sexta-feira, 29 de junho de 2007

Compromisso com o quê? (II)

As propostas do Compromisso Portugal são apresentadas como sendo revolucionárias. De facto, as suas ideias de total privatização da saúde, da educação e da segurança social e o consequente despedimento de milhares de funcionários públicos exigiriam a subversão do regime democrático. No fundo, estes senhores do Beato sabem que a maioria dos portugueses não alinha no seu modelo de sociedade. No entanto, graças ao poder que lhes advém dos recursos que controlam e à sua longa histórica de imbricação com o poder político, este movimento deve ser levado a sério. Não tanto pelo conteúdo das suas irrealistas propostas, mas pelo sentido que apontam para a política económica.

Partindo das suas ideais radicais, qualquer «modesta» privatização de serviços públicos aparece como sendo moderada e cautelosa. As actuais forças do bloco central beneficiarão sempre da percepção de não cedência total a estes verdadeiros interesses instalados. E, no entanto, o lento desmantelamento do Estado Social continuará estendendo-se para novos domínios, antes consensualmente entendidos como intocáveis. Torna-se, por isso, urgente a exigência ao poder político de uma definição clara das fronteiras entre o que é a esfera pública e a esfera privada, entre o que é serviço público de acesso universal e o que é a legítima produção guiada pelo lucro.

Não é só a defesa de um modelo de sociedade que está em causa, é também a única forma impedir que a nossa classe empresarial continue com os eternos comportamentos rentistas a que está tão habituada e comece a investir mais na criação de riqueza e de emprego.

Nota: Estas duas postas recuperam, parcialmente, um artigo escrito com o Nuno Teles.

Compromisso com o quê? (I)

Compromisso Portugal. Aqui está um verdadeiro grupo de pressão cujo único e exclusivo compromisso é com a expansão dos negócios privados à custa dos arranjos que podem fazer de um país uma sociedade decente. As propostas saídas deste grupo são sempre deprimentes, sinalizando a incapacidade de uma parte da nossa classe empresarial em fazer outra coisa que não seja procurar apropriar-se de áreas que hoje ainda estão sob o controlo público democrático. Com o aplauso da generalidade da imprensa.

Sujeitos a uma acrescida concorrência à escala internacional, os nossos empresários preferem, em vez de investirem na arena global, capturar os serviços públicos de educação, saúde, ou segurança social, onde, dado o seu carácter essencial, os lucros estão garantidos e a concorrência é dificil, senão mesmo impossível. A apropriação rentista entraria assim numa nova fase em Portugal, prologando sob novas formas uma história económica de sempre.

O que é que se passa com a OCDE? (II)

«Tem sido argumentado que só os países que adoptem políticas orientadas para o mercado (caracterizadas por um Estado Providência limitado e por uma regulação ligeira) podem alcançar simultaneamente um bom desempenho em termos de emprego e de forte crescimento da produtividade. No entanto, este argumento não é suportado pela evidência disponível».

Posição da insuspeita OCDE, relatada num excelente artigo no The Guardian. Também existe evidência de que este crescimento do emprego e da produtividade, num quadro de regulação e de redistribuição robusto, tende a diminuir fortemente as desigualdades.

Nota: Agradeço a L. Rodrigues por ter chamado à atenção para este artigo.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Podem começar pelo Parlamento

O candidato socialista à Câmara de Lisboa, António Costa, disse hoje que é obrigação da Câmara «fiscalizar as novas obras particulares» para verificar se dispõem de meios de acesso para todas as pessoas. Já agora, podiam também dar uma olhada aos edifícios antigos. Olhem, comecem pela Assembleia da República, onde os deficientes não têm acesso às galerias da sala do plenário.

O poder e o humor

Primeiro foi o processo disciplinar (com direito a suspensão preventiva não fosse o senhor recair) sobre um funcionário por este ter dito a um colega uma piada ou, consoante as versões (como se isso fosse relevante) ter feito um comentário ofensivo sobre o primeiro-ministro. Agora, é a directora do centro de Saúde de Vieira do Minho que é exonerada por alegadamente não ter retirado, com a celeridade que se impunha, uma fotocópia afixada na parede das instalações por um médico, que reproduzia um artigo de jornal, com o seguinte comentário: «Façam como o ministro [da Saúde], não venham ao SAP [Serviço de Atendimento Permanente]». «A utilização de declarações do ministro da Saúde em termos jocosos, procurando atingi-lo» terá justificado a demissão.

A falta de sentido de humor costuma ser um dos sintomas do poder autoritário. Mas não é apenas o humor que está em causa, mas sim a liberdade de expressão, pois este tipo de atitudes têm um efeito intimidatório, criando um clima de auto-censura dentro da administração pública. Com estas e outras que estão para vir do poder socrático, os funcionários públicos vão aprendendo a estar calados...

Cassete Diário Económico

«Portugal tem um problema de crescimento económico. Ou melhor, de falta dela. A causa está identificada há muito: ausência de competitividade. E um dos obstáculos ao aumento da competitividade das empresas portuguesas é a rigidez do mercado de trabalho. O resultado desta realidade está à vista de todos: uma subida anémica do produto que tem levado ao empobrecimento do país face à média europeia. E pior, um aumento do desemprego, cuja taxa atingiu, no primeiro trimestre do ano, o valor mais alto dos últimos 20 anos (8,4% da população activa). Este é o aparente paradoxo que é preciso explicar aos trabalhadores».

A linearidade do raciocínio e o tom paternalista são do sub-director do Diário Económico. O que é preciso explicar a Bruno Proença é que o crescimento anémico da economia portuguesa se deve antes de mais à escassez de procura agregada, para a qual contribui em larga medida o escassíssimo investimento público que se tem verificado em Portugal. Em vez de procurar justificações micro-económicas (como a legislação laboral), melhor fazia Bruno Proença em criticar as irresponsáveis políticas pró-cíclicas dos governos portugueses dos últimos 10 anos (que gastaram quando deveriam ter poupado e pouparam quando era necessário impulsionar a economia), bem como a arquitectura da política macroeconómica europeia (que associa uma política monetária recessiva a restrições injustificáveis à condução das políticas orçamentais nacionais).

Mas se o fizesse, Bruno Proença iria ter de moderar o seu entusiasmo face à perspectiva de alteração na legislação laboral. E não é isso que se espera de um sub-director de um diário económico, pois não?

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Por este andar ainda extingue a CML



Já foi há uns dias mas enquanto decorrer a campanha é sempre oportuno recordar. As declarações de Negrão sobre o IPPAR, não a EPUL, que «como nós sabemos é a empresa de abastecimento de água em Lisboa».

Negrão explicou depois que não tem jeito para siglas. Se o problema é esse, ainda corremos o risco de o ver propor a extinção da CML...

Socialismo moderno

«Os limites de horários diários vão deixar de existir (...) A comissão vai ainda mais longe na flexibilidade horária, propondo aquilo a que chama de 'horários concentrados', que se traduz na existência de 'dois ou três dias de horário prolongado, seguidos de dois ou três dias de descanso, respectivamente'».

As novas propostas do governo bem escrutinadas no Diário de Notícias. Os trabalhadores cada vez mais sujeitos ao arbítrio patronal. Vidas cada vez mais desestruturadas pelas «exigências do mercado». Já agora, quem é que fica com as crianças?

Querem saúde? Paguem (II)

Em Portugal, os pagamentos directos de despesas de saúde representavam, em 2004, 22,5% da despesa total no sector. Em França, na Holanda ou no Reino Unido esta percentagem era de cerca de 10%. No Público de hoje. Isto significa apenas que, em Portugal, os mecanismos de exclusão pelo preço, tão caros aos nossos liberais, têm já um lugar relevante. E o pior é que o governo prepara-se para expandir a sua esfera de actuação.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Obscuro numas coisas, claro noutras

O João queixa-se, com razão, das afirmações de Vital Moreira sobre o referendo europeu. No entanto, o mesmo Vital Moreira escreveu um post, onde consegue explicar, de forma simples e clara, a racionalidade do investimento público nos transportes (neste caso, na ferrovia). Reproduzo-o na íntegra:

«Algumas análises dos últimos dias criticam o facto de o modelo financeiro do TGV apresentado pelo Governo implicar a assunção pelo Estado de uma parte dos encargos com investimento da rede, como se o trasnporte ferroviário devesse sempre ser autofinanciado. Mas a crítica é improcedente. Tal como os outros transportes públicos, em geral (metropolitano e demais transportes urbanos), o transporte ferroviário tem uma dimensão de serviço público, que deve ser financiada pela colectividade (ou seja, pelo Estado) quando o pagamento pelos utilizadores não for suficiente. Tudo depende da dimensão e da proporcionalidade do investimento e da sua relevância pública» (aqui).

