quarta-feira, 9 de abril de 2014

É feitio

Um dos indicadores de que o euro não serviu a economia portuguesa foi a coexistência, entre 2000 e 2008, de um fraco crescimento da procura interna (pior na UE só a Alemanha) e de uma duplicação, no mesmo período, do peso do endividamento externo, resultado da acumulação de défices de balança corrente. Após a crise internacional e em particular depois da viragem para a austeridade, elemento essencial da desvalorização interna, o colapso da procura interna foi a forma destrutiva encontrada para corrigir o défice da balança corrente, criando condições para transferir mais recursos internos para os credores externos. É claro que assim que a pressão destrutiva diminui e a procura interna recupera, lá voltamos ao mesmo: balança comercial regista maior agravamento em cinco anos. Não é defeito dos portugueses é feitio estrutural da nossa inserção dependente num contexto em que a conversa sobre mudança estrutural não teve investimento, nem políticas, que a suportassem. Portugal precisa de uma moeda com uma taxa de câmbio competitiva, que crie os incentivos certos, no quadro mais vasto de uma política industrial que permita ir mudando o tal feitio, o que implica superar o actual enquadramento que impede tudo isso. Rupturas para recuperar margens de manobra para políticas de desenvolvimento que começam pela reestruturação da dívida. Caso contrário, como superar este feitio?

9 comentários:

Jose disse...

Nesta permanente, e em si justificada, crítica ao desempenho passado da economia, aparece como principal responsável o Euro, por razões que nunca são totalmente claras porque nunca se estimam as consequências da ausência dos subsídios e créditos que só o euro trouxe.
Alguns dos distintos economistas que por aqui pululam poderiam seguramente mais facilmente elaborar sobre o contributo que a manutenção da lei das rendas 'fascista' para a preversão da actividade bancária e o garrote financeiro para tantas famílias.

L. Rodrigues disse...

José,
muito mais importante que a lei das rendas, no quadro da nossa dívida privada, é a lei dos solos que só agora parece ir ser revista, com 40 anos de especulação e fraudes no bolso.

E o papel do Euro já fai vastamente dissecado neste blogue.

Nuno Serra disse...

Sobre a lei das rendas, neste blogue:
http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2011/06/o-eterno-mito-do-congelamento-das.html?m=1

Luís Lavoura disse...

Portugal precisa de uma moeda com uma taxa de câmbio competitiva

(1) Acha que seria possível, no atual contexto em que as trocas financeiras superam em muito as comerciais, o Estado português manipular deliberadamente a taxa de câmbio do escudo, de forma sustentada e continuada durante muito tempo?

(2) Julga que os restantes países da UE tolerariam uma política deliberada do governo português nesse sentido, que na prática corresponderia a uma guerra comercial, mantendo simultâneamente as portas abertas às exportações portuguesas? Acha que uma política de comércio livre é compatível com políticas mercantilistas deliberadas dos Estados no sentido de aumentarem as suas exportações?

Jose disse...

Nuno Serra, ambos dissemos de menos, o congelamento é só um aspecto, actualização de renda, despejos e tudo o mais ligado à rentabilidade e manutenção do arrendado construíram um verdadeiro paradigma de irracionalidade na economia e uma '...preversão da actividade bancária e o garrote financeiro para tantas famílias'.

Anónimo disse...

O problema principal tem um nome: chama-se Euro.

Foi um Euro que permitiu que a economia se endividasse e perdesse competitividade.

Portugal necessita de sair do Euro para que a economia possa voltar a crescer sem recorrer ao endividamento.

Anónimo disse...

Luís lavoura,

Não é necessário manipular a taxa de câmbio, se ela for a natural para a riqueza gerada no país. Isso é determinado pelas trocas comerciais com o exterior, e com a massa monetária portuguesa determinada pelas instituições nacionais.

No caso presente, certamente o escudo estaria bem mais barato que o Euro.

Importante tb seria poder emitir dívida em moeda própria.

De facto "taxa de câmbio competitiva" sugere manipulação, mas certamente que com moeda própria a taxa de câmbio pderia ser a mais natural para as condições do país.

Luís Lavoura disse...

Anónimo,

com moeda própria a taxa de câmbio pderia ser a mais natural para as condições do país

Pois poderia... mas também poderia não ser.

A taxa de câmbio, no mundo atual, não depende apenas, nem sequer principalmente, da balança comercial. Depende também dos investimentos que os estrangeiros queiram ou não queiram fazer em Portugal.

Há muitos países que, embora com economias fracas, têm taxas de câmbio boas, estáveis. Mesmo que as balanças comerciais sejam deficitárias, se os estrangeiros quiserem investir nesses países, as taxas de câmbio podem manter-se estáveis.

Anónimo disse...

"Pois poderia... mas também poderia não ser."

Sim claro, tudo é possével e o seu contrário também.

Mas o ponto é que a taxa cambial neste momento não pode ser mudada e está claramente demasiado alta para o que produzimos.

E nem vou discutir aquia questão da justiça ou não de proteger os credores relativamente aos credores.

Dificilmente os países conseguem manipular a taxa cambial sem consequências funestas. Por exemplo, a sitaução presente é uma fixação da taxa (através da moeda única) com consequências funestas...

Sendo assim, antes a possibilidade de uma taxa variável. E sim, erros é sempre possível, mas dicilmemnte serão piores que o erro presente.