sexta-feira, 15 de maio de 2015

Terceira via na TSU

No relatório “Uma década para Portugal”, apresentado por um grupo de economistas que apoiam o PS, há um tema que tem merecido algum debate público, embora nem sempre clarificador. Trata-se da taxa social única (TSU), a fonte de financiamento da Segurança Social que, como recordou o líder deste grupo, já se converteu em muitos países europeus num instrumento de política económica. Como é evidente, o quadro das políticas da UE é tratado como um dado.

Tendo banido a política orçamental, as autoridades da UE fazem depender o crescimento económico e a criação de emprego da redução dos custos das empresas, com destaque para a TSU. Não admitindo a interdependência entre procura e oferta, apenas interessam os custos salariais e outros que afectam a competitividade, o crescimento e a criação de emprego. Por isso, no âmbito da tutela dos orçamentos nacionais ("Semestre Europeu"), a TSU também é tratada como um factor de competitividade. Neste contexto supranacional, é irrelevante que o relatório invoque o artº 58º da Constituição (direito ao trabalho), com a sua referência a políticas de pleno emprego. Como também são irrelevantes as referências à "estratégia dos clusters e pólos de competitividade" para promover a inovação. Apenas verniz retórico face aos constrangimentos (inconstitucionais?) do paradigma do Tratado Orçamental.

É verdade que a proposta de redução da componente patronal da TSU "incidirá apenas nas contribuições dos trabalhadores com contratos permanentes", visando "estimular a oferta e a capacidade das empresas de contratação dirigida a emprego mais estável". O propósito é louvável, mas a verdade é que o quadro da política é o da "economia da oferta" que, como sabemos, fez da zona euro uma região com elevado desemprego, mesmo antes da crise financeira de 2008. Daí que devamos olhar com grande reserva para as estimativas de crescimento e a redução da taxa oficial de desemprego para metade em quatro anos.

Curiosamente, o texto relaciona a estabilidade do emprego com a melhoria da produtividade do trabalho (p. 44), mas ignora a produtividade quando discute a sustentabilidade do sistema de pensões. Na p. 39, entre seis aspectos fundamentais, refere (nº 5) "a evolução económica do país (não apenas o produto, mas acima de tudo o emprego)", esquecendo-se de mencionar que a evolução da produtividade do trabalho é, no médio e longo prazo, um factor central na sustentabilidade do sistema, pois determina o nível médio dos salários e, por conseguinte, o nível das receitas do sistema. Significativamente, alinhando com o discurso neoliberal promovido pelas organizações internacionais há décadas, o relatório insiste no risco do envelhecimento demográfico como se fosse um factor decisivo no longo prazo (ver Maria Clara Murteira, “As pensões no colete-de-forças neoliberal da União Europeia”). Mas não é de admirar, se virmos o curriculum académico do grupo dos economistas escolhidos pelo PS.

Tendo em conta que se trata de um partido que se reclama do socialismo, é chocante ver no relatório (p. 49) a invocação da "liberdade de escolha dos agentes", o problemático conceito de liberdade popularizado por Milton Friedman. Mas percebe-se, porque o objectivo da redução da TSU dos trabalhadores não é apenas aumentar o rendimento disponível dos mais aflitos. Visa também libertar rendimento dos menos atingidos pela crise para a subscrição de planos privados de pensão, o que é dito em linguagem cifrada. As referências à "justiça actuarial", como se o sistema fosse de seguro privado, remetem para uma visão individualista da segurança social que é a negação das suas origens: a de um contrato social entre gerações contemporâneas. O pensamento destes economistas ignora que os sistemas de pensões foram criados para garantir o direito à segurança de rendimento.

Finalmente, nesta mesma página do relatório, diz-se que a redução nas contribuições do trabalho (1050 milhões de euros) "não tem qualquer impacto nos actuais pensionistas". Ora, tratando-se de um sistema em que as contribuições de hoje pagam as pensões de hoje, ficamos sem saber quais são as fontes alternativas da receita. Com este aumento do rendimento disponível, haverá um efeito multiplicador miraculoso nas receitas da Segurança Social? Não fica aberto o caminho para mais cortes nas pensões em pagamento? É esta a terceira via na TSU.

(O meu artigo no jornal i)

13 comentários:

Anónimo disse...

O Livre/Tempo de Avançar já manifestou o seu apoio incondicional? Afinal a "Década" é um documento elaborado por aquele que foi mais aplaudido na Convenção do Livre (e que contou com o grande esquerdista não laico Basílio Horta). Esta "Década" é assim tão boa para fazer o tudo por tudo para estar com um pézinho no Conselho de Ministros?

Anónimo disse...