O que é que isto quer dizer?

«Uma coisa parece certa: desta vez, os países que optarem pelo referendo fá-lo-ão por sua conta e risco. E terão de assumir as suas responsabilidades perante os demais».

Vital Moreira, habitualmente tão claro nas suas posições, parece evitar qualquer compromisso com a defesa da convocação de um referendo sobre o «tratado revisto».

Que fazer?

«As formas de estruturação das empresas, os métodos de organização e gestão do trabalho das pessoas, as condições de mobilidade do capital produtivo e da mão-de-obra, a interminável revolução tecnológica que não pára de destruir emprego sólido na indústria (para a qual o sindicato foi talhado) e o cria, frágil, no terciário (que lhe é desconfortável), a dissolução dos referenciais revolucionários, a onda da privatização de todo o género de actividades, incluindo algumas naturalmente 'públicas', o furor competitivo geral que empurra 'para o fundo' e torna improvável toda a estratégia de melhoria e incremento nas condições de trabalho - tudo isso evoluiu contra o sindicato».

Vale a pena ler este artigo de António Monteiro Fernandes no Diário Económico. Isto significa «apenas» que as forças do desenvolvimento do capitalismo têm conseguido enfraquecer, um pouco por todo o lado, uma das principais formas de acção colectiva que tem contribuído para limitar as suas dinâmicas de exploração. Mas atenção, nada é inevitável ou está permanentemente resolvido no campo das relações de trabalho.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

É melhor não incomodar o povo com questões complicadas

«O referendo é adequado para as questões menores [...] Além do mais, um referendo é incompatível com a discussão de questões complexas. Os debates nos referendos rapidamente se tornam demagógicos. É também para essas questões complexas que existem os parlamentos». As declarações são de Sérgio Sousa Pinto, ex-secretário-geral da JS e actualmente eurodeputado do PS, numa entrevista publicada hoje no DN.

Um museu especulativo


Hoje abre o Museu Berardo no Centro Cultural De Belém. Lisboa ficará com um importante museu de arte contemporânea, um «must» na política cultural urbana.

O especulador bolsista cede a sua colecção e reforça assim a fama do bom mecenas - depois do Sport Lisboa e Berardo ficamos com o Museu Berardo. No entanto, as opções que o Estado tomou, através do Ministério da Cultura, são, no mínimo, discutíveis. A colecção fica nas mãos da fundação Berardo, controlada pelo especulador, mas financiada com dinheiros públicos. Entretanto, o Estado cede a melhor montra de arte do país, compromete-se a pagar o funcionamento do museu e a reforçar anualmente com um milhão de euros a colecção e eventual programação de actividades. No final do período da generosa concessão, o Estado terá opção de compra sobre uma colecção (muito) valorizada por anos de exposição pública.

O mais chocante nesta enorme trapalhada (ainda não terminada) é que o património museológico nacional vive, talvez, a maior crise financeira de sempre. Muitos museus estão literalmente a cair, não há pessoal suficiente para os manter abertos, para já não falar da quase inexistência de fundos para programação de actividades. O argumento sempre foi o dos constrangimentos orçamentais, ou assim parecia, até ao aparecimento da colecção Berardo, do Museu Hermitage, do Smithsonian, etc.

Enfim, não surpreende tal política de uma ministra que defendeu que «(. . .) a colecção museológica portuguesa» seria «excessivamente nacional e 'pobre' do ponto de vista internacional» (DN, 21/02/05).

Brown

Ontem finalmente substituiu Blair na liderança do partido Trabalhista.

Muitos à esquerda depositam esperanças que possa reverter o curso direitista do New Labour. Não há nenhuma razão para acreditar nisto.

Afinal de contas Brown foi um dos arquitectos do New Labour, ministro das finanças nos últimos dez anos, apoiou a invasão do Iraque e no seu primeiro discurso como líder trabalhista recusou a retirada das tropas do atoleiro iraquiano. Parece que também prometeu fazer do combate à pobreza infantil uma das suas prioridades. Depois de dez anos de governo trabalhista esta atinge quase um quinto das crianças britânicas (a percentagem mais elevada entre os países desenvolvidos). Apenas uma das pesadas heranças sociais da era Thatcher que o New Labour manteve.

domingo, 24 de junho de 2007

É preciso que algo mude...

«Chame-se ele reformador, simplificado ou de Lisboa, o novo Tratado será quase integralmente decalcado da Constituição europeia». No Público de hoje. A partir de agora iremos assistir ao esforço da generalidade dos governos para evitar que os cidadãos se possam pronunciar em referendo sobre este documento.

Investir com segurança

«Temos assim uma engenharia financeira notável. Durante 100 anos, uma empresa privada ficaria com a concessão de todas as estradas portuguesas. E seria paga pelos impostos, para assegurar a renda que garante a rentabilidade financeira dos investidores. Os 500 milhões de euros são gastos à mesma, mas finge-se que não contam para o défice. E os privados ganham a propriedade de uma concessão e uma renda estável, paga a partir de impostos. O truque é habilidoso, os contribuintes financiam a empresa, o Estado esconde o défice, e no futuro sempre se podem ir aumentando a taxa de modo a melhorar as condições dos capitais investidos». Francisco Louçã, a propósito das ideias liberais do governo para as estradas de Portugal já criticadas aqui.

Os constrangimentos orçamentais são o pretexto para a expansão da lógica do controlo privado aos serviços e equipamentos públicos. As chamadas parcerias público-privadas vão generalizar-se pela mão do governo socialista. Águas, aeroportos, saúde, TGV. Nestas «parcerias», o risco dos projectos de investimento é suportado integralmente pelo Estado. Os privados investem sabendo de antemão qual a rendibilidade que podem esperar. Assim se supera, com a ajuda dos contribuintes, a principal fonte de incerteza em capitalismo. É evidente que isto só vai ajudar a consolidar a lógica rentista dos grandes grupos económicos portugueses. Assim prossegue a apropriação privada do que deveria ser de todos.

sábado, 23 de junho de 2007

Orgulho de quem marcha


Hoje comemora-se em Lisboa o Dia do Orgulho LGBT (Lésbico, Gay, Bissexual e Transgénero).

Orgulho de quem é alvo de discriminação quotidiana sem aceitar submeter-se a ela. Orgulho de quem luta contra a discriminação ainda existente na lei portuguesa com base na orientação sexual. Orgulho de quem é pai ou mãe, ou quer sê-lo, e recusa o preconceito que impede ou dificulta a parentalidade por parte de quem ama pessoas do mesmo sexo. Orgulho de quem sabe estar a contribuir para se alcançarem patamares mais avançados de civilização.

Hoje, em Lisboa, às 16h30, marcha-se com orgulho, do Prícipe Real à Praça do Comércio. Hoje tenho orgulho de quem marcha.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

The National - Mistaken for Strangers



Os «The National» lançaram agora o seu segundo albúm «The Boxer». Certamente um dos melhores de 2007. Teremos a oportunidade de os ver no próximo festival «Sudoeste».

Para quem gosta, vale a pena dar uma saltada aqui.

Reduzir os impostos não nos vai salvar

«(...) os portugueses não investem porque não têm confiança ou porque lhes falta capacidade para arriscar, mas não é por o IRC ser elevado. Os investidores, nacionais ou não, poderão não o fazer por causa do mau funcionamento da justiça ou da burocracia mas também não por causa dos impostos sobre os lucros.»

