segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Razões contra a moeda única


Em 1997, era distribuído por todo o país um folheto. Aí se apresentavam e desenvolviam “quatro razões contra a moeda única”, sintetizadas nas seguintes fórmulas: (1) “Portugal cada vez mais distante dos países ricos”; (2) “Mais desemprego, mais golpes nos direitos sociais, baixos salários, falências”; (3) “Sacrifícios para lá entrar e sacrifícios ainda maiores para lá continuar”; (4) “Soberania nacional reduzida a muito pouco, Portugal a ser governado do estrangeiro”. 

Em 1997, estas razões eram tantas outras heresias, de tal forma contrariavam o que passava por sabedoria convencional neste país, alimentada por um bloco absolutamente central. As quatro razões, então hereges, foram confirmadas pela realidade. O folheto distribuído por todo o país é apenas um dos vários documentos que até à actualidade atestam como na mais importante questão de economia, de política económica, de economia política, de política, em suma, das últimas décadas, os comunistas portugueses tiveram razão. Fora desta área, podemos sempre referir João Ferreira do Amaral, um raro professor consistentemente keynesiano no ISEG a remar contra esta maré na viragem do milénio, ou Francisco Louçã, também no ISEG. E pouco mais. 

Entretanto, nestes vinte anos, o euro, uma moeda estruturalmente demasiado forte para as necessidades de uma economia crescentemente fraca, esteve associado a estagnação, divergência e ao crescimento significativo da dívida externa, uma combinação sem precedentes históricos. Por isso, abandonem-se os preconceitos e leia-se a declaração de João Ferreira no último dia de 2021 sobre os vinte anos de circulação das moedas e notas físicas, sintomaticamente com desenhos de não-lugares

“As consequências do Euro foram, e continuam a ser, desastrosas para Portugal e para o povo português (...) Os factos estão bem à vista. O Euro é um obstáculo ao desenvolvimento do País. Portugal precisa de libertar-se do Euro. Precisa de uma moeda própria, ajustada à sua realidade e também às suas potencialidades, que promova o investimento, a modernização do aparelho produtivo, a diversificação do comércio externo, a eficiência dos serviços públicos, o aumento dos salários e a qualificação dos trabalhadores.” 

São declarações destas, claras e corajosas, que justificam mais um apoio, devo dizer por uma vez neste mês, num blogue plural e de convergências, também com apoiantes e até candidatos de outros partidos da esquerda parlamentar, como é público. Aqui, e ao contrário de um certo hábito económico fraudulento, ninguém é neutro do ponto de vista político-ideológico, mas faz-se o que se pode para se ser objectivo. Por isso, não paramos de pedalar.

2 comentários:

Anónimo disse...

Durante o 1º Governo Guterres (1995-1999), os "avisos à navegação" por parte do PCP quanto à adesão à moeda única foram menosprezados por muita (demasiada) gente, e geralmente encarados como simples manifestações da chamada "cassete do PCP", coisa para gente teimosa mas pouco inteligente e pouco esclarecida. Nesse período - e durante mais uma dezena de anos depois disso -, não por acaso, os dirigentes do PCP eram retratados como Cassete Carvalhas, Cassete Jerónimo, etc., no programa "Contra Informação", estreado na RTP1 em 29 de Abril de 1996.

No ano 2000, pouco depois da entrada formal no Euro, no "pelotão da frente", e já com o 2º Governo Guterres (1999-2002) em funções, o ex-líder do PS Victor Constâncio proferiu este
discurso euro-triunfalista na sua tomada de posse como "Governador do Banco de Portugal":

https://www.bportugal.pt/intervencoes/discurso-de-tomada-de-posse-do-governador-0

[Antes de sair do cargo, em 2010, Constâncio teve tempo para não se aperceber dos problemas de vários bancos (BPN, BCP e BPP), que acabaram por custar milhares de milhões de euros aos contribuintes portugueses; passou a década seguinte ao leme da "supervisão bancária" na zona euro, no exercício do cargo de vice-presidente do BCE.]

Em 2002, fomos para legislativas antecipadas, porque Guterres - sem maioria absoluta na AR -resolveu demitir-se. O PS fez uma campanha baseada no sucesso do Euro e chegou aos 37.8% do eleitorado, um resultado semelhante ao que várias sondagens prevêm para 30/1/2022, em tempos de bazuca europeia. O problema do PS em 2002 foi que o PSD e o CDS também fizeram campanhas baseadas no sucesso do Euro, tendo assim conseguido 40.2% e 8.7%, respectivamente. O PCP-PEV, navegando mal na onda eurófila, não foi além de 6.9%, e o recém-nascido BE (de Francisco Trotskâ, na "Contra Informação") conseguiu chegar aos 2.8%.

Hoje mesmo, o economista Ricardo Cabral lembra-nos que o "Desempenho económico do país nos últimos 20 anos, medido por indicadores como o rendimento disponível das famílias ou o PIB per capita, será o pior desde o final do século XIX":

https://www.publico.pt/2022/01/03/opiniao/opiniao/analise-adesao-uniao-europeia-euro-mal-sucedida-1990549

A. Correia

José M. Sousa disse...

Mas o Francisco Louçã, depois de entrarmos, com muitas oscilações...