domingo, 24 de maio de 2015
Quem é o culpado por estas situações?
Filomena, 29 anos, solteira, trabalhava num restaurante, não tinha contrato: "Sabe o que a última patroa me fez?! Trabalhei para ela um ano a pensar que estava coberta pelo desemprego, mas a senhora do Fundo de Desemprego disse-me: 'Olhe, minha senhora, eu não lhe lhe posso dar subsídio porque a sua patroa não lhe fez descontos'. Eu também disse à srª Drª da Segurança Social: 'Eu não quero subsídios, que anda muita gente a viver disso, eu quero é trabalho!' E ela disse-me: 'Filomena, pense bem, a sua filha ainda passa fome'. E se calhar é isso mesmo! Acho que tenho de recorrer ao Rendimento Mínimo".
Leonardo, 47 anos, casado, dois filhos, sempre trabalhou nas "obras", não tem direito a subsídio de desemprego: "A minha situação financeira é má. Sim! Não tenho nada, não tenho valores, estou a viver debaixo do tecto dos meus pais".
Maria da Encarnação, 51 anos, casada, um filho, operária têxtil: "Nunca pensei estar desempregada. Pensava que nunca viria para a rua, pensei que nunca iria chegar a minha vez. Eu penso que é por causa dos chineses. Levanto-me todos os os dias cedo para fazer o cesto para o meu marido levar, trato das terrinhas, trabalho e não tenho rendimento. O meu maior sonho era ir para o Luxemburgo".
Paulo Sérgio, 39 anos, solteiro, desenhador da construção civil: "Quero organizar a minha vida e não posso. Quero casar e não tenho condições. Partilho o meu apartamento que comprei e tenho de pagar. Arrendo dois quartos. Também faço uns trabalhitos em relojoaria que o meu avô me ensinou quando era miúdo".
Lurdes, 48 anos, divorciada, trabalhava num restaurante: "Estou a receber o subsídio de desemprego, mas quando deixar de receber, se não arranjar trabalho, aí é que não sei como vou viver. Sinto-me deprimida. Precisava de mais dinheirito, precisava de arranjar os dentes e não tenho dinheiro. Os rendimentos são poucos. Mas quando eu estava a trabalhar também deixava de comprar muitas coisas porque o dinheiro já não chegava. Não tenho carro, o que é um problema para arranjar trabalho".
Maria da Conceição, 54 anos, divorciada, duas filhas, trabalhava no Pingo Doce, na peixaria: "Complicadíssimo! Acabou o Fundo de Desemprego, nunca mais tive um tostão. Deixei de comprar roupa e agora só ando de preto pela minha mãe. Já fui à Segurança Social para ver se me reformam. Tenho necessidade de ser reformada, porque tenho necessidade de dinheiro, não tenho quem mo ganhe para pagar a água, a luz, para comer. A minha filha mais velha não pode andar a sustentar-me. Fico em casa, só vejo televisão. Tenho alturas que penso se é melhor viver ou morrer".
O livro de Jorge Caleiras - que vai ser apresentado na próxima quinta-feira, às 18h no CES em Lisboa, Picoas Plaza - é todo um trabalho baseado em relatos. E cada relato é um mergulho numa história, num caso falhado de emprego que se transformou numa vida em labirinto.
Quanto mais expurgamos a realidade daquilo que é, tendemos a criar filtros que nos impedem de ver o drama pessoal. O desemprego é muito mais que um número, muito mais do que um fenómeno, muito mais do que um "mercado" de políticas económicas. É algo destrutivo, que dá cabo prolongamente da vida de pessoas, de um país.
Que se pense nisso quando se ouvir membros do Governo dizer algo como: "Estamos muito preocupado com o desemprego que ainda é excessivamente elevado, mas quando chegámos ao Governo já a taxa estava em 11%. Não havia outra forma de fazer o ajustamento senão agravá-la"...
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14 comentários:
Justamente.
Culpados somos todos.
Seguramente em algum momento não fizemos o bastante para criar riqueza.
Seguramente, por acção ou omissão, viabilizamos essa idiotia de que era garantido um caminho de crescimento continuado, em que o ganho de hoje seria acrescido amanhã.
Todas estas histórias encerram uma tragédia pessoal que não acaba, enquanto estas situações não terminarem de vez.
Nunca pensei que isto fosse possível, depois de ver uma mudança como aquela que ocorreu no 25 de Abril.
