«Há qualquer coisa em Passos Coelho que faz com que as pessoas lhe tolerem com alguma bonomia todas as suas mentiras. Ou que pelo menos não se indignem como se indignavam com Sócrates ou com Durão Barroso ou como se continuam a indignar com Portas. (...) Querem o melhor exemplo? O espaço de opinião de José Sócrates, transformado numa "entrevista confrontacional", foi aplaudido pela maioria dos jornalistas. A entrevista de José Gomes Ferreira a Pedro Passos Coelho, transformada num espaço de opinião partilhada (à semelhança do encontro amigável de Passos Coelho com uns cidadãos, na RTP), não provocou grande incómodo nos intrépidos defensores do jornalismo corajoso e independente. Na realidade, a entrevista foi tão fácil que Passos Coelho acreditou que os país era composto por milhões de gomes ferreiras. E desembestou num chorrilho de mentiras sem pensar que havia um dia seguinte.»
Daniel Oliveira, As contradições de Passos Coelho em entrevistas não "confrontacionais"
«No diálogo televisivo de terça-feira, o primeiro-ministro falou dum alargamentozinho no corte de salários face ao do anterior Governo. Segundo o primeiro-ministro, fazer cortes de 3,5% nos salários a partir de 1500 euros não é muito diferente de cortar 2,5% a partir dos 675. Também, segundo ele, não existirá grande diferença entre o tal corte de 3,5% nos salários de 1500 euros e o atual de 8,5%. Mais do dobro. (...) Infelicidade verbal, pois então. Mas existiram mais aspectos que houve quem achasse claros. Houve tempo para libertar (...) uma não verdade, quando disse que os cortes nas despesas de funcionamento do Estado tinham sido de 1600 milhões de euros: não foram, foram de metade desse valor como provou o Jornal de Negócios dois dias depois. Infelicidade verbal, sem dúvida. Também não faltaram, no alegre convívio, momentos de puro entretenimento: o desonerar (...) das pensões e salários em 2016. Se der, eventualmente, às tantas. Tão certo como "termos cumprido as metas". Não houve tempo para explicar como é que não se tendo cumprido uma única meta original se diz exatamente o contrário. Infelicidade verbal, claro.»
Pedro Marques Lopes, "Infelicidades verbais várias"
«"Nós temos um sistema de pensões que não é sustentável". (...) Como incentivo à fuga contributiva, dificilmente se conceberia melhor declaração. Depois, os vários estudos de instituições internacionais mostram que, depois de 2006, o sistema de pensões português é dos que apresentam menores riscos. (...) O problema da segurança social hoje é a combinação entre quebra contributiva (por força da quebra do emprego) e aumento de despesa (efeito do desemprego). Entre 2010 e 2012, a diminuição das contribuições foi de 400 milhões de euros, enquanto a despesa com subsídio de desemprego aumentou 480 milhões. (...) "Os portugueses escolheram um governo para governar nas circunstâncias mais difíceis de que há memória nos 40 anos sobre a revolução". (...) As frases citadas foram proferidas por Passos Coelho na conversa televisiva desta semana. Esta última distingue-se por ser verdadeira e merece um comentário adicional: foi uma tragédia, num momento como o que vivemos, termos alguém tão impreparado a chefiar o governo.»
Pedro Adão e Silva, Um primeiro-ministro
«Nunca saberemos ao certo se o primeiro-ministro cedeu a tentações eleitorais em 2011 ou se pura e simplesmente desconhecia o plano de ajustamento da troika e as limitações da poupança com as "gorduras no Estado". Vê-lo voltar a essa história de fadas de grandes reduções de défice com base em ganhos de "eficiência", menos "consultoria" e muitas "fusões" causa inevitavelmente calafrios - especialmente se considerarmos que três anos depois parece ainda não dominar o assunto em que depositou tanta esperança. Se desta vez, o primeiro-ministro errar, já não terá desculpa. Pois como disse, e bem, "às vezes criam-se ideias que não são correctas".»
Rui Peres Jorge, Números errados, ideias erradas
«Debaixo deste discurso muito pouco transparente, há no entanto uma ideia clara e um objectivo definido. A ideia clara é que a austeridade é para continuar. (...) O objectuvo definido é que, para conseguir aqueles equilíbrios, o governo aposta tudo no esmagamento da procura interna. E isso exige que salários e pensões não só nunca mais voltem aos patamares de antes da crise como se mantenha a brutal carga fiscal sobre os rendimentos. Em síntese, este ajustamento exige e assenta no esmagamento da classe média. E é isso que a troika e o governo têm prosseguido com afinco, enquanto nos fazem sentir a culpa de "termos vivido acima das nossas possibilidades", seja isso o que for, uma viagem às Maldivas ou jantar fora demasiadas vezes...»