Quem o diz é o ex-ministro das finanças Luís Campos e Cunha, na edição de hoje do Público. A esta passagem poderíamos acrescentar os inúmeros estudos sobre os determinantes do investimento directo estrangeiro, os quais atribuem à carga fiscal um peso relativamente modesto nas decisões de localização das empresas multinacionais.

Temos aqui um problema semelhante ao da percepção sobre a criminalidade num país: mesmo que esta não aumente ao longo dos anos, basta os meios de comunicação social darem-lhe mais visibilidade para se instalarem sentimentos mais ou menos generalizados de insegurança - dando munições aos que usam a histeria securitária como arma de arremesso político.

Da mesma forma, por mais que se afirme e mostre que não é por baixar sistematicamente os impostos sobre os lucros que vamos fazer aumentar o investimento (pelo menos, o investimento qualificante e com efeitos duradouros no crescimento económico e no emprego), basta que um representante de uma multinacional sugerira que a 'sua' empresa decidiu não investir em Portugal por motivos fiscais para que se generalize a ideia de que é preciso baixar os impostos sobre os lucros.

O resultado é quase sempre o mesmo: os impostos sobre os lucros baixam, a desigualdade na distribuição do rendimento aumenta e a economia continua anémica.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Fim das universidades ou «há gente muito bem informada»

O novo regime jurídico foi feito nas costas de toda a comunidade académica. No entanto, houve pelo menos uma universidade que se adiantou no processo e já tem uma fundação associada: o ISCTE, com Paulo Pedroso como presidente da dita.

Fim da Universidade? (III) ou as possibilidades de acção



A actual proposta do Governo e os decretos do governo «Serra» para as Universidades do Estado de São Paulo têm semelhanças notáveis. O mesmo não se pode dizer da contestação. Vale a pena ver este vídeo sobre as ocupações, particularmente no minuto quatro, onde se dá um exemplo de uma faculdade (de farmácia) que passou a fundação.

Por cá, também há gente a mexer-se, por exemplo, com esta petição. Assinem!

Fim da Universidade? (II)

Com o novo regime jurídico o governo incentiva as universidades a tornaram-se fundações de direito privado. Assim, estas instituições poderão aplicar livremente contratos individuais de trabalho (adeus negociação colectiva!) e, segundo esta notícia, começar a escolher os seus alunos.
Aplica-se a lógica do mercado ao ensino superior, favorecida pela homogeneização dos diplomas ocorrida com o processo de Bolonha, na vã esperança que a concorrência por professores e alunos resulte miraculosamente em excelência. O resultado é previsível: fim da autonomia científica de docentes e investigadores; subordinação do ensino superior às voláteis necessidades do mercado; assimetrias crescentes entre diferentes faculdades.

Fim da Universidade? (I)

A privatização ou mimetismo mercantil dos serviços públicos que este Governo continua a levar a cabo chegou, em todo o seu esplendor, ao ensino superior. Foi agora apresentado um novo modelo jurídico para as universidades. As alterações são profundas.

Os actuais órgãos colegiais de gestão das universidades, compostos por representantes eleitos dos estudantes, professores e funcionários, são substituídos por um novo órgão, o Conselho Geral, onde os funcionários não terão lugar e os estudantes estarão reduzidos a um peso de vinte por cento do CG. A substituí-los estará um conjunto de «notáveis» da sociedade civil, com um peso de trinta por cento.
Como o João já aqui notou, este processo resultará na subordinação da universidade a interesses particulares. Estes não-eleitos «notáveis» serão sempre o fiel da balança de um órgão onde professores e alunos são eleitos por listas. A autonomia e democracia universitária, conquistadas há 33 anos atrás, acabaram, ironicamente (ou talvez não!), com um governo «socialista».

Um economista liberal que vale mesmo a pena ler

Martin Wolf, editor e comentador do Financial Times, é um lúcido observador do capitalismo. Embora seja impecavelmente liberal, ou talvez por isso, está bastante atento aos movimentos de fundo que podem fragilizar o sistema. Por isso vale mesmo a pena ler esta sua análise sobre a natureza, as causas e as possíveis consequências da mais importante transformação recente: a hegemonia conquistada pelos actores financeiros globais. Hei-de voltar a isto quando tiver mais tempo.

Eutanásia (III) - A opinião que tem de contar

A manchete de hoje do DN revela que 39% dos médicos oncologistas concorda com a eutanásia mas só 24% aceitaria praticá-la. É uma opinião importante, pois vem de quem lida diariamente com o sofrimento dos outros. Mas não é a opinião mais importante. Essa vem do próprio, do que sofre, que deve ter, como todos os outros, o pleno direito a pôr termo à sua vida quando entender.

Eutanásia (II) - Um diálogo elucidante



Deixo-vos aqui uma cena (infelizmente incompleta) do filme Mar Adentro, em que um padre, tetraparaplégico se dirige à casa de Ramón para o dissuadir a desistir do desejo de morrer. O diálogo é muito interessante porque vai directo ao âmago da questão: a religião.

A determinada altura o padre diz-lhe: «Ramón, uma liberdade que elimina a vida, não é liberdade». Ramón replica: «E uma vida que elimina a liberdade, não é vida».

Eutanásia (I) - Pelo direito a morrer com diginidade


Dois homens que sobreviviam em condições extremamente difíceis pediram insistentemente para morrer. Um, Ramón Sampedro, galego, teve de esperar mais de 20 anos para realizar esse desejo. O outro, Piergiorgio Welbi, italiano, conseguiu, ao fim de 88 dias, convencer o seu médico a desligá-lo da máquina a que esteve ligado há nove anos. Quer este médico, quer a amiga que acedeu ao pedido de Ramón, cometeram um crime, à luz da actual lei. Para mim, fizeram um dos mais nobres gestos de amor que consigo imaginar e não só libertaram os seus entes queridos de um longo e doloroso sofrimento como deram um contributo para que a lei mude, nos seus países e no mundo.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Caça-fantasmas precisam-se


Lisboa está a precisar de uma brigada de caça-fantasmas.

É que segundo um estudo de José António Bourdain, que é hoje noticiado no DN, há 90 mil eleitores fantasmas em Lisboa: para quem não sabe isto representa 17% do universo de eleitores da capital.

Outra nação ocupada


Aminatou Haidar, activista pela Independência Saharaui e sobrevivente à prisão e maus-tratos pelo Estado de Marrocos, está em Portugal para divulgar a causa deste povo. Se quiserem ficar a saber mais sobre esta nação ocupada, não percam esta possibilidade. E divulguem o máximo possível pelas vossas listas de contactos, sobretudo se fizerem parte de alguma associação de solidariedade internacional e direitos humanos.

Encontro com Aminatou Haidar com a participação de:
Aminatou Haidar
Ana Gomes
Fernando Rosas
Mohamed Sidati

22 de Junho - 6ª-Feira - 21h30m
Associação 25 de Abril
Rua da Misericórdia, 95
(ao Largo Camões - Metro Baixa-Chiado)

Apoios:
Associação 25 de Abril
Eurodeputados Ana Gomes e Miguel Portas

Ainda a OCDE

Segundo o Jornal de Negócios, o relatório da OCDE sobre o emprego, mostra que na União Europeia a 15, o peso dos salários no PIB passou de 65% em 1980 para 57% em 2005. Por outro lado, «em 18 dos 20 países ond existe informação, o hiato entre os que mais ganham e os que estão no fundo da tabela salarial, tem aumentado desde o início da década de noventa». A Irlanda e a Espanha, economias que tiveram um excelente desempenho económico, são a excepção à regra. E eu que pensava que o aumento da desigualdade salarial era necessário para estimular o interesse próprio dos trabalhadores...

Querem saúde? Paguem (I)

«Um relatório que já está na posse do Ministério da Saúde há quatro meses regista que quatro especialidades médicas estão maioritariamente privatizadas ( . . .) Os autores do documento propõem a redução dos benefícios fiscais em despesas de saúde em sede de IRS; o aumento anual das taxas moderadoras; a revisão do regime de isenções; e a extinção ou fim do financiamento pelo Orçamento do Estado dos subsistemas públicos de saúde, nomeadamente a ADSE». (Público)

No longo prazo isto resulta...

