precariedade na cultura é multiplicar os espaços de cultura, lazer e desporto gratuitos e de qualidade (que, do poder local às associações, diminuíram com a pandemia).
A lista do que está por fazer não tem fim. Mas duas alavancas podem favorecer a sua concretização: de um lado, não temer afrontar os poderes privados e as instituições neoliberais, desde logo as da União Europeia e do euro; do outro, não deixar de traduzir em força política e sindical as preocupações e as reivindicações das classes populares. Alguém acredita que este horizonte de esperança possa abrir-se com menos deputados apostados na transformação social do que os que foram eleitos na anterior legislatura?
O resto do editorial de Sandra Monteiro,
Desafios à esquerda, pode ser lido no novo sítio do
Le Monde diplomatique - edição portuguesa. Quem não assinou o jornal em papel e/ou digital tem ainda acesso a excertos dos artigos, incluindo o que o Paulo Coimbra e eu escrevemos:
a economia das trevas está de regresso? Assinar ajuda a garantir a existência de um projecto cooperativo que procura aclarar os assuntos. Há demasiada comunicação social que faz de tudo para os ofuscar, em particular no que diz respeito à economia sempre política.
1 comentário:
António Saraiva (CIP):"Partido mais votado tem responsabilidade de formar governo e o segundo de o apoiar no parlamento"
DN(8/01/22
Dito de outra maneira o patrão dos patrões defende a formação do bloco central.
Enviar um comentário