segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

“quando o povo português quiser”


Segundo o Público, Jerónimo de Sousa afirmou que os comunistas serão poder "quando o povo português quiser", sem ficar "à espera de lugares oferecidos". Disse também que é com a "luta" dos portugueses que "se dará a ruptura e a mudança", numa "ampla frente social".

Se bem entendo, num contexto de agravamento da crise do capitalismo neoliberal, vem a caminho o dia em que os portugueses vão acolher de braços abertos a chegada ao poder de uma ampla frente social liderada pelo Partido Comunista. Admitamos que se trataria de uma vitória eleitoral, embora este ponto não tenha ficado claro.

De facto, o PCP mantém-se fiel à ideia de que se constrói uma "sociedade nova" a partir do controlo do Estado, primeiro numa frente ampla ... depois sozinhos, claro. Marx e Engels também viveram na expectativa de que as crises do capitalismo do seu tempo tornariam possível a sua extinção, sobretudo na Inglaterra e na Alemanha. Acabaram as suas vidas desiludidos. Afinal, foi na periferia do capitalismo que o século XX viu nascer as tais "novas sociedades", afinal causadoras de sofrimento humano a uma escala inimaginável.

E se as esquerdas deste país, tendo aprendido com a história, percebido melhor a dinâmica das sociedades, a importância e os limites da acção do Estado, a necessidade de diferentes formas de propriedade, a complementaridade entre planeamento e mercados (os 'mercados' são anteriores ao 'capitalismo'), afirmassem com clareza que o socialismo não é uma sociedade nova que rompe com tudo o que vem de trás ?

E se as esquerdas deste país, assumindo explicitamente que o futuro é aberto, dissessem com clareza que o socialismo é um longo processo de luta pela transformação do capitalismo numa sociedade radicalmente democrática (democracia no interior das empresas privadas e também nas organizações do Estado) em que a economia está ao serviço do interesse público ?

E se as esquerdas deste país dissessem que não se propõem construir o céu na terra, e que nos seus partidos também há vaidades, interesses particulares e ambições mesquinhas, estando no governo ou fora dele, porque os seres humanos são por natureza imperfeitos ?

As imagens do congresso do PCP não deixam dúvidas. Em Portugal, a reconstrução da esquerda exige dois tipos de ruptura, uma relativamente ao social-liberalismo da Terceira Via, outra relativamente ao messianismo comunista. Quanto tempo isso vai levar não sabemos. Como disse, o futuro é aberto e, também aqui, "os homens fazem a sua história num quadro historicamente determinado" (Karl Marx dixit).

6 comentários:

Anónimo disse...

O que o PCP propõem como sistema social é nada mais nada menos que o antigo Comunismo de Estado. Burocrático e centralizador da actividade humana.

Talvez pudessem idealizar, repensar-se, através do Comunismo Livre e tornar o Estado menos asfixiante.

Mas quem sou eu para dar palpites aos comunistas ? De qualquer forma, a idealização feita por qualquer sociedade moderna do que é - ou poderá vir a ser - o Estado está bem longe do que PCP defende.

Embora a análise feita pelo PC sobre as dinâmicas socio-económicas estar - na sua essência - correcta, o PC tem uma falta crónica de "mea culpa" na mesma análise, pondo-se num pedestal "holier than you". O PC podia ser mais, muito mais, se fizesse uma renovação não ao nível ideológico - pelo menos não uma renovação profunda - mas a um nivél de objectivo social.

O PC faz falta a qualquer esquerda. Isto devido exactamente à sua constância e força ideológica. Mas no entanto, não consegue alcançar o poder exactamente porque a maioria do povo não partilha essa mesma ideologia. Contra-senso ? Talvez. Mas como dizia alguém no caminho para o esclarecimento: "O que não nos mata, torna-nos mais fortes."

Anónimo disse...

Franca e sinceramente, não esperava ler um «post» deste tipo neste blogue.

Trata-se um «post» que interpreta mal o que cita de Jerónimo de Sousa e escamoteia conhecidas orientações do PCP.

Desde logo a que está incluída na Resolução Política aprovada e onde se afirma :

«O PCP, reafirmando o seu empenhamento no diálogo, na convergência e cooperação das forças, sectores e personalidades democráticas que, séria e convictamente, estejam empenhados numa ruptura com a política de direita e na construção de uma alternativa de esquerda no quadro do actual regime democrático e constitucional, não está, nem estará, disponível para ser instrumento ou cúmplice de um governo ou políticas que mantenham orientações estruturantes da política de direita.»

Depois o que, de forma mais completa, Jerónimo de Sousa afirmou foi que «Aos que pensando e agindo apenas pelo poder e para o poder e a política “logo se verá”, aqui reafirmamos que não peçam ao PCP que se acomode e ajeite à espera de lugares oferecidos. A nossa participação no poder será quando o povo português quiser, e, quando o for, será sempre com base numa política de verdade que nem sempre dá votos mas que vincula este partido ao compromisso inquebrantável que tem com os interesses, direitos e aspirações dos trabalhadores e do povo, com a liberdade, a democracia e a independência nacional, onde reside a razão de ser da sua natureza, da sua vida, da sua luta e da sua própria existência.»