Também é a OCDE que nos vem informar que a estratégia de promover a recuperação da economia portuguesa através da compressão dos custos relativos do trabalho está a dar frutos num plano: «os trabalhadores vão ter os aumentos reais mais baixos da OCDE até 2008» (Público de hoje).

O que se passa com a OCDE? (I)

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, que reúne trinta países «comprometidos com a democracia e a economia e mercado», é desde há muito uma das instituições internacionais mais empenhadas na formulação de sugestões de política pública destinadas a reforçar a trajectória neoliberal seguida pela generalidade dos seus membros.

No entanto, desde há algum tempo, os diagnósticos da OCDE, que não as suas prescrições, têm ganho um tom menos entusiasta em relação a alguns elementos dessa trajectória. Em 2004 reconheceu que a relação entre o grau de regulação das relações laborais e a criação de empregos é frágil ou mesmo inexistente e que as prescrições neoliberais nesta área são geralmente acompanhadas por um aumento das desigualdades e da precariedade. Agora, vem reconhecer que «a expansão do comércio constitui uma potencial fonte de vulnerabilidade para os trabalhadores». Já só falta retirar as ilações em termos de sugestões para a reorientação das políticas públicas.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Ou reformam ou levam com mais juros

Um alto responsável do Banco Central Europeu (BCE) advertiu que a instituição poderá aumentar mais as suas taxas de juro caso os Estados-membros da Zona Euro abrandem os seus esforços nas reformas estruturais. «Se o processo de reformas parar, o BCE poderá ter de agir de maneira mais decisiva na sua política monetária para salvaguardar a estabilidade dos preços a médio prazo», disse Lorenzo Bini Smaghi, membro do directório do BCE. «Vejo este risco em vários países, inclusive na Alemanha, onde a forte retoma actual pode conduzir a um afrouxamento dos esforços de reforma», adiantou, numa alusão ao mercado de trabalho e aos sistemas de pensões.

Ao ler isto, a primeira palavra que me ocorre é chantagem, feita a governos democraticamente eleitos por uma entidade que não se sabe ao certo a quem responde. Para os mais desatentos vale a pena lembrar que o BCE já aumentou oito vezes as taxas de juro desde Dezembro de 2005. E fez muito bem dado o crescimento estonteante e os preocupantes níveis de inflação registados na União europeia!

Ciência política de combate

Ontem saiu no Público um excelente artigo da autoria de André Freire, professor de ciência política no ISCTE, que contesta convincentemente as principais teses da «narrativa neoliberal sobre a globalização».

Destaco as seguintes ideias: (1) o processo de «liberalização mundial dos mercados tem dependido muito mais da engenharia política do que da acção espontânea das forças do mercado»; (2) a correspondente recusa de qualquer determinismo, em que a globalização apareceria como o resultado natural e irreversível do desenvolvimento tecnológico; (3) o papel crucial das escolhas políticas neoliberais realizadas pelos países centrais e impostas aos países periféricos através das organizações internacionais controladas pelos primeiros (FMI, BM, OMC); (4) a relação indissociável entre a expansão da infra-estrutura coerciva dos EUA (reflectida por exemplo na multiplicação recente do número de bases militares usando como pretexto a «guerra ao terrorismo») e a expansão da economia global capitalista, revelando que por detrás do espontaneísmo panglosiano dos «mercados livres» está sempre o poder coercivo da autoridade; (5) o facto da globalização ter «beneficiado sobretudo as grandes empresas transnacionais e o capital financeiro e bastante menos as populações, sobretudo as dos países mais desenvolvidos» e de ser em parte responsável pelo aumento brutal das desigualdades.

De facto, não é em vão que as questões da economia política da globalização fazem parte da agenda da ciência política.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

As origens da crise da UE (III)

«O primeiro-ministro José Sócrates chamou a S. Bento, na tarde de sábado passado, representantes de sete das maiores empresas de construção civil e de duas instituições bancárias para lhes propor um plano de captação de liquidez externa para investimentos no território nacional (. . .) E explicou que, do seu lado, o Governo fará o trabalho de casa para limpar os entraves que normalmente se colocam, nomeadamente do ponto de vista da burocracia, à rapidez e desenvolvimento dos investimentos privados (. . .) Com esta medida, o primeiro-ministro tenta de uma só vez obstar a dois problemas: à falta de liquidez do Estado para investir (o que ficou bem patente no Orçamento para este ano) e à dificuldade em criar empregos que sustentem uma quebra da taxa de desemprego».

E assim se alargam os canais de influência dos grandes capitalistas na definição das regras do jogo e das prioridades do Estado democrático. É o governo a correr o risco de ficar reduzido ao papel de «comité executivo dos negócios da burguesia» (Marx e Engels, 1848). Com a preciosa ajuda de Bruxelas.

As origens da crise na UE (II)


«Vista de fora a União Europeia quase que parece um daqueles países em vias desenvolvimento a quem a o FMI costuma impor um dos seus rígidos programas de estabilização que o tornaram tão famoso: inflação reduzida, rectitude fiscal e privatização, tudo sob a tutela de um grupo de funcionários não eleitos».

As origens da crise na UE (I)

«Na ausência de outros instrumentos de política económica, é como se os governos só tivessem à sua disposição políticas tendentes a reduzir os custos relativos do trabalho através da concorrência fiscal e social (. . .) É uma espécie de tragédia grega: a partir do momento em que os instrumentos de gestão da política económica estão bloqueados, os governos não têm outra escolha a não ser praticar políticas económicas que agravam a situação».

Jean-Paul Fitoussi, um dos mais prestigiados economistas franceses, numa notável entrevista. Estes bloqueios não são uma inevitabilidade. São o resultado de escolhas políticas que definiram a arquitectura do «governo» económico europeu, cristalizadas no infame Pacto de Estabilidade ou no estatuto do BCE. Esta escolhas impedem políticas públicas coordenadas de relançamento. Única via para aumentar o crescimento e diminuir o desemprego. São elas que estão na base da actual crise do projecto europeu.

domingo, 17 de junho de 2007

Economistas de Combate (IV): Doug Henwood

«Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas ‘originais’. Significa também e especialmente difundir criticamente verdades já descobertas, socializá-las por assim dizer e fazer que se tornem em bases de acções vitais, elementos de coordenação e de ordem intelectual e moral».

Acho que esta tese de Gramsci se aplica bem ao trabalho desenvolvido por Doug Henwood, para mim o mais interessante jornalista económico norte-americano. Falar de forma simples e acessível dos mais complexos assuntos económicos requer um domínio fora do comum dos mesmos. Fazê-lo sem simplismos, com humor e ironia finos e de uma forma crítica ainda mais.

Nos seus livros Wall-Street (agora disponível na integra aqui) e After The New Economy, Doug Henwood desvenda criticamente os perversos mecanismos dos mercados financeiros e as falácias que estiverem por detrás dos mitos sobre o fim dos ciclos económicos em capitalismo. Há vinte anos mantém sozinho uma interessante publicação electrónica sobre a economia norte-americana. O seu Left Business Observer, os seus artigos na The Nation, um dos poucos semanários de esquerda nos EUA, ou os seus programas de rádio, são outros exemplos do seu trabalho incansável de divulgação. Sem concessões às ideologias dominantes ou às modas passageiras. Coisa rara no jornalismo. Coisa ainda mais rara no jornalismo económico.

Economia: as hipóteses do pluralismo

Embora a ciência económica seja a menos plural das ciências sociais, continua a existir hoje uma série de abordagens que procuram desafiar a ortodoxia dominante e os seus vários enviesamentos.

Abordagens que muito enriquecem o nosso conhecimento da realidade económica e social: a economia institucionalista e o papel das instituições como marcos para acção individual e colectiva em economia; a economia política radical e as questões dos mecanismos de apropriação do excedente e da luta de classes; a economia feminista e o impacto das questões de género na economia; a escola da regulação e as grandes periodizações da evolução histórica do capitalismo; a economia das convenções e o papel das normas sociais na actividade económica; a economia evolucionista e a importância da inovação, dos desequilíbrios e da variedade nos sistemas económicos; a economia política internacional e a verdadeira natureza dos processos de integração económica; certos desenvolvimentos na economia comportamental e experimental e a acumulação de evidência que põe em causa a relevância do modelo do homem económico racional; a economia pós-keynesiana e o papel da incerteza radical, da turbulência dos mercados financeiros, da liquidez ou dos défices sistemáticos na procura agregada em capitalismo; a economia social e o papel da justiça, da dignidade e dos valores na acção económica.

