segunda-feira, 14 de abril de 2014

Um final necessariamente infeliz

Não há melhor exemplo da euforia irracional que se apoderou dos mercados da dívida do que ver um país que, quer em termos de PIB, quer em termos de desemprego, quer em termos de investimento está numa depressão económica, que tem um rácio da dívida pública em percentagem do PIB próximo dos 180% e que está em deflação fazer uma emissão de dívida pública no mercado primário com juros inferiores ao que tinha antes do início da chamada crise das dívidas soberanas e com uma procura quase sete vezes superior à oferta. Falo, como é evidente, da Grécia, que celebrou este estrondoso sucesso no mesmo dia em que via uma bomba explodir nas ruas da sua capital. Nem Fellini se lembraria de tamanha farsa.

A Grécia é um excelente exemplo de como o que se tem passado nos mercados da dívida pública é uma típica bolha especulativa que não tem qualquer relação com os chamados fundamentais da realidade económica do país e que, mais cedo ou mais tarde, vai rebentar, porque é insustentável. A Grécia, para todos os efeitos, é um país falido, com uma economia devastada, com um tecido social à beira da rutura (se é que não passou já desse ponto) e que nunca poderá pagar o que deve sem uma radical inversão de política. Se é assim, como explicar a queda vertiginosa dos juros da sua dívida pública?

Os juros descem na Grécia, descem em Portugal, descem em Espanha e descem em todos os periféricos. E descem tanto mais quanto mais altos estavam antes de toda esta euforia começar. Como mostrou o economista Paul de Grauwe, depois da garantia de Draghi de que o BCE faria tudo o que fosse necessário para evitar o desmembramento do euro, o que melhor explica a descida dos juros é o nível inicial desses mesmos juros: quanto mais alto era o nível, maior é a queda. E descem porque, fruto das políticas expansionistas dos bancos centrais, há um excesso de liquidez nos mercados, que, por não haver oportunidades de investimento real, tem forçosamente de ser investido no que resta, que são os ativos financeiros. Se juntarmos a isto a saída de capitais dos mercados emergentes, as baixíssimas taxas de rentabilidade disponíveis, torna-se mais fácil entender por que razão há tanta procura pela dívida pública dos países da chamada periferia: é o que permite garantir alguma rentabilidade num mundo financeiro que não pode existir sem essa rentabilidade. Num certo sentido, e independentemente da sua sustentabilidade, o investimento na dívida de todos estes países é feito por necessidade, não por escolha.

Esta situação é o resultado inevitável da estratégia que consistiu em mobilizar todos os recursos públicos para inflacionar o preço dos ativos financeiros sem cuidar de reabilitar a realidade económica que lhe subjaz. Inundar o sector financeiro de liquidez ao mesmo tempo que se destrói a economia e a procura com políticas de austeridade tinha de resultar na criação de dois mundos, um mundo financeiro cheio de dinheiro para aplicar, outro com uma economia onde não vale a pena investir. Perante isto, o setor financeiro vê-se forçado a investir em si próprio e nos ativos que estão disponíveis. A bolha é, pois, o resultado racional de uma estratégia que é, em si mesma, irracional e que, mais cedo ou mais tarde, vai rebentar. Podemos adiar o confronto com a realidade, mas ele, em algum momento, terá de chegar: países com mais dívida e menos capacidade de a pagar não podem garantir um final feliz para esta história.

(artigo publicado no Económico desta semana)

5 comentários:

Dias disse...

O “estrondoso sucesso” da depauperada Grécia, louvado imediatamente nas Hossanas da comunicação regimental, era claramente desajustado (para não dizer manipulado) …
Muito bom artigo!

Mais se prova que foi péssimo para os países (sobretudo os periféricos) terem ficado à mercê, completamente dependentes dos humores e apetites dos “mercados”.
Só se vislumbra uma solução: reestruturar e sair.

Jose disse...

...
Como é que o desemprego é um dos grandes falhanços da execução deste programa, quando seguramente ele havia de ser a sua inevitável consequência?

Sem capital nacional disponível o único antídoto conhecido - o investimento estrangeiro - é sempre a matéria omissa, porque mais importante que combater a pobreza é alimentar o discuso ideológico da comuna de tão conscenciosos analistas, verdadeiros espanta-capitais!
?