Será que aqui neste blogue se ignora que, no léxico comunista, a expressão «quando o povo quiser» quer dizer quando o povo português lhe der os votos que tornem incontornável, ou dificilmente contornável, a participação do PCP no Governo ?

Será que aqui neste blogue não se sabe que em todos os Programas Eleitorais do PCP se faz um apelo ao seu reforço eleitoral explicitamente para pesar na definição das políticas e das soluções governativas a adoptar ?

Será que neste blogue não se aplaude a ideia formulada por Jerónimo de Sousa de que antes dos cargos, pastas ou lugares, tem de vir a conquista e definição de uma política efectivamente alternativa ?

Lamento dizê-lo, mas com «posts» assim acho que o debate entre democratas está a baixar perigosamente de nível.

Anónimo disse...

Caro Vítor Dias,

Antes de mais, o texto que escrevi só a mim me vincula.

Compreendo o seu desagrado mas peço-lhe que reflicta sobre os seguintes pontos:

1)Esta posta não é um artigo de jornal. É uma reacção a uma notícia, o que significa que não se vai ler a Resolução Política aprovada para só depois comentar. O discurso de Jerónimo de Sousa basta.

2)O texto da moção que cita dirige-se às esquerdas que procuram uma convergência, e não há outras senão as que estiveram no Teatro da Trindade e vão estar na Aula Magna no próximo dia 14. Significativamente, o PCP não participou na 1ª iniciativa nem até agora deu sinais de vir a participar na 2ª.

3)A Resolução admite que estas esquerdas possam vir a formar um governo, ou adoptar "políticas que mantenham orientações estruturantes da política de direita". Até que o PCP especifique quais são essas políticas, sinto-me no direito de dizer que o PCP continua a não admitir que a participação num governo tem constrangimentos, e obriga a compromissos, alguns dos quais são inerentes à nossa condição de membros da UE. À falta de mais informação, tudo converge para a ideia de que o PCP só estaria num governo em ruptura total, com a UE por exemplo.

4)O discurso diz que as esquerdas que procuram a convergência pensam e agem apenas pelo poder e para o poder. Assim, sugere-se que só o PCP aspira ao exercício do poder como serviço à comunidade. No PCP estão os puros, nas outras esquerdas está a ambição do poder pelo poder. E os debates do próximo dia 14? Não vão debater políticas? Convenhamos que este discurso é de uma arrogância que não favorece nada o diálogo. Se alguma vez existiu vontade para tal.

5)As profissões de fé na democracia podem estar em todos os documentos e discursos, mas não passam de retórica quando sabemos que o PCP trata a Coreia do Norte como um país socialista a caminho do comunismo. Não é preciso dizer mais nada.

Sinceramente, não vejo que neste post, e nas observações que aqui deixo, o nível do debate esteja tão baixo que impeça o diálogo com os comunistas. Sem assuntos tabu, claro.

Anónimo disse...

Caro Jorge Bateira :

Não há dúvida, o diálogo fica díficil e penoso quando se opta pelas interpretações preconceituosas, pelas distorções, pelas inferências e deduções que extrapolam para além do que outros, neste caso o PCP diz.

Basta dar um exemplo de que cada afirmação que o PCP faz legitimamente sobre sí próprio é logo convertida numa interpretação de que que está afirmar que todos os outros pensam ou tencionam fazer o contrário.

Ainda assim, em que mundo político é que o Jorge Bateira vive para não admitir que possa muito bem haver quem possa vir a pôr a discussão dos lugares à frente da política necessária.

Depois não venha perguntar sobre que cedências programáticas devia o PCP fazer. Diga-me antes, ah grande momento clarificador, quais são as que você como pessoa de esquerda estaria disposta a aceitar re compreender.

Finalmente, fica tudo dito quando o Jorge Bateira consegue transformar uma exclusão premeditada do PCP por parte de quem concebe, prepara e configura iniciativas numa culpa do PCP de não se «associar» a essas iniciativas.

Eu sei que há outros a dizê-lo mas em 334 anos de situação democrática e depois de regime democrático, é uma tese absolutamente inovadora np campo das refçlexões sobre convergência de democratas e que se traduz nisto; uns preparam e concebem tudo e os que eles deixam de fora e que teriam de ir um lugarzinho num cenário e num projecto político, aliás bastante nebuloso, que os outros configuraram.

É caso para dizer que «si non è vero, è bene trovato !»

Anónimo disse...

Lamento e peço desculpa pelas múltiplas gralhas a começar pelos «334 anos» e pela falta de acentos nos «é».

Anónimo disse...

Entre anacronismos como o PCP, saudosismos do autoritarismo como na direita e uma esquerda de costas voltadas a paisagem política portuguesa é um deserto para quem quer procura o mínimo de pragmatismo na liderança para enfrentar o que vem em 2009 e diante.

É o malabarismo ideológico do show Sócrates que agradeçe...