Economia Política do Capitalismo: as hipóteses da impureza e da variedade

Uma das ideias mais fortes da chamada economia institucionalista é a da necessária «impureza do capitalismo», no sentido em que a viabilidade do sistema requer sempre uma mediação política e a existência de instituições não-mercantis. De facto, parece ser plausível a ideia de que o segredo para o fôlego do capitalismo tem residido na sua plasticidade e maleabilidade para acomodar até certo ponto lógicas de redistribuição da riqueza e de acesso a bens e serviços cruciais sem a medição mercantil. Lógicas que implicam uma permanente redefinição de quem controla os activos da economia e que por sua vez asseguram não só a legitimidade do sistema como acabam por melhorar, ao contrário do que possam pensar alguns dos seus mais empedernidos defensores, a sua performance económica.

A partir destas ideias tem emergido uma abundante literatura que mostra como, mesmo hoje, num de tempo de hegemonia do neoliberalismo, o capitalismo está longe de ser monolítico, coexistindo à escala nacional e regional uma grande variedade de arranjos institucionais que limitam a lógica do mercado capitalista e que devem ser tenazmente defendidos e reinventados porque permitem conciliar uma certa ideia de justiça social com um bom desempenho económico. Mesmo em tempos sombrios, o futuro está num certo sentido aberto porque a natureza de cada formação social (complexa articulação de vários modos de produção para usar Marx) é sobretudo o fruto da acção colectiva deliberada, da luta social, e não o simples resultado de forças económicas ocultas e não controláveis.

É evidente que reconhecer isto teoricamente implica romper com o individualismo metodológico, com a hipótese do egoísmo possessivo generalizado, com a racionalidade optimizadora do «agente representativo» sem género, classe, etnia, sem compromissos ou sem identidade social, com a visão utópica de que devemos, a golpes de engenharia social, criar mercados que se aproximem da concorrência perfeita ou com um critério de eficiência (o de Pareto, o único que tem «rigor cientifico») absolutamente implausível. «Idealismos» que, em última instância, não servem para absolutamente nada fora dos modelos fechados que os economistas ortodoxos vão construindo. E implica reentrar no mundo fascinante da história, dos sistemas socioeconómicos, das relações de poder e da moral. No mundo da economia política do capitalismo. Um mundo onde sabemos que provavelmente, como afirmou Amartya Sen, só poderemos estar vagamente certos. Mas, como também disse Sen (ou terá sido Keynes?), mais vale estar vagamente certo do que rigorosamente errado.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Troca de mimos

As empresas cotadas na bolsa portuguesa voltaram a ser generosas com os seus accionistas, pagando dividendos na ordem dos 2,29 mil milhões de euros escrevia ontem o Jornal de Negócios. É um aumento de 12% face ao ano passado e representa 41% dos lucros registados no ano passado.

Curiosamente, é o mesmo aumento dos salários dos administradores das vinte maiores empresas cotadas na bolsa portuguesa. Os lucros esses só aumentaram 2,5%. É interessante assistir a esta troca de mimos entre administradores e accionistas. O problema é que a riqueza não é elástica e se os lucros aumentam 2,5%, mas os salários dos administradores e os dividendos dos accionistas crescem 12%, isso indicia que a proporção do valor criado que vai para os trabalhadores em forma de salário (já nem falo noutros direitos e regalias sociais nem do investimento da empresa) terá diminuído face ao ano anterior. É apenas mais um sintoma do que se está a passar em todos os países desenvolvidos e reflecte o progressivo enfraquecimento dos trabalhadores e das suas organizações no ringue da luta de classes.

Quando a concorrência fiscal é promovida pela Comissão Europeia

«Porque afasta qualquer tipo de harmonização de taxas de IRC?
Se harmonizarmos as taxas de IRC, o que não é nossa intenção, pomos um ponto final à concorrência fiscal.
A concorrência fiscal é uma prática leal dentro da União Europeia?
Sim, a concorrência fiscal é positiva porque força os governos a arranjarem formas de oferecer serviços em condições mais competitivas. Cria melhor ambiente para os negócios. Um dos maiores incentivos para uma maior competitividade perder-se-ia sem concorrência fiscal».

Quem o diz é Lázló Kovács, comissário europeu para a fiscalidade, numa entrevista publicada ontem no Jornal de Negócios. Estas declarações vêm confirmar que a Comissão Europeia não vai mexer uma palha para evitar a corrida à menor taxa de IRC possível. Este senhor, que é do Partido Socialista Europeu, conhece perfeitamente as consequências que este tipo de concorrência pode ter para o Estado Social e os serviços públicos mas não está preocupado com isso. É a voz dominante nos partidos que governam, designadamente os socialistas.

A Bragaparques não manda aqui!


A TVI apresentou ontem uma sondagem feita pela Intercampus, através de voto em urna com os seguintes resultados:

António Costa: 31%
Fernando Negrão: 19,5%
Carmona Rodrigues: 14%
José Sá Fernandes: 9,6%
Helena Roseta: 9,1%
Ruben de Carvalho: 9,1%
Telmo Correia: 2,5%
Garcia Pereira:2,4%

1. Confirma-se que as eleições vão ser um passeio para António Costa. A Direita está fora de qualquer competição para a Câmara e partidinha ao meio entre as candidaturas do PSD de há três meses e o de agora.

2. Há 14% de eleitores que acham que a CML estava no caminho certo. É o país que temos.

3. Sá Fernandes continua a subir e aparece na fronteira da eleição do 2º vereador. A campanha de assassinato de personalidade que decorre nas páginas do Correio da Manhã e do 24 Horas não parece estar a ter grande saída.

4. Helena Roseta continua a baixar. Depois de ter aparecido com sondagens de 22%, a candidata desceu abaixo de Sá Fernandes e para o mesmo nível de Ruben de Carvalho.

5. O CDS afunda-se completamente. Tem mais uma décima que o PCTP-MRPP e cinco décimas que o Partido Monárquico. Telmo Correia não tem nenhuma hipótese de ser eleito.

6. A maioria de esquerda é esmagadora. Neste momento, roça os dois terços.

7. Felizmente, o cenário de maioria absoluta de António Costa também parece estar afastado. Terá de haver entendimentos à esquerda.

Pode ser que haja esperança para esta cidade...

Um banco dependente

«Existe o perigo de a evolução salarial ser mais forte do que o esperado». Numa altura em que por toda a Europa diminui a parte dos salários no rendimento nacional e em que a inflação está a níveis baixíssimos, aqui está a grande preocupação do BCE. Que pela enésima vez mostra que a sua «independência» em relação ao poder político democrático tem como contrapartida a sua total subordinação aos grandes interesses económicos.

O partido da privatização

«Pela resolução, prevê-se a transformação da Estradas de Portugal, admitindo-se a abertura do seu capital a privados e permitindo a obtenção no mercado de melhores soluções de financiamento». Ao mesmo tempo as suas receitas e as despesas poderão deixar de contar para o défice.
Os absurdos constrangimentos orçamentais impostos por Bruxelas são o pretexto para a criatividade orçamental que só diminui o escrutínio público da actividade destas instituições. A adesão do PS à política da privatização sem fim faz o resto.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

O fim da democracia universitária?

«Notáveis vão ajudar a gerir universidades: A direcção das instituições do ensino superior público vai deixar de pertencer em exclusivo à comunidade académica». Por detrás deste projecto está a amputação da gestão democrática das universidades. É evidente que já sabemos que «notáveis» na nossa sociedade são aqueles que têm dinheiro. Muito dinheiro. Assim se diminui também a autonomia das universidades em relação ao poder económico.

A dádiva não tem preço

«Hoje é o Dia Mundial do Dador de Sangue, a data ideal para revelar este número: o concelho da Feira regista o maior número de presenças em colheitas de sangue a nível nacional desde 1996».

