quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Contra o fantasma da bravata ideológica, a esquerda tem de ousar


Temos um primeiro-ministro que se reclama de esquerda e acha que a nacionalização de setores estratégicos é uma bravata ideológica. Para a esquerda que António Costa simboliza, a propriedade pública de meios de produção está reduzida a um fantasma para assustar eleitores. Nada reflete melhor a esquerda tépida e de joelhos em que toda a social-democracia europeia se transformou.

À esquerda, é preciso não jogar à defesa. Dizer o que poucas vezes tem sido dito. Que numa economia capitalista, os socialistas que o são não se satisfazem com a igualdade jurídica entre os homens. Essa liberdade aparente é ilusória e reproduz a desigualdade social em todas as esferas da vida. Só há liberdade a sério quando a gestão do aparelho produtivo puder ser disposta por todos.

Afirmar que cabe aos estados social-democratas intervir e moldar a esfera mercantil. Isso faz-se pela remoção total ou parcial da esfera do mercado de serviços públicos universais (saúde, educação, habitação), mas também pela inclusão do Estado na esfera mercantil, quer pela propriedade monopólios naturais quer pela propriedade de empresas-chave em diversos setores.

O Partido Socialista é cúmplice do desmantelamento do Estado nas estruturas produtivas desde que a democracia se conhece. Fez implodir a reforma agrária, foi um parceiro convicto da revisão constituional de 1989 e da reversão das nacionalizações e, depois disso, privatizou sempre que esteve no poder. Exceção feita ao período da Geringonça, que foi capaz de lhe conter o ímpeto.

Uma social-democracia que não é ingénua sabe que a alternativa a não deter meios de acumulação de capital é estar sempre refém dos humores do mercado e dos interesses que o percorrem. Deter meios de produção é garante de soberania e de capacidade de retaliação dos estados democráticos.

Isto tem de ser explicitado. Não apenas em campanha, mas sempre. Um dos grandes problemas presentes é termos uma direita que investe de forma desassombrada na propagação do seu discurso ideológico, enquanto a esquerda tem preferido jogar no campo da omissão e do subentendido, ora por estratégia eleitoral ora por lhe faltar um plano para transportar o discurso para este domínio. Os ganhos de curto-prazo desta estratégia acabam sempre por se revelar contraproducentes mais adiante no tempo: se a esquerda não deasfiar as fundações da estrutura de pensamento da direita, é sobre essas fundações que o discurso público e a escolha de muitos eleitores, sobretudo os que racionalizam mais as escolhas, vai acabar por ser feito.

Paremos de jogar à defesa. Ousemos por uma vez.

2 comentários:

José M. Sousa disse...

A Catarina Martins é muito pobre nesse confronto que se exige!

Anónimo disse...

Excelente post, a necessidade de clareza e coragem não é uma questão de pormenor, a direita em geral é básica e elementar nas ideias e no discurso, preferem o uso da força nos seus mais variados contextos para fazer valer a sua posição, a esquerda não pode ser hesitante nem ficar "em cima do muro", a dúvida é a certeza de não se saber para onde se quer ir.