Nicolau Santos, Quantos pobres fazem o ajustamento?
10 comentários:
As incomodidades da austeridade são o tema central do discurso público.
Passa ao lado da comodidade de já não ter que competir com o vizinho nos restaurantes que se conhecem, no exotismo das férias ou no modelo de automóvel cada quatro anos.
Viver habitualmente regressou para descanso de muitos e benefício da balança de transacções correntes.
Se me permite, caro José, deixo-lhe a seguinte sugestão de leitura: Ana Cordeiro Santos (2013), "Temos vivido acima das nossas possibilidades?» [http://www.tintadachina.pt/pdfs/078849a8789fcf3a698c62a032190baa-inside.pdf]
Caro Nuno Serra, obrigado pelo link. Interessante:
«sem escamotear o facto de a dívida das famílias portuguesas ter crescido a um ritmo muito intenso desde meados dos anos 90 do século passado»;
«no contexto de uma praticamente inexistente política pública de arrendamento» - leia-se, na vigência de um regime de arrendamento kafkiano.
«a legitimação conferida pelo forte apoio público» - para além do crédito bonificado a mentira do imparável progresso!
Estou certo que a maioria das pessoas planeou viver de acordo com as possibilidades que acreditavam ter, mas ser vítima ou autor não altera que se verifique terem sido excedidas as reais possibilidades.
Quais as políticas que falham, as que criaram falsas expectativas ou as que minimizam o desastre?
Com um pedido de desculpas ao autor do post, digo que é perfeitamente obsceno alguém vir falar das "incomodidades da austeridade" sinalizando estas como a" competição com o vizinho, ou o exotismo das férias ou a troca do modelo automóvel".
A insensibilidade social dos neoliberais é a cada dia que passa mais chocante.E repugnante.
Mas este discurso com que nos bombardeiam a toda a hora é um discurso que fez e faz o seu caminho, como diz indirectamente João Rodrigues no seu último post ao falar nas "fraudes convenientes".Por isso tal discurso, servido pelos representantes dos troikistas, tem que continuar a ser combatido e combatido quotidianamente.Porque da repetição de tal "narrativa", por parte dos austeritários até à enésima vez, resulta a possibilidade de passar como verdadeiro.E este método à Goebbels não pode passar.
Mas a dita "insensibilidade" dos neoliberais, servos obedientes à retórica dos Passos de ocasião, vai mais longe.O "viver habitualmente" esconde a miséria e a fome que se vai instalando, esconde o retrocesso civilizacional a que vamos assistimos. Traduz uma mistificação.É um exemplo vivo e concreto do "novo normal" que nos querem impor e a que nos querem amarrar.
O personagem jose é o mesmo que se congratula com as pensões a ex-agentes da pide atribuídas pelo mesmo personagem (Cavaco) que a recusara a Salgueiro Maia já este se encontrava doente.Falo nisto porque o fio condutor dos apoiantes deste estado de coisas vem de longe, vem doutros tempos, tem um contorno que põe em causa a democracia.
O apetite voraz dos mais ricos, o acumular de rendas, o despudor como agem e como se servem tem que mais tarde ou mais cedo ser posto em causa duma ou doutra forma. Os deve e haver têm que ser feitos.
Custe o que custar
De
As certezas do jose serão as mesmas certezas que ele terá pelos Swapp ou pelas PPP ou pelo BPN ou pelo saque da riqueza nacional?
Já o disse que cansa este voltar atrás sistemático, este ruído de fundo perpétuo em que se repetem slogans tirados do manual troikista.
"Afirma-se que "viver em democracia implica pagar as dívidas e não viver acima das suas possibilidades". A austeridade é então a forma de se "viver de acordo com as nossas possibilidades" ou que "só podemos ter os serviços sociais que os nossos impostos podem pagar". Omite-se a questão de quem paga e de quem foge aos impostos, da livre transferência de rendimentos para paraísos fiscais, no essencial sem pagar impostos, e que estes vão prioritariamente compensar má gestão, fraudes bancárias, contratos leoninos das PPP ou dos SWAP e o escândalo dos juros usurários promovido pelo BCE.