Mas qual aumento do rendimento disponível dos trabalhadores é que multiplicaria as receitas da segurança social? É o próprio relatório dos peritos que assume que o rendimento disponível das remunerações cresce sensivelmente o mesmo que a inflação nos próximos quatro anos.

E claro que se deve olhar "com grande reserva para as estimativas de crescimento e a redução da taxa oficial de desemprego para metade em quatro anos". É o mínimo que se pode dizer, porque estas estimativas não são apenas irrealistas, são completamente delirantes.

Mas o problema é mais geral.

Francisca Guedes de Oliveira, coautora, afirmava em artigo de opinião no Público de domingo:

«O relatório é passível de ser discutido e há uma total abertura para essa discussão e escrutínio. Todos os números são explicáveis e não há nenhuma tentativa de ocultação dos dados. Mas criticar os valores de modo superficial e sem um rigoroso entendimento do que está implícito no modelo, nem da amplitude das interações económicas que pressupõe, não é, na minha perspetiva, sério. Os dados foram discutidos durante semanas, o modelo foi escrutinado de modo sério e rigoroso. Por isso, estamos (e o Prof. Mário Centeno tem sido a prova viva disto) disponíveis para discutir e explicar tudo o que foi apresentado.»

Se assim é, se há total abertura e disponibilidade, porque não se divulga publicamente, por exemplo online, o modelo e as folhas de cálculo utilizadas? Porque não se deixa que o público possa também escrutinar de modo sério e rigoroso? Como se pode exigir "um rigoroso entendimento do que está implícito no modelo", "da amplitude das interações económicas que pressupõe", se esse modelo e os respetivos cálculos são sonegados ao exame público ou sequer dos pares, de outros "peritos".

Não é isto, na verdade, uma tentativa de ocultação, não só dos dados, como dos parâmetros, das relações (das "interações económicas"), das fórmulas, dos cálculos, enfim, de todo o modelo utilizado? Talvez para evitar que se possa apreciar o irrealismo dos pressupostos e das derivações?

Ainda por cima, tudo embrulhado numa falsa imagem de abertura, de disponibilidade, de transparência, que não tem nenhuma correspondência com a realidade, mas que a comunicação social e a crítica acrítica se presta a engolir.

Anónimo disse...

Continuamos a não saber qual o modelo e o calculo utilizado pelos economistas contratados por António Costa para terem chegado aos numeros apresentados e o que é ainda mais espantoso é fazerem-se previsões a 10 anos , o que nem nas economias planificadas do ex- bloco Leste Europeu se faziam.Convem realçar que estamos num País em que não há um mínimo de planeamento económico. Alem disso parece ter havido uma inspiração conservadora no caso da redução da TSU.Entidades qualificadas já o demonstraram de forma esclarecedora.

Anónimo disse...

Esta coisa de baixar a TSU ainda vai dar uma grande bronca.
Há coisas que não se entendem no PS.Então quando é o PPD/PSD e o CDS/PP
a querer baixar a TSU, aqui del Rei que a SS vai ao fundo. Quando é o PS a querer baixar a TSU (mais ainda do que os outros pilantras), não há crise porque a lógica é diferente e estão previstas medidas para ir buscar o dinheiro que vai deixar de entrar.!? Quer dizer, o PS quer nem mais nem menos do que trocar o certo pelo incerto. É uma espécie de jogo na lotaria.
Nesta como noutras questões esperava-se mais de A.Costa, mas não muito mais, diga-se, pois que bem sabemos o que são hoje os ditos socialistas (pessoas envergonhadas e vergadas - por terem desistido - ao actual e miserável modelo europeu).

Carlos Sério disse...

Os economistas do PS deveriam saber que o custo dos impostos sobre as empresas a nível de IRC vem diminuindo desde há vários anos. Na verdade de acordo com os cálculos efectuados, entre 1990 e 2010, «o montante dos resultados contabilísticos positivos das empresas multiplicou-se por 13, enquanto a receita de IRC apenas triplicou». Ou seja, se «em 1990 o IRC liquidado pelo Estado representava 27% dos resultados contabilísticos positivos declarados pelas empresas», passados «20 anos o IRC pesou já só 6% desses resultados», o valor mais baixo da série apurada. Por outro lado continua a atribuição de benefícios fiscais às empresas, mais de 1.000 milhões de euros foram concedidos em benefícios fiscais em 2013 (mais 17% do que em 2012).
Assim sendo, o estudo da alteração da TSU para patrões deveria naturalmente ser equacionada tendo em consideração todos estes factores e seria lógico que a haver diminuição de TSU nas empresas com políticas de emprego estável tal diminuição fosse compensada pelo aumento da TSU nas empresas que por norma praticam a rotatividade de trabalhadores. Assim, todas as empresas com trabalhadores precários teriam um agravamento da TSU que compensaria a descida da TSU para as empresas com trabalhadores a contrato permanente.
O documento estima que os 4p.p. de descida da TSU corresponde a 850 milhões de euros e atribui-lhe o bondoso benefício de estímulo à economia, dando como certo que as empresas utilizarão tal dinheiro para investimento produtivo e criação de emprego, quando o mais certo é utilizarem tal dádiva inesperada de proveitos na especulação financeira ou em bens sumptuários.
Ao contrário do que afirma o documento (e também o governo) de que a redução da TSU é essencial para estimular o crescimento económico não corresponde à realidade e entra mesmo em contradição com a estratégia (também apontada no documento) de dinamização da Procura. É uma medida de estímulo à Oferta quando o maior problema do país é a grande falta de “estímulos” à Procura, como aliás reconhece o documento.

