quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Alternativa de esquerda, precisa-se


Depois de ver o debate com Catarina Martins (CM), fiquei com a sensação de que António Costa (AC) já decidiu que, havendo maioria de esquerda no dia 30, irá conversar com Rui Rio para negociar a aprovação dos orçamentos. Teremos políticas com marca neoliberal mais vincada, mais erosão do Estado social.

A minha intuição é de que a esquerda foi descartada por AC há muito tempo, pelo menos desde as eleições de 2019. Na verdade, a Geringonça foi um último recurso para que o PS pudesse sobreviver à vitória de quem "foi além da troika". Os que promovem abaixo-assinados, apelando implicitamente ao PS para que reconsidere, não percebem (não querem perceber) que o PS não é de esquerda, é social-liberal; estruturalmente, é um partido respeitador das políticas neoliberais da UE, embora tenha uma minoria europeísta crítica.

Quem, com estas iniciativas, promove a ilusão de que o PS é um partido de esquerda só alimenta o estado de negação em que se encontram as esquerdas em Portugal; só alimenta o continuado adiamento da análise crítica dos seus resultados eleitorais e da revisão de estratégias que, nas legislativas, não convencem sequer 20% dos eleitores. Nestas eleições, provavelmente bem menos.

E a razão principal que justifica o "centrismo" (social-liberalismo) do PS é muito simples de perceber. Tem um nome que CM não pronunciou no debate de ontem: UE/Euro.

É a respeitabilidade perante Bruxelas que AC não quer perder quando CM fala de oferecer carreiras estáveis aos enfermeiros e dedicação exclusiva aos médicos. Isso seria despesa permanente do Estado (despesa estrutural) o que, por razões ideológicas, Bruxelas não aceita. Mas, fazer despesa através de contratos de prestação de serviços com empresas de trabalho temporário, para ter mais alguns médicos nas urgências, já é aceite porque (no orçamento) é registado como aquisição de serviços. Tudo o que envolva despesa permanente no Estado social é matéria altamente sensível para o PS. Nisso AC é claro.

Durante o debate, nenhum dos dois quis mencionar o "elefante no meio da sala": os constrangimentos que a UE impõe aos Estados-membros na despesa com os salários da Administração Pública e nos "custos de contexto dos negócios" (leia-se: mudanças na legislação laboral da troika para dar força ao trabalho).

Em suma:
O principal obstáculo ao desenvolvimento do país - o elefante no meio da sala - não foi discutido.
Que o PS não o queira discutir, compreende-se, é da sua natureza. Que as esquerdas façam do euro um tabu eleitoral, é péssimo e possivelmente explicável por uma de duas razões (ou ambas) más:
(1) Porque não têm competência técnica e política para integrar o tema no seu discurso sem perder credibilidade eleitoral - não se trata de defender a saída do euro, mas de esclarecer o quanto ele nos conduz à estagnação e à emigração, um discurso de alternativa ao "sistema" que, assim, fica disponível para uma extrema-direita que venha a surgir após André Ventura -, ou
(2) Porque, no caso da posição oficial do BE, se espera que seja possível construir uma UE federal, democrática, progressista e livre da hegemonia alemã (não vale a pena qualificar).
Tal como no resto da Europa, alternativa de esquerda, precisa-se.

(Este gráfico foi feito por mim e publicado em Abril de 2020)

4 comentários:

TINA's Nemesis disse...

Se um movimento político surgir com o objectivo claro de explicar à população portuguesa o porquê dos últimos 20 anos terem sido o que foram, anos não só de estagnação mas também de regressão e muita mentira, estou disponível para ajudar no que estiver ao meu alcance.
Não me resigno que este país continue esta marcha decadente.
Não me resigno que uma casta económica-política-mediática continue a aproveitar-se da ignorância da maioria da população para manter um status quo nefasto à última.
Uma pessoa informada já percebeu que a economia portuguesa foi sabotada.

Nós precisamos de uma força política que confronte o Partido – que não é – Socialista, que faça temer os “socialistas”.
O BE e o PCP não são forças políticas que confrontam o Partido “Socialista” como ele tem que ser confrontado.
A força política à esquerda que realmente confronte o P”S” tem inevitavelmente explicar à população portuguesa que não houve nenhuma bancarrota, que políticos e comentadores de TV/ jornais lhes mentiram porque tinham objectivos ideológicos não anunciados.

O P“S” NUNCA vai pôr os interesses da generalidade da população à frente dos interesses da União Europeia/ Euro.
Aqueles que ainda acreditam que o P”S” vai decidir algo como “o Euro não funcionou, temos que recuperar os instrumentos de soberania” o melhor não é esperarem sentados, o melhor é arranjarem uma câmara criogénica e meterem-se lá dentro porque a espera vai ser muiiito longa até que o P”S” reconheça a armadilha que a UE/Euro sempre foi desde a sua concepção.
Podemos sempre esperar pelo colapso da UE/ Euro pela iniciativa de outros povos...

Anónimo disse...

São muitos os que anseiam por uma alternativa a esquerda;Bloco,PCP ,PEV e movimentos sociais podem ser o embrião de um movimento que junte Todos aqueles que "estão" cansados e sofrem com estas politicas que nas ultimas décadas tem levado ao empobrecimento de centenas de milhar e muitos a terem que emigrar para conseguir uma vida melhor.

Anónimo disse...

Para o grande capital funciona assim:
- O Estado contratar trabalhadores para os mais diversos serviços públicos MAU
- O Estado pagar a empresas de carácter ético bastante duvidoso por esses mesmos serviços, obviamente gastando mais dinheiro porque nenhum intermediário fornece um serviço a preço de custo BOM
Socialismo sim, mas só para os ricos. E como consequência acaba o estado chinês a gerir a EDP.

Anónimo disse...

O debate entre estes candidatos ditos de esquerda foi esclarecedor, não resta qualquer dúvida que ambos não têm um projecto para este país.