Hoje, acontece a revanche desses dias, Passos e Portas encabeçam a contra-revolução democrática iniciada em 1974.
A culpa é só nossa que nos colocamos a jeito e deixamos que estes homens fossem para a frente dos destinos do País.
O Povo Português na sua maioria não apoiou a Revolução. Quem a fez e apoiou foram os militares e uma pequena porção dos cidadãos.
O tempo veio dar razão a quem achava que Portugal não é capaz de sair da cepa torta, não tem estofo para se libertar das amarras do servilismo e do compadrio.
Por isso os Portugueses vão embora e choram de saudades do País que nunca quiseram mudar.
Somos nós que temos de mudar Portugal, não é mais ninguém.
Se não o quisermos fazer, ninguém o fará por nós.
Preferimos lavar sanitas no Luxemburgo que fazer frente à Plutocracia e à Burguesia e Pseudo-Burguesia Nacional.
Somos cobardes.Somos um Povo de lava mãos.
na próxima quinta-feira, às 18h no CES em Lisboa, Picoas Plaza
O que é isso, o CES no Picoas Plaza?
Eu no Picoas Plaza o que conheço é a Livraria Bertrand, onde costuma haver apresentações de livros.
Como sempre o Jose sacode a culpa dos amigos dele do capote. Sempre a velha cantiga de somos todos culpados, vivemos acima das possibilidades, a cantilena neo-liberal da responsabilização do individuo, da liberdade de escolha, do - só não és rico porque não fizeste por isso, se és pobre a culpa é tua. Se existe uma culpa colectiva é a de ter perpetuado em sucessivos governos aqueles que o Jose admira - os que tratam da promiscuidade entre interesses publicos e privados e depois lhe chamam meritocracia. Políticas erradas, corrupção, isso nada interessa ao Jose - "Culpados somos todos"...de novo o bafio salazarento, a culpa cristã, a redenção através do sacríficio e do sofrimento onde os pobres ganham um lugar nno céu e os ricos um lugar na terra
Caro Luís,
O CES é o Centro de Estudos Sociais, da universidade de Coimbra, cujo polo em Lisboa funciona no Picoas Plaza.
"Como sempre o Jose sacode a culpa dos amigos dele do capote."
Concordo plenamente. Por isso é que a culpa não é minha, logo não tenha a ver com o que vem descrito no livro.
A culpa não é de facto de todos.
A expiação pelos pecados alheios faz lembrar os tubarões da banca e do BES/GES a baterem com a mão no peito e a proclamarem a sua "inocÊncia.
Ou o relvas a dizer que tinha obtido a licenciatura de forma honesta e limpa
Ou o soares dos santos a pregar a moral e as virtudes cristãs...enquanto fugia aos impostos
Ou o passos coelho da forma grosseira e boçal a convidar à emigração compulsiva, enquanto debita um texto para o papel em que deseja a volta dos emigrantes
Não ...a culpa não é de todos.
Perante os factos narrados, terríveis e violentos, é de esperar que se tente sacudir a água do capote...Porque onde houver lugar à exploração do homem pelo homem está aberto o caminho para a iniquidade, a violência , a fome e a miséria.
Há quem defenda este tipo de sociedade, em que a concentração da riqueza assenta num número cada vez mais restrito de mãos e se congratule com o facto. Quem cria riqueza vê o produto da sua riqueza ser roubado e aproveitado por quem o explora. O caminho do crescimento foi cortado pela governança neoliberal e de direita, próprio do estadio do Capital onde nos encontramos. Cavaco foi um dos grandes responsáveisl pelo desmantelar do nosso aparelho produtivo.
Os exemplos trascritos são chocantes. De tal forma que a conclusão cada vez é mais óbvia. Ou mudamos isto ou caminhamos a passos largos para a barbárie. Pura e dura.
De
A um observador independente parece não haver dúvidas que eztamos numa situação de pré- catástrofe social.
Se não houver uma inflexão nas políticas que estão a ser seguidas em Portugal iremos caminhar a curto prazzo para uma situação muito semelhante às décadas de 30 e 40 do sáculo passado , um recuo muito grande na História e Económica e Social e o ingresso no clube dos países do 4º Mundo.
A inflexão das políticas...a cantilena neo-liberal da responsabilização do individuo, da liberdade de escolha ... os burgueses...os banqueiros... o BES.