Anónimo disse...

"...pessoas envergonhadas e vergadas - por terem desistido - ao actual e miserável modelo europeu"

Excelente definição para os socialistas dos nossos dias.

Anónimo disse...

Tema e discurso em que, bandidos, preparam o terreno e as mentes rumo à destruição do estado social. É revoltante tanto crente em parabolas que nos remetem para a miséria e escravidão. Nenhum voto nestes facilitadores e capatazes do capital. A indiferença vai matar nos. Acordar porque ja recuamos demais.




Anónimo disse...

E quando é o BE a querer baixar a TSU? Já está bem?

Carlos Duarte Magalhães disse...

Nem um voto nesses vigaristas.
Acordar que se faz tarde

Carlos Duarte Magalhães disse...

Oh atrasado mental os custos humanos nao tem de ser vistos como um porto benfica. Se o be defende isso em vez de infletir o vurso do dinheiro para os bolsos dos especuladores que morram de mao dada com os ditos xuxas

Anónimo disse...

Caro Carlos Duarte Magalhães

Em primeiro lugar, atrasado mental será talvez quem lhe fez as orelhas. Não vim aqui insultar ninguém, e por essa razão não aprecio ser insultado, muito menos por quem manifestamente não fez sequer um esforço de aquecimento das meninges, no sentido de procurar entender o que está por trás da minha questão.

Mas adiante. A questão é esta: em princípio, também desconfio de uma solução que assente na descapitalização da Segurança Social. Mas, quando comparo esta proposta do PS (que ainda nem sequer está plasmada num programa eleitoral, constituindo antes uma hipótese de trabalho) com as do governo PSD/CDS, e mesmo com a anteriormente apresentada pelo BE, encontro-lhe uma virtude relativa: a condicionalidade que nela é colocada, limitando-a às empresas que criem postos de trabalho estáveis. Do PSD/CDS já sabemos o que esperar, por isso nem vale a pena perder tempo, mas regendo-se o BE por princípios progressistas, não denota alguma falta de coerência a crítica deste sector à proposta do PS, quando a sua própria proposta iria, do modo como foi construída, beneficiar por igual qualquer empresa, independentemente do seu contributo para a estabilidade do emprego?

Era esta discussão que eu esperava ver suscitada, mas pelos vistos o "knee-jerk" de dizer que o PS é igual aos outros e quem disser mal do meu partido está feito com o árbitro é uma resposta mais simples.

Ah, a propósito, não estou filiado em nenhum partido, sempre votei à esquerda (mas gosto de ser eu a definer o que, quanto a mim, são ou não propostas de esquerda)... e nem sequer gosto de futebol, pelo que essa do porto-benfica deve ter sido para o espelho.

Anónimo disse...

a proposta do BE e por quem a apoiou deve ser vista no contexto do desemprego à data de 2006 e com o objectivo estratégico de fazer contribuir de forma significativa empresas com meia dúzia de empregados que facturam muito mais que uma fábrica. O 2º gráfico do post acima do João Ramos de Almeida ajuda a ilustrar este facto.
Em todo o caso a discussão que importa À volta da TSU é do domínio dos princípios e mexer neles já sabemos o que é que vai dar.

Anónimo disse...

E´ uma tristeza ver, ler e ouvir que os montes de saber “economês” andem a` deriva desde 5 de Outubro de 1910, a` cento e tal anos…Palpita-me, que preocupadíssimos com a perda de Soberania, com a desertificação do pais, com as baixas produções, com os baixos salários e com as pensões de miséria. Em verdade vos digo que e´ lamentável ver prisões, hospitais e campos de futebol superlotados.
Veio a` memoria aquela cantiga que dizia assim:
Dez anos, e´ muito tempo… tralaralaralaralala…
Ate parecem os servis de mister Soros…vejam la` isso…
Não quero ofender nem ser ofendido.
Adelino Silva