No Público de hoje. Acção colectiva organizada, voluntariado e mobilização de várias instituições são os ingredientes do sucesso. Afinal de contas o altruísmo, a generosidade e as motivações intrínsecas dos cidadãos podem ser mobilizadas.

Ao contrário do que pensam muitos economistas que ainda continuam presos à hipótese do primado do egoísmo racional. Felizmente, isto também está a mudar. Vejam este excelente artigo que retoma a investigação sobre os contextos em que a introdução de incentivos pecuniários pode levar a comportamentos perversos. Já Richard Titmuss, num estudo clássico (The Gift Relationship) sobre este tema, havia demonstrado que os sistemas de colheita de sangue que pagam aos indivíduos são menos eficazes do que os sistemas baseados na dádiva. O altruísmo é de facto impagável.

Os sionistas é que devem estar a rir-se


Estalou a guerra civil na Palestina. Reféns de Israel, desprezados pelos Estados Unidos e ignorados pela União Europeia, os palestinianos estão a matar-se uns aos outros. Opressão, pobreza, fanatismo, corrupção, desesperança e muita raiva, aí está o caldo ideal para a guerra civil.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Elogio a Hayek

Como sublinha John O'Neill, num excelente livro escrito em 1998 sobre os limites do mercado (The Market: Ethics, Knowledge and Politics), o problema de uma grande parte dos intelectualidade de esquerda é que não percebeu a grande lição dos intelectuais da direita intransigente (em especial F. Hayek): existe uma diferença abissal entre a derrota no campo da luta política e a derrota no campo das ideias. A primeira é questão de poder e de luta social. A segunda é questão de «verdade e validade». Hoje, poucos mantêm esta distinção tão crucial. Hayek, pelo contrário, manteve-a sempre. Mesmo quando o liberalismo era uma ideologia absolutamente minoritária.

Quem quer alcançar vitórias na luta das ideias tem de ter a infinita paciência e persistência de pensar o que parece ser, num dado contexto, impossível de concretizar. Simplesmente porque não existe poder e força política suficientes. Muitas vezes isto implica somente não deixar cair no esquecimento verdades essenciais. Mesmo que isso acarrete acusações de conservadorismo, passadismo ou saudosismo. Às vezes isto implica também cuidar e proteger palavras que são todo um programa de crítica e de transformação: luta de classes, imperialismo, desenvolvimento desigual, controlo de capitais, controlo democrático da economia, nacionalizações, autogestão, socialismo...

Tudo e o seu contrário...

A julgar por alguns comentários que têm sido feitos neste blog há quem esteja convencido que as posições de natureza económica aqui defendidas são incompatíveis com aquilo que as correntes dominantes (ou 'mainstream') da ciência económica defendem.

De facto, a generalidade dos autores deste blog não se revê naquilo que a ciência económica se foi tornando: uma prática científica que sobrevaloriza o formalismo e subvaloriza a análise histórica e institucional concretas, que tende a ignorar os contributos dos grandes pensadores económicos do passado sempre que estes não traduziram (reduziram?) o seu pensamento em fórmulas matemáticas (como revelam comentários como este), que privilegia a sofisticação técnica em detrimento da relevância do conhecimento produzido, que se reivindica da tradição positivista e ao mesmo tempo se recusa sistematicamente a discutir a pertinência empírica de algumas hipóteses basilares, que revela uma tendência sistemática para racionalizar o real em termos de conceitos de eficiência e para evitar a noção de causalidades complexas, racionalidades múltiplas e processos irreversíveis, enfim, uma ciência que protege a todo o custo uma herança de métodos e técnicas peculiares e questionáveis, como se dela dependesse o seu estatuto auto-declarado de 'rainha das Ciências Sociais'.

No entanto, a crítica às correntes dominantes na ciência económica não se confunde necessariamente com o desacordo com as implicações que derivam de análises específicas. Até porque aquilo que define o paradigma dominante da Economia têm mais a ver com os métodos que são reconhecidos como legítimos do que com as conclusões a que se chega. Na verdade, é necessário reconhecer esta capacidade contorcionista à Economia Dominante: alterando ligeiramente as hipóteses de base, mesmo mantendo-as no domínio do paradigmaticamente aceitável, é quase sempre possível dizer uma coisa e o seu contrário.

Por exemplo, com a mesma aparência de cientificidade máxima, é possível defender a optimalidade de um sistema fiscal baseado num imposto único sobre o consumo (como é feito por este artigo, já bastante discutido neste blog) ou, pelo contrário, concluir pela superioridade de um sistema baseado num elevado imposto sobre os lucros (com é feito por este recente texto). Não obstante a simpatia que possamos nutrir pelo resultado alcançado, este segundo texto não nos merece menos críticas do ponto de vista metodológico do que o primeiro.

Mas chama mais uma vez a atenção para algo que parece não ser ainda claro para todos: por detrás da sofisticação técnica de algumas análises económicas estão sempre escolhas mais ou menos arbitrárias, as quais determinam os resultados obtidos. Sugere-se, pois, aos nossos prezados leitores que tirem a Ciência Económica do pedestal em que alguns a colocaram.

terça-feira, 12 de junho de 2007

A ilusão economicista

Às pertinentes dúvidas de Daniel Oliveira sobre o badalado estudo da CIP que propõe uma nova localização para o futuro aeroporto, Rodrigo Adão da Fonseca responde que «O Estado não precisa saber quem pagou o dito estudo, mas se a construção de um aeroporto na OTA, em Alcochete, ou noutro sítio qualquer faz sentido, e em que medida. Chama-se a isto análise custo-benefício [ACB] dos investimentos públicos, algo que em Portugal não se faz de uma forma consistente». Não se faz e ainda bem porque a ACB é um método grosseiro e ilusório para tomar decisões de política pública. Isto se queremos ser sérios com as palavras e não utilizar os termos apenas para ganhar uma posição de autoridade no debate.

Senão vejamos. A ACB é um conjunto de métodos para catalogar e sopesar de forma sistemática os impactos monetários de uma determinada decisão pública. Isto implica identificar o valor monetário dos seus respectivos benefícios e custos para a sociedade como um todo. Desta forma procura-se determinar, geralmente ex ante, os benefícios líquidos de uma decisão de política pública em relação ao status quo. Isto implica determinar o valor monetário de todos os elementos que entram numa decisão. Não é só a complexidade e a incerteza irredutíveis acerca, entre outras coisas, da evolução futura das variáveis em análise que tornam este exercício quase sempre precário. É também a ideia algo tonta de que se pode atribuir um preço a toda a panóplia de elementos que têm de ser considerados numa decisão deste género. Não pode e além disso não deve.

E depois é o mito, alimentado por muitos economistas, de que existe um método neutro e despolitizado (a ACB) que poderia prescindir da deliberação e da discussão políticas, por exemplo sobre o modelo de desenvolvimento que queremos ter ou sobre as apostas públicas em relação à melhor forma de o alcançar. Não existe e ainda bem. Assim, o conflito social, a persuasão ou o estabelecimento de consensos precários, fundados em razões partilhadas, continuarão a ser elementos insuperáveis da nossa paisagem. Por muito que custe a tantos que querem fazer passar as suas posições políticas à boleia de «argumentos técnicos».

A única coisa que me preocupa neste episódio é a capacidade crescente que o poder económico exibe para converter os amplos recursos de que dispõe em influência e capacidade para moldar as decisões políticas que dizem respeito a todos. A «sociedade civil» não tem de facto toda o mesmo poder. Finalmente, o «interesse privado» não é mais fácil de definir do que o «interesse público».

Nota: para uma análise mais completa dos precários fundamentos da ACB vejam este artigo que escrevi em co-autoria com Ana Costa.

Cidadania

«Tendo em conta os desafios colocados pela globalização, Vieira da Silva defendeu que o principal destes desafios é o de como fazer avançar nas agendas políticas os instrumentos que valorizem o trabalho como valor essencial e cimeiro da humanidade. "Temos a obrigação ética de o valorizar, de modo a que ele corresponda a essa aspiração de cidadania"», referiu Vieira da Silva no primeiro dia da Conferência da Organização do Internacional do Trabalho.
Pois é. Esperemos que o ministro se lembre destes valores essenciais sempre que em cima da sua mesa estiverem propostas para reduzir ainda mais os direitos dos trabalhadores.