Uma molhada de culpados sempre a jeito para justificar porque não há cama, mesa e roupa lavada para todos.
Podem ser grunhos militantes, ignorante comvictos, pastelões por vocação - são inocentes.
A falta de fé na Divina Providência substituída pela intervenção de um qualquer Alto Poder, que se outro meio não tiver, tem que expropriar para repartir até à exaustão final.
Liberdade? 25 de Abril? ...Três resgates? A culpa há-de ser de alguém...sem problrma, sempre se encontra alguém.
Percebe-se o problema que o das 19 e 44 tem com o 25 de Abril. A simples "liberdade" , conceito que como se sabe tem muito que se lhe diga, causa-lhe apreensões e repulsa. Os três resgates que são a marca de água do sistema em que vivemos - o capitalismo - é agora convertido em justificação de quê? Da absolvição dos responsáveis pela presente situação.
Percebe-se ( ó se se percebe) o incómodo que estes testemunhos aqui trazidos pelo Jorge causam a quem partilha a visão social, económica e ideológica dos responsáveis pela presente situação. Expressões como "grunhos militantes e ignorantes e pastelões (?) por vocação (??) " são a ponta do icebergue de tal incómodo. A justificação ideológica está mais escondida e passa pelo confirmação que esta gente já nem quer saber dum mundo justo em que todos tenham direito à dignidade humana."Não há para todos", dirá aquele,enquanto se regojiza com os proventos de quem tem mais e com o roubo dos salários e das pensões de quem tem menos. Prefere a defesa dos agiotas e dos credores.
Percebe-se assim o esforço desmedido ( porque resulta nesta confrangedora colecção de ) para "apagar" a realidade nua e crua e as consequências das políticas que defende. Percebe-se que lhe é importante passar por "culpados" tanto o Salgado e o Passos ,como a Filomena e o Leonardo. A enormidade de tal posição tem todavia vários objectivos. A cumplicidade com o status quo é um deles.O exercício de ocultação de luzes sobre os responsáveis é outro. A defesa duma sociedade podre,corrupta e venal , outro ainda.O acusar as vítimas pela situação resultante da promoção de políticas criminosas e abjectas um outro ainda.
Como se sabe este objectivo também foi utilizada bastamente pelos germãnicos no século passado.
De
Dáo o
Não há cama, mesa e roupa lavada para todos porque para haver Ricos têm que existir muitos Pobres.
-Resgates?...O maior de todos ocorreu ainda no tempo da Monarquia!
"Tem sido evidente de há bastante tempo que o país estava a viver acima dos seus meios. Mais tarde ou mais cedo era inevitável que acabasse em bancarrota - e foi à bancarrota que Portugal agora chegou" (6/2/1892). E acrescentava: "É inevitável uma redução significativa do encargo com a dívida, que absorve quase metade da receita total. Os detentores da dívida portuguesa têm de consentir num abatimento dos seus direitos, por força das circunstâncias". Os ingleses aconselhavam mesmo: "Se Portugal abordar os seus credores leal e francamente nestas linhas ser-lhe-á relativamente fácil efectuar um acordo razoável com eles".
A famosa revista inglesa The Economist andava a avisar desde 1880: "Os mercados monetários da Europa estão a ficar cansados, e não sem razão, da constante solicitação por Portugal de novos empréstimos", escrevia em 27/11/1880. E em 1885: "No próprio interesse de Portugal era preferível que as suas facilidades de endividamento fossem, agora, restringidas".
É muito utilzado como slogan das forças políticas da direita a de que" O País viveu acima das suas possibilidades" (SIC). Este slogan é totalmente desprovido de qualquer coereência e está cheio de contradições pois é esquecido que um dos princípios básicos da chamada"Integração Europeia" é a livre circulação de capitais.
Acontece que devido à adesão ao Euro houve uma enorme fuga de capitais do nosso País e este terá passado de país subindustrializado a país desindustrializado,pode dizer-se mesmo que caminha para desindustrialização total e para economia da penúria.Por outro lado a ausência de um controlo sobre a banca e do crédito levou ao elevar do defice externo.Uma interrogação que se põe e que muitos têm posto em causa é se é posível combater o défice externo , reduzindo simultâneamente o defice publico relacionando-o com PIB.Estes ultimos anos já demonstraram que não é possível.
Hà ainda outros factores de natureza externa como a própria crise da União Europeia devido a multiplos factores.
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