Anónimo disse...

O anticomunismo primário terá picos sazonais?

O capitalismo mais não faz do que esta oferta por parte de jose de ainda mais deemprego,trazendo atrás de si o cotejo de fome e miséria habituais numa sociedade em que se explora o próximo para encher a bolsa de quem usufrui dessa exploração

Mas o desemprego era mesmo a inevitável consequência da execução do programa?
Mas então o Coelho e a sua corte mentiram ainda com mais dentes do que tinham ou tiveram na boca. Ora escutai ( basta o primeiro minuto):
http://www.youtube.com/watch?v=iJCSmwLeUZg#t=34

Mas vamos a mais factos:
"a destruição de emprego foi bastante mais acelerada desde que o actual governo entrou em funções do que entre o início da crise (2008) e o primeiro semestre de 2011. De facto, anulando as diferenças temporais, verificamos que se no período de 2008 a 2011 se registou uma perda no emprego na ordem dos 47 mil, em média, por semestre, já entre 2011 e 2013 esse valor ascende a cerca de 66 mil postos de trabalho, em média, por semestre (sinalizando assim, com grande eloquência, os méritos da «austeridade expansionista» e a prometida «democratização da economia»).
Nuno Serra

A economia deve estar ao serviço das pessoas e não o contrário

De

Anónimo disse...

ÉTICA E ECONOMIA
Dizia o ministro Pires de Lima que a trajetória de crescimento económico do país se traduzirá em melhores condições de vida dos portugueses e que os empresários não precisam de estar à espera do governo para melhorar salários.

Assim fala um ministro de um governo que se comprometeu com a troika a garantir que com a redução do desemprego não aumentam os salários, a encorajar a flexibilidade salarial e – sem pejo – reduzir incentivos para contestar demissões individuais em tribunal. "Estas propostas serão discutidas na 11ª avaliação". [2]

Que dizer em termos políticos? Inconsciência, ignorância ou hipocrisia? Enfim, esta é a ética do dinheiro. Se nos dizem que a "economia é cega e surda" para que serve a política? E qual o lugar da ética? Não, a economia só não vê nem ouve as desigualdades, nem a injustiça fiscal, submetida aos dogmas neoliberais, em que "os ricos nunca são demasiado ricos para investir, nem os pobres demasiado pobres para trabalhar mais", como bem disse John Kenneth Galbraith.

Se um Estado em nome da dita "economia" ignora ou compromete o futuro dos seus jovens, despreza os seus idosos tratando-os como parasitas do "Estado asilo", deixou de ser o garante da felicidade coletiva, como aspiravam os primeiros liberais, o garante do contrato social e da igualdade, como proclamava o iluminismo do século XVIII, passou a ser um opressor ao serviço de interesses espúrios.

A economia política, que deveria traduzir o conceito social e agregador do Estado, é mascarada com uma escolástica neofascista baseada nos ditames ideologicamente pervertidos e desumanizados do neoliberalismo, para eliminar os conceitos e as práticas da democracia real e, entre nós, do espírito do 25 de Abril. "
Daniel Vaz de Carvalho

De

R.B. NorTør disse...

"Podemos adiar o confronto com a realidade, mas ele, em algum momento, terá de chegar: países com mais dívida e menos capacidade de a pagar não podem garantir um final feliz para esta história."

A conclusão desta frase terá de ser, forçosamente, repetida e pensada. Aliás, de pouco serve ler e perorar sem ser sobre isto. A avaliação do programa de ajustamento tem de ser feita à luz da seguinte pergunta: porque estamos hoje mais capazes de pagar as nossas dívidas do que no início?

Alguém consegue explicar como as medidas tomadas, nomeadamente as privatizações, nos tornaram mais autónomos? Sim é verdade que os juros baixaram, mas alguém com honestidade consegue desligar essa baixa da carta branca do BCE? E já agora, essa carta branca não corresponde de caminho a uma transferência de dívida, não fazendo com que esta desapareça?

Para o ano, senhores da "oposição" e do desgoverno, esta é a única questão que interessa responder. Tudo o resto é uma enorme cortina de fumo...