«Temos assim uma engenharia financeira notável. Durante 100 anos, uma empresa privada ficaria com a concessão de todas as estradas portuguesas. E seria paga pelos impostos, para assegurar a renda que garante a rentabilidade financeira dos investidores. Os 500 milhões de euros são gastos à mesma, mas finge-se que não contam para o défice. E os privados ganham a propriedade de uma concessão e uma renda estável, paga a partir de impostos. O truque é habilidoso, os contribuintes financiam a empresa, o Estado esconde o défice, e no futuro sempre se podem ir aumentando a taxa de modo a melhorar as condições dos capitais investidos». Francisco Louçã, a propósito das ideias liberais do governo para as estradas de Portugal já criticadas aqui.
Os constrangimentos orçamentais são o pretexto para a expansão da lógica do controlo privado aos serviços e equipamentos públicos. As chamadas parcerias público-privadas vão generalizar-se pela mão do governo socialista. Águas, aeroportos, saúde, TGV. Nestas «parcerias», o risco dos projectos de investimento é suportado integralmente pelo Estado. Os privados investem sabendo de antemão qual a rendibilidade que podem esperar. Assim se supera, com a ajuda dos contribuintes, a principal fonte de incerteza em capitalismo. É evidente que isto só vai ajudar a consolidar a lógica rentista dos grandes grupos económicos portugueses. Assim prossegue a apropriação privada do que deveria ser de todos.
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3 comentários:
Caro João Rodrigues,
Será que as parecerias público-privadas são um mal em si mesmo? Será um problema para o bem comum o facto de os privados participarem em investimentos públicos? Se não existissem os tais constrangimentos orçamentais, deveria o Estado investir sempre sozinho? (olhe que nem na China ou em Cuba acreditam que esse é o caminho)
E já agora, será que o Estado deve abster-se de assumir qualquer espécie de risco privado? Não é a segurança social pública ela mesma uma forma de socialização do risco privado (individual e familiar)?
Finalmente, porque motivo estão as parcerias público-privadas condenadas a «consolidar a lógica rentista dos grandes grupos económicos portugueses» - o Estado português não pode procurar parceiros entre investidores privados (porventura, detentores de mais capitais e competências técnicas mais úteis)?
Caro Olavo,
O problema são as contrapartidas da participação no investimento. E estas traduzem-se num reforço do controlo privados dos bens públicos. Os investimentos públicos devem ser públicos. Os investimentos privados privados...
Há um problema para o bem comum quando a gestão de serviços públicos é entregue a privados. Os privados tenderão a ser orientados por uma lógica de rendibilidade de curto-prazo, os contratos onde o interesse supostamente fica acautelado são de díficil e muito custosa monitorização, a qualidade tenderá a deteriorar-se e os trabalhadores tenderão a ter piores condições de trabalho.
Quanto ao rentismo é tudo uma questão de incentivos: se eu tenho acesso a investimentos garantidos qual a razão para arriscar noutros sectores?
É quase uma versão da "doença holandesa": o investimento privado acaba por privilegiar este tipo de arranjo em detrimento de outros, deixando vastos sectores com inovação, vontade e criatividade à mingua de investimento. Afinal, para quê arriscar?
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