Às pertinentes dúvidas de Daniel Oliveira sobre o badalado estudo da CIP que propõe uma nova localização para o futuro aeroporto, Rodrigo Adão da Fonseca responde que «O Estado não precisa saber quem pagou o dito estudo, mas se a construção de um aeroporto na OTA, em Alcochete, ou noutro sítio qualquer faz sentido, e em que medida. Chama-se a isto análise custo-benefício [ACB] dos investimentos públicos, algo que em Portugal não se faz de uma forma consistente». Não se faz e ainda bem porque a ACB é um método grosseiro e ilusório para tomar decisões de política pública. Isto se queremos ser sérios com as palavras e não utilizar os termos apenas para ganhar uma posição de autoridade no debate.
Senão vejamos. A ACB é um conjunto de métodos para catalogar e sopesar de forma sistemática os impactos monetários de uma determinada decisão pública. Isto implica identificar o valor monetário dos seus respectivos benefícios e custos para a sociedade como um todo. Desta forma procura-se determinar, geralmente ex ante, os benefícios líquidos de uma decisão de política pública em relação ao status quo. Isto implica determinar o valor monetário de todos os elementos que entram numa decisão. Não é só a complexidade e a incerteza irredutíveis acerca, entre outras coisas, da evolução futura das variáveis em análise que tornam este exercício quase sempre precário. É também a ideia algo tonta de que se pode atribuir um preço a toda a panóplia de elementos que têm de ser considerados numa decisão deste género. Não pode e além disso não deve.
E depois é o mito, alimentado por muitos economistas, de que existe um método neutro e despolitizado (a ACB) que poderia prescindir da deliberação e da discussão políticas, por exemplo sobre o modelo de desenvolvimento que queremos ter ou sobre as apostas públicas em relação à melhor forma de o alcançar. Não existe e ainda bem. Assim, o conflito social, a persuasão ou o estabelecimento de consensos precários, fundados em razões partilhadas, continuarão a ser elementos insuperáveis da nossa paisagem. Por muito que custe a tantos que querem fazer passar as suas posições políticas à boleia de «argumentos técnicos».
A única coisa que me preocupa neste episódio é a capacidade crescente que o poder económico exibe para converter os amplos recursos de que dispõe em influência e capacidade para moldar as decisões políticas que dizem respeito a todos. A «sociedade civil» não tem de facto toda o mesmo poder. Finalmente, o «interesse privado» não é mais fácil de definir do que o «interesse público».
Nota: para uma análise mais completa dos precários fundamentos da ACB vejam este artigo que escrevi em co-autoria com Ana Costa.
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3 comentários:
Caros Ladrões
Parabéns pelo excelente blog. As vossas ideias solidamente sustentadas em outras visões fora do discurso dominante parecem-me muito importantes.
Concordo com tudo o que foi dito sobre a pretensa neutralidade deste tipo de discursos.
E infelizmente ela estende-se a outros sectores da governação. Efectivamente, aquilo a que alguns chamam de managerialismo e que surgiu no contexto da Nova Gestão Pública nos EUA, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia estende-se actualmente também a Portugal.
A pretensa neutralidade da introdução de mecanismos do tipo mercado e a assumpção de que as instituições de tipo mercado funcionam melhor do que as do Estado parece estar a estender-se ao sector público português numa altura em que a campanha para as presidenciais norte americanas começam a pôr em causa certos aspectos deste tipo de técnicas de governação.
Nem tudo vai bem no Estado. Contudo, nada comprova que a passagem a formas de regulação do tipo privado melhore tudo num passe de mágica.
E ninguém questiona quais as consequências que as alterações previstas na reforma da administração pública poderão trazer para a imparcialidade, integridade e legalidade dos serviços públicos, com um aumento da precaridade laboral induzida por diversas precaridades pouco transparentes nas relações laborais no seio dessa administração.
A deterioração prevista ao nível ADSE, empurrando os funcionários públicos para um sistema pior e criando condições para o aparecimento de mecanismos de protecção social do tipo privado, com a publicidade cúmplice dos media sobre a sua pretensa superioridade e sem nunca questionar quais as consequências para o conjunto da sociedade, ajuda à festa.
Como também ajuda a posição acrítica da comunicação social sobre a pretensa poupança resultante da contratação externa de serviços pelo Estado. Já alguém se lembrou de comparar o peso conjunto da aquisição destes serviços e das despesas com pessoal no Orçamento de Estado no conjunto de países da UE há 10 anos e actualmente? Os resultados são surpreendentes...
Por fim, a nível internacional, o direito ao trabalho digno parece estar fora dos direitos humanos e das regras da tão proclamada concorrência. E a UE, fecha os olhos ao que se passa na China, Índia e outros que tais, ao mesmo tempo que vai conduzindo a sua orquestra no sentido de melodiosos discursos neste âmbito que aos poucos provocam uma regressão no seu seio, tornando-a cada vez mais longínqua para o cidadão comum.
Cara Cristiana,
Muito obrigado pelos seus comentários. Concordo inteiramente com a radiografia que faz. De facto, as políticas do «mimetismo mercantil» estão a desestruturar o Estado e a sua capacidade de provisão.
Caro João Rodrigues,
O estado tem muitas dificuldades em utilizar análises de custo benefício como uma ferramenta importante na decisão pública. É sempre de desconfiar quando um decisor político anuncia que vai utilizar uma ACB para fundamentar uma decisão.
Dito isto, a ACB continua a ser a melhor ferramenta de análise que existe no mundo privado. Quem a promove tem todos os incentivos para que a ACB seja bem feita, ou seja que englobe todos os custos e benefícios e que os meça correntamente. Incentivos impossíveis de replicar no mundo público.
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