Uma entrevista

José Sócrates deu recentemente uma entrevista à agência de notícias Reuters. A Reuters é uma das principais fontes de informação dos jornais e também de todos aqueles que trabalham nas chamadas «salas de mercados», ou seja, nos espaços onde se negoceiam os activos financeiros que estruturam a «economia capitalista global». Por isso a entrevista é tão instrutiva.

O que Sócrates nos apresenta são os «feitos reformistas» do governo. Embora reconhecendo que o objectivo da redução do défice prejudica o crescimento, Sócrates acaba por defender que este objectivo é afinal um meio para colocar a economia a crescer mais no longo prazo. Não se sabe muito bem como é que isto vai acontecer, mas não importa porque o mercado realizará certamente a sua magia. As políticas públicas são assim essencialmente subordinadas às necessidades deste «mercado» onde «quanto menos o Estado se meter melhor». Esta última afirmação a propósito das falhadas, mas relevantes, operações de aquisição em sectores estratégicos da economia portuguesa.

É esta abdicação, pior, é esta interiorização activa dos constrangimentos neoliberais criados pela política que abre as portas a avanços cada vez mais amplos da direita de «ruptura» por toda a Europa. Avanços que começaram sempre pela desistência da esquerda em pensar a organização do campo económico fora do quadro intelectual do liberalismo. Em Portugal não será diferente. O plano está mais do que inclinado.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

14% dos portugueses nunca foram à escola

Tive que ler duas vezes: segundo um estudo demográfico publicado recentemente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), 14% da população portuguesa não tem qualquer grau de instrução. São 12,2% dos homens e 16,2% das mulheres. Claro que são as gerações mais velhas que explicam estes números já que entre os jovens o analfabetismo é residual. E o facto de uma em cada duas mulheres com mais de 75 anos nunca ter ido à escola é bem elucidativo do legado que o Estado-Novo deixou no nosso País.

Se passar por aqui um editor...

Andrew Glyn, professor de economia na Universidade de Oxford, oferece-nos um lúcido livro sobre a evolução do capitalismo nos países centrais nas três últimas décadas (O Capitalismo Desatrelado). A economia política como «história raisonné», na feliz expressão de Joseph Schumpeter, eis a sua grande realização. Quer isto dizer que a teoria como que desaparece da vista e serve «apenas» para ordenar e dar clareza ao material empírico que o autor mobiliza e para identificar com rigor os principais mecanismos causais que estão na base dos padrões históricos mais salientes. O resultado é um livro extremamente informativo e que desmonta com ampla evidência alguns dos mitos da história económica recente.

O que passa pelos menos nossos olhos é então a evolução do capitalismo a partir de uma conjuntura «difícil» nos anos setenta, com quebras nas taxas de lucro, elevada militância operária e com desafios sistémicos relevantes. O pleno emprego gerava então uma relação de forças desfavorável ao capital. A partir daí o que temos, um pouco por todo o lado, é uma reversão deste padrão. As alteração da política económica com a focagem no combate à inflação ou as políticas de privatização, liberalização e de desregulamentação são respostas a esta «crise». Desenvolve-se também a financeirização do capitalismo, o crescimento dos mecanismos de controlo da finança e a emergência da prioridade à apropriação do valor pelos accionistas. Glyn chama ainda atenção para a promoção da integração internacional e para a expansão da força de trabalho que daí resulta. Estas políticas, ao gerarem desemprego duradouro, quebraram largamente o movimento operário e facilitaram a recuperação da hegemonia do capital. No entanto, o resultado em termos de performance económica foi relativamente medíocre, embora largamente favorável aos mais ricos.

Glyn destaca ainda as assinaláveis diferenças na evolução dos indicadores de desigualdade e de bem-estar nos países centrais. Apesar das transformações e da pressão acrescida, muitos países mantiveram mecanismos de redistribuição dos rendimentos e de provisão pública que bloquearam parcialmente o crescimento das desigualdades. As diferenças entre os «países liberais» (EUA e Inglaterra) e os restantes são notáveis. Nos primeiros, a polarização social cresceu fortemente enquanto que nos segundos tal não se verificou. A questão que Glyn coloca, e que a evolução próxima irá clarificar, é se estes processos, aqui tão rigorosamente descritos, não levarão a uma convergência com o modelo liberal dominante. Um livro que sem dúvida merece ser traduzido e amplamente lido e discutido.

Para um aperitivo recupero este artigo, publicado no The Guardian, sobre o impacto desfavorável para os trabalhadores dos países mais ricos da constituição de um «exército industrial de reserva» à escala global. Se passar por aqui algum editor, fica então feita a sugestão de tradução.

Um grande jornalista

Richard Gott é um dos jornalistas que mais e melhor tem escrito sobre a América Latina. Vejam este excelente artigo de opinião sobre a Venezuela. Aqui têm mais. Depois contrastem com este artigo que resume bem o «pensamento» único sobre este assunto em Portugal.

A classe conta...


Um estudo, realizado pela Universidade de Londres e divulgado pelo jornal The Guardian, revela que as crianças oriundas de meios pobres têm aos três anos de idade um atraso de um ano no seu desenvolvimento social e educacional. Isto quando comparadas com crianças oriundas das classes médias. Assim se demonstra que a igualdade de oportunidades não passa de um mito em sociedades com acentuadas desigualdades. E que «de pequenino se torce o destino».

domingo, 10 de junho de 2007

A lição do gatos

Para o seu último «Diz que é uma espécie de magazine», os gatos fedorentos decidiram convidar os protagonistas da sua popular rubrica semanal «tesourinhos deprimentes». Alguns aceitaram vir a público, rir-se das suas figuras e falar do que então aconteceu. E com este programa, os gatos deram-nos uma lição muito importante: é fundamental sabermos rir de nós próprios, das nossas características e das nossas falhas e esse é o primeiro passo para nos aceitarmos melhor.

Uma boa semana para todos!

sábado, 9 de junho de 2007

Há quem continue a insistir que ele é social-democrata


«Cavaco assume a defesa da desconstrução do Estado Social e do redesenho da organização social». Mais umas notas incisivas da São José Almeida, na sua coluna semanal do Público.

Desabafo

As elevadíssimas taxas de objectores de consciência dizem muito acerca da classe médica que formámos no nosso país. Acho que os médicos podiam apontar baterias para outras vergonhas que se passam na saúde, bem mais susceptíveis de objecção de consciência do que um aborto. Ver 80% dos médicos a declararem-se objectores de consciência depois de uma clara maioria de portugueses e portuguesas terem legalizado a interrupção voluntária de gravidez só pode ser encarado como um insulto a todas as mulheres que já abortaram ou que ainda venham a fazê-lo. Mas tenho a certeza que a minoria de médicos tolerantes deste país vai ser suficiente para responder às aflições das mulheres portuguesas! Essa é a nossa grande vitória.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Flexigurança - um modelo «prêt-à-porter»?


«Portugal é um dos países da União Europeia que menos investem na formação e reintegração dos desempregados no mercado de trabalho. (...) Em 2004, a despesa por desempregado associada a este tipo de políticas em Portugal, medida em paridade de poder de compra (que leva em conta o poder de aquisição no país), foi de nove mil euros, menos de metade da média dos Quinze, de 18,8 mil euros.
A Holanda e a Dinamarca, pelo contrário, são os países que investem mais nos desempregados, respectivamente 44 mil e 39 mil euros, ou seja quatro vezes mais do que recebem os desempregados portugueses.»

Diário de Notícias, 11/08/06.

Não interessa a ninguém?

«Se em Portugal decidem de um dia para o outro cortar a protecção laboral, arriscam-se a que tudo o resto não se chegue a realizar. E os empregos precários tornam-se na regra da economia. E isso não interessa a ninguém.»

