quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

É só somar (II)

«Hiding in plain sight. A expressão inglesa sobre esconder algo colocando-o à vista de todos aplica-se aos programas atuais de Chega e IL. Um tem 9 páginas, outro 600, mas o essencial é o mesmo: poupar milhares de milhões de euros a quem mais ganha e tem e estralhaçar o Estado Social. O resto é conversa.
Em 2019, o Chega apresentou um programa que propunha acabar com o IRS, e vários outros impostos, e com o Estado social. Era honesto, ao menos: cortando impostos e contribuições sociais, instituía o princípio do utilizador-pagador, em que se paga o que se usa. Queres educação? Pagas. Queres saúde? Pagas. Não tens como pagar? Azar.
(...) Parece impossível, mas esta conversa continua a levar pessoas ao engano – e nisso o Chega não está só. Está aliás muito bem acompanhado pela Iniciativa Liberal, que nas 600 páginas que este domingo à noite colocou online insiste na menina dos seus olhos – a baixa radical de impostos, da “flat tax” de 15% no IRS à descida do IRC e IMI e à abolição do IMT para a compra de casa própria, além de outras reduções fiscais. (...) Já vimos isto acontecer com a retórica pré-eleitoral de Passos e Portas, que estavam muito preocupados com as pensões e com os cortes nas prestações sociais e o aumento de impostos até chegarem ao poder – quando subiram brutalmente o IRS, cortaram o subsídio de desemprego e as pensões e propuseram até uma diminuição definitiva das mesmas. E, recordemos, antes das eleições também PSD e CDS garantiam que bastava, para evitar aumentar impostos e baixar pensões e prestações sociais, “cortar nas gorduras do Estado” – o correspondente à retórica populista do Chega que garante bastar a diminuição do salário dos políticos e do RSI dos pobres (que nem chega a custar 400 milhões anuais) para o dinheiro jorrar do céu
»

Fernanda Câncio, Sol na eira e chuva no nabal liberal

Realmente é só somar e é sempre a somar, com borlas fiscais pornográficas para «quem mais ganha e tem», à custa da larga maioria e do investimento no Estado Social. E como o foco tem estado nas possibilidades de convergência à esquerda depois das eleições, fica a ideia de que as negociações à direita, se esta conseguir maioria no parlamento, são um mar de tranquilidade. Só que é com este Chega, e sobretudo com esta Iniciativa Liberal - e com as bandeiras emblemáticas de ambos os partidos, em fase de afirmação - que o PSD e o seu líder, alegadamente moderado, vão ter, nesse caso, que lidar.

2 comentários:

Nuno José disse...

Um aparte, convenhamos, o IMT, pelo menos neste moldes, deve ser o imposto mais estúpido ao cimo da terra, ao contrário do IMI que deve ser o mais justo que existe.

Anónimo disse...

Se o Chega é o herdeiro de Salazar, a Iniciativa Liberal é a herdeira de Pinochet.