Para manter a especulação, difunde-se na população a ideia que os direitos laborais, salários e prestações sociais devem ser reduzidos, pois assim determinam "os mercados". Para além da ladainha de "preocupações sociais", desmentidas pela prática, a tese da direita é que o aumento da produção será o resultado de trabalho sem direitos, despedimentos arbitrários e empobrecimento para pagar a dívida.
Neste processo, a chantagem sobre os trabalhadores vai ao ponto de se considerar que é melhor ter emprego sem direitos e com salários abaixo do nível de pobreza, que não ter emprego nenhum: ou se submetem ás exigências do "mercado" ou não há "incentivos", a empresa fecha, deslocaliza-se, o capital procura outros ativos, O governo lava as mãos…não interfere no "mercado".
Vaz de Carvalho
De
O meu cronista pessoal - um caso evidente de assédio controleiro - consegue raramente motivar-me a um qualquer comentário.
O caso da'insensibilidade social' confesso tê-lo por particularmente motivador, porque o seu contrário 'uma enorme sensibilidade social' é a causa mais invocada para justificar os delírios e omissões que inelutávelmente nos haveriam de trazer à presente desgraça, que a todos afecta, aos crentes e aos não crentes.
Ainda bem que jose confirma a sua "sensibilidade social", sobretudo pelas pensões aos pides.Mas também há escritos de jose a defender a situação precária em que Relvas se encontrou depois da "aparente" queda governamental".Ou da sua comiseração pelo sr Soares dos Santos, almejado herói pessoal mas vítima das incompreensões de muitos portugueses.
Um autêntico paladino da "sensibilidade social" , este jose.
Mas sublinhe-se mais uma vez este silêncio sobre as verdadeiras causas da "desgraça" que a todos afecta( esta é para rir, não?É perguntar aos "por quem o jose se lastima" se tudo isto não é uma "excelente oportunidade de negócio" e se as suas fortunas não estão a crescer na inversa medida do empobrecimento da restante população)
(passe de largo o "assédio" de que jose fala.Ele que desculpe mas neste blog não reina ainda a política da voz do dono e do silêncio dos demais).
De
Peço desculpa de não ter compreendido imediatamente o alcance de duas questões abordadas pelo jose:
-O "viver habitualmente regressou para descanso de muitos" dito inicialmente pelo jose travestiu-se depois "na presente desgraça, que a todos afecta, aos crentes e aos não crentes"
Não me apercebi logo que jose também faz o papel de Portas e de Coelho e profere declarações de acordo com o "ciclo eleitoral em presença".
-A outra questão de que me penitencio, deriva do facto que constatei que afinal a sensibilidade social apresentada pelo Jose face aos pides, tem uma ponderosa justificação. É que , e cito-o "agentes da PIDE prestaram grandes serviços à Pátria"
Este esclarecimento permite ver que afinal jose por mais que se contradiga é afinal um ser dotado de um elevado sentido de "sensibilidade social"
De
Enfim, um justo, ainda que mal fundado, reconhecimento!
O que eu me pergunto é, tendo qualquer pessoa de bem a capacidade de perceber o discurso reaccionário deste tal José, porque não o fizeram com o discurso de Passos e porque raio lhe deram a vitória em 2011.
É para mim um autentico mistério.
Porque o que este José diz, era exactamente o que Passos já dizia, bem antes das eleições. Era só estar atento.
E atenção é coisa que este povo nunca teve. Que ao menos esta carga colossal de porrada que levamos há 3 anos nos permita perceber que não podemos continuar a voltar as costas à politica. Ela faz parte das nossas vidas, e a sua gestão têm consequências graves para todos. As consequências de uma má escolha ( mesmo quando as escolhas possíveis não eram muito melhores)estão aí.
Que ao menos alguma lição se tire disto, para que os Josés desta vida não voltem a levantar a cabeça e desapareçam de vez do genoma humano.
Por ultimo :
"Quais as políticas que falham, as que criaram falsas expectativas ou as que minimizam o desastre?"
Há uma falha no seu raciocínio José. É que as politicas que acredita estarem a minimizar o desastre só estão a fazer precisamente o contrário: aumenta-lo.
E por favor, calem-se de uma vez com a balança de transacções. Quem gosta de apresenta-la como dado de vitória, ou não percebe pevas de economia ou está de má fé. Qualquer uma das hipóteses é lixo.
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