Entrevista com Poul Rasmussen, ex-primeiro-ministro da Dinamarca, ao DN, sobre a famigerada flexigurança.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Faz o que eu digo e não o que eu faço

Os salários dos membros dos conselhos de administração das empresas cotadas que fazem parte do principal índice da bolsa de Lisboa, o PSI 20, cresceram cinco vezes mais do que os lucros destas mesmas empresas. A conclusão é do Jornal de Negócio e foi publicada na edição de hoje. Os salários dos altos responsáveis destas entidades subiram 12% enquanto os resultados líquidos aumentaram apenas 2,5%, segundo os relatório e contas das empresas. Mesmo quando os lucros caíram, as remunerações dos administradores cresceram sempre e algumas vezes bem acima da inflação. Não deixa de ser curioso que os administradores que limitam o crescimento dos salários dos seus trabalhadores com base nos resultados financeiros das empresas não apliquem a mesma regra às suas remunerações.

Se até já o Wall Street Journal reconhece...


O Wall Street Journal (WSJ) é o diário conservador de referência de todos os especuladores por esse mundo fora. Por isso é insuspeito. Pois bem, até já o WSJ reconhece que «a globalização acentua as desigualdades na distribuição dos rendimentos». A liberalização irrestrita dos fluxos de investimento e de mercadorias parece ser responsável por este padrão. Não é um economista de esquerda que diz isto. É uma reportagem do WSJ.

Mdiplo

Já está nas bancas mais um número da edição portuguesa do Le Monde Diplomatique. No panorama desolador da imprensa portuguesa, o Mdiplo oferece-nos todos os meses algumas chaves para uma leitura crítica do nosso mundo. Isto é cada vez mais raro em Portugal.

Este mês, o editorial de Ignacio Ramonet revisita o fenómeno Sarkozy com uma lucidez a toda a prova. Argumenta que o seu governo é a expressão de uma ampla aliança que, ao incluir alguns socialistas, reflecte a extensão da direitização da sociedade francesa. Assinala também que Sarkozy representa sobretudo a derrota da esquerda no campo das ideias. Ao contrário da interpretação convencional, Ramonet assinala que a abdicação dos socialistas francesas nos anos oitenta e noventa, ao aceitarem passivamente ser os condutores de políticas neoliberais, abriu o plano inclinado que conduziu a Sarkozy. Com a ajuda da esquerda à esquerda que com a sua balcanização se tornou incapaz de aproveitar o balanço de algumas vitórias políticas recentes. A ler com atenção.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Obrigado Jean-Claude

Se não fosse o Jean-Claude, o que seria de nós?
Com o crescimento económico a disparar na zona euro (previsão de 2,6% em 2007) e com a inflação descontrolada (segundo as previsões pode atingir os 2% em 2007) precisávamos de alguém que pusesse ordem na "casa".
Esperemos que o nosso guardião da estabilidade de preços não se fique por este aumento. É que depois de 8 subidas da taxa de juro de referência, em ano e meio, de 2% em Novembro de 2005 para 4% em Junho de 2007, a economia na zona euro ainda teima em crescer.
Ansiamos para que as expectativas se confirmem e que o nosso Jean-Claude e o seu conselho de anciãos subam mesmo a taxa de juro até aos 4,5% até ao final do ano. É que já nos sentimos sufocados com tanta inflação e com tanto crescimento económico.

Propriedade Intelectual (III) - Da teoria à prática



Violando os direitos de propriedade deste vídeo... White Stripes, com novo álbum, no Oeiras Alive, dia 9 de Junho. A não perder!

Propriedade Intelectual (II) ou A Economia Política da Mula


Através de programas, como o Emule (a «mula» do título do post) ou do Soulseek, é fácil partilhar ficheiros através de Internet e contornar a protecção da propriedade intelectual (copyright) de bens culturais como a música. Estamos aqui também perante um exemplo de «peer-production», abaixo brevemente explicada, agora aplicada ao domínio, não da produção, mas da distribuição de um bem.

Estes arranjos permitiram uma difusão nunca antes imaginada de grupos de música, que se, por um lado, perdem os direitos de autor, por outro, ganham uma visibilidade pública que lhes permite compensar tais perdas com novos públicos para os seus concertos. Não é, por isso, de admirar que sejam inúmeros os grupos que se manifestam a favor destes novos esquemas. Por outro lado, as vantagens para os melómanos são evidentes: têm hoje à sua disposição um imenso acervo de música quase gratuito que lhes permite um conhecimento muito mais profundo e crítico da sua paixão.
Quando um determinado arranjo institucional permite ganhos a (quase) todos, precisamos de direitos de propriedade para quê?


Claro está que existem grandes perdedores: as oligopolistas empresas de distribuição de música. A ameaça de processos judiciais tem dado poucos resultados, tendo sido iniciada uma intensa campanha que confunde os consumidores de música com piratas cujos objectivos são puramente pecuniários, além de alguns delírios como este.

Sexta-Feira


Mais informações, aqui.
No porto, é às 15h na Rua de Santa Catarina. Em Coimbra, não sei.

Propriedade Intelectual (I) ou A Economia Política do Pinguim


O Software Livre (FLOSS – Free\Libre\Open-Source Software) está a crescer. Certos mercados de software, como o dos servidores de Internet, são mesmo dominados por programas de FLOSS (Apache). Junto do utilizador comum a sua progressão tem sido mais lenta devido à permanente ofensiva da Microsoft - amarrados ao Windows aquando da compra do nosso computador, a migração para sistemas operativos livres (como o Linux, cujo o símbolo é o Pinguim acima reproduzido) torna-se demasiado custosa. Ainda assim, é notável o sucesso do browser Mozilla Firefox, com milhões de downloads feitos desde o seu lançamento.

Duas características tornam este tipo de software particularmente interessante para um economista:

A primeira é filosofia contrária à propriedade intelectual que lhe é subjacente. Este tipo de software não pode ser patenteado, estando protegido contra esta eventualidade através de uma licença ironicamente intitulada copyleft). Assim, ao estar publicamente disponível o código-fonte (linhas de programação) deste software, pode ser facilmente modificado e adequado às necessidades de cada um (desde que saiba programar). Como afirmou um dos dirigentes da Microsoft, Steve Balmer: "o Linux é como um cancro que se instala na propriedade intelectual de tudo aquilo que toca".

A segunda é o modelo de produção em que este tipo de software é desenvolvido (baptizado "peer-production" por Yochai Blencker). O software é sobretudo construído através de contribuições voluntárias de milhares de programadores cujas motivações são várias (vontade de aprender, participação numa nova forma cooperativa de produção, ódio à Microsoft, etc), mas onde, de uma maneira geral, as motivações pecuniárias estão ausentes. Este tipo de produção será potencialmente mais eficiente por dois motivos:
1- estando o código-fonte publicamente disponível, os erros de programação (bugs) são facilmente identificados pelos milhares de voluntários de cada projecto;
2- cada voluntário dedicar-se-á a tarefas de programação onde a sua participação seja mais valiosa. Não são necessários nem preços, nem ordens superiores para a afectação de recursos.

A tradicional dicotomia na coordenação da produção entre a empresa e o mercado fica assim ultrapassada neste modelo de criação onde a propriedade dos meios de produção (computadores e software) está descentralizada. São os ideais socialistas e liberais juntos num único modo de produção!

Notas finais: A "peer-production" pode ser facilmente identificada em outros produtos que não o software. Este blogue cai facilmente nesta definição. Esta posta foi inspirada pelas postas recentes sobre software livre do Bitoque.

Albert Hirschman

«A generosidade, a benevolência e a virtude cívica não são recursos escassos de oferta limitada, mas também não são competências que possam ser melhoradas e expandidas de forma ilimitada com a prática. Em vez disso, tendem a exibir um comportamento complexo e compósito, atrofiando quando não são praticadas e invocadas pelo regime socieconómico prevalecente e tornando-se de novo escassas quando são defendidas e estimuladas em excesso. Para tornar as coisas ainda mais complicadas estas duas zonas de perigo (...) não são conhecidas e muito menos são estáveis».
É por reflexões como esta que Albert Hirschman é um dos gigantes da economia política. É por ter feito reflexões como esta que nunca irá ganhar o «Nobel» da economia.