O sofrimento que atingiu a sociedade portuguesa desde 2011 foi inútil e iníquo. Tal como na guerra colonial, em que era absurdo continuar a sacrificar vidas (dos dois lados) a pretexto de querer respeitar as que já se tinham perdido, também hoje é um erro grave persistir no caminho da austeridade invocando os sacrifícios que já foram suportados. Com um pouco de imaginação no cálculo do
chamado "défice estrutural", e com a benevolência da Alemanha que precisa de um sucesso em Portugal, talvez possamos suavizar a austeridade e deixar crescer um pouco a procura interna. Espera-nos então um longo marasmo, um crescimento do produto que não evitará a depressão de muitos milhares de cidadãos que não voltam a trabalhar. Com salários baixos, diz o FMI, ainda podemos ter futuro como país exportador, assim saibamos agradar aos mercados e às multinacionais. Acontece que a crise do modelo de crescimento pela dívida,
no capitalismo anglo-saxónico e na periferia da zona euro, arrastou a crise do modelo exportador que o alimentou. Os défices de uns são os excedentes de outros, e ambos são insustentáveis. A China já está a mudar. A Alemanha finge que todos podem ser exportadores, assim se esforcem.
Porém, há uma alternativa para o nosso país. Os pregadores da austeridade e da ortodoxia temem que um apoio crescente a essa alternativa se manifeste já nas próximas eleições europeias. Não é por acaso que nas últimas semanas têm surgido textos na imprensa, ou declarações na televisão, alertando para o enorme custo que teríamos de suportar com o abandono do euro. Os argumentos mais disparatados, a desinformação mais despudorada, farão parte da campanha de promoção do medo a que assistiremos a partir de agora. Sem prejuízo de voltar ao assunto com mais detalhe, importa lembrar que, com o abandono do euro, todos os contratos feitos ao abrigo da legislação nacional se convertem automaticamente na nova moeda. Onde está escrito "euros" passa a ler-se "novos escudos". Salários, pensões, depósitos bancários, créditos, preços nas lojas, etc. são automaticamente redenominados por lei. Não há qualquer perda com a redenominação.
Com uma balança de bens e serviços excedentária, não faz sentido invocar falhas no abastecimento de energia, medicamentos ou bens alimentares importados. O principal custo da saída do euro reside na subida inicial dos preços das importações, em resultado da desvalorização da nova moeda, que deve ser gerida através do controlo dos movimentos de capitais, como foi feito na Islândia. O governo reporá os salários na função pública e as pensões ao nível anterior aos cortes, com recurso a financiamento do banco central, uma vez que recupera a soberania monetária, e compensará a perda de poder de compra nos escalões mais baixos. Deve mesmo lançar, de imediato, um programa público de criação de empregos socialmente úteis, como já defendi nesta coluna. Os que temem a emissão monetária nesta fase inicial, invocando o agravamento da inflação, ignoram que um país onde capacidade produtiva está longe do pleno emprego não corre esse risco. Bem pelo contrário, o risco que devemos temer já está aí. Com a política económica imposta pela Alemanha, a deflação ameaça instalar-se na zona euro e, à semelhança dos anos trinta do século passado, está a tornar insuportável o peso das dívidas, levando à falência os bancos mais frágeis. Não haverá União Bancária que salve o euro se for verdade que os bancos europeus precisam de 700 mil milhões de euros, sobretudo na Alemanha, França e Itália, alguns deles também expostos a perdas adicionais nos chamados mercados emergentes.
Os custos da saída do euro não são a calamidade que alguns anunciam, são custos perfeitamente suportáveis (ver Jacques Sapir: http://russeurope.hypotheses.org/1933). É verdade que sair do euro não resolve todos os nossos problemas, porém dá-nos as condições mínimas para, tendo aprendido com os erros do passado, começarmos a construir uma sociedade onde seja bom viver.
(O meu artigo no jornal i)
Porém, há uma alternativa para o nosso país. Os pregadores da austeridade e da ortodoxia temem que um apoio crescente a essa alternativa se manifeste já nas próximas eleições europeias. Não é por acaso que nas últimas semanas têm surgido textos na imprensa, ou declarações na televisão, alertando para o enorme custo que teríamos de suportar com o abandono do euro. Os argumentos mais disparatados, a desinformação mais despudorada, farão parte da campanha de promoção do medo a que assistiremos a partir de agora. Sem prejuízo de voltar ao assunto com mais detalhe, importa lembrar que, com o abandono do euro, todos os contratos feitos ao abrigo da legislação nacional se convertem automaticamente na nova moeda. Onde está escrito "euros" passa a ler-se "novos escudos". Salários, pensões, depósitos bancários, créditos, preços nas lojas, etc. são automaticamente redenominados por lei. Não há qualquer perda com a redenominação.
Com uma balança de bens e serviços excedentária, não faz sentido invocar falhas no abastecimento de energia, medicamentos ou bens alimentares importados. O principal custo da saída do euro reside na subida inicial dos preços das importações, em resultado da desvalorização da nova moeda, que deve ser gerida através do controlo dos movimentos de capitais, como foi feito na Islândia. O governo reporá os salários na função pública e as pensões ao nível anterior aos cortes, com recurso a financiamento do banco central, uma vez que recupera a soberania monetária, e compensará a perda de poder de compra nos escalões mais baixos. Deve mesmo lançar, de imediato, um programa público de criação de empregos socialmente úteis, como já defendi nesta coluna. Os que temem a emissão monetária nesta fase inicial, invocando o agravamento da inflação, ignoram que um país onde capacidade produtiva está longe do pleno emprego não corre esse risco. Bem pelo contrário, o risco que devemos temer já está aí. Com a política económica imposta pela Alemanha, a deflação ameaça instalar-se na zona euro e, à semelhança dos anos trinta do século passado, está a tornar insuportável o peso das dívidas, levando à falência os bancos mais frágeis. Não haverá União Bancária que salve o euro se for verdade que os bancos europeus precisam de 700 mil milhões de euros, sobretudo na Alemanha, França e Itália, alguns deles também expostos a perdas adicionais nos chamados mercados emergentes.
Os custos da saída do euro não são a calamidade que alguns anunciam, são custos perfeitamente suportáveis (ver Jacques Sapir: http://russeurope.hypotheses.org/1933). É verdade que sair do euro não resolve todos os nossos problemas, porém dá-nos as condições mínimas para, tendo aprendido com os erros do passado, começarmos a construir uma sociedade onde seja bom viver.
(O meu artigo no jornal i)
8 comentários:
A propósito do que representou o euro para Portugal e da necessidade da sua dissolução, como solução à escala europeia, ou da sua saída, como solução à escala nacional - depois de uma cuidada preparação do país, respeitando a vontade popular, com a preocupação e a determinação de defender os rendimentos, as poupanças, o nível de vida e os interesses das camadas populares, orientada segundo os eixos de uma política e conduzida por um governo patrióticos e de esquerda -, veja-se a excelente entrevista de João Ferreira, cabeça de lista da CDU às próximas eleições europeias, aqui:
http://www.ionline.pt/artigos/portugal/joao-ferreira-todas-promessas-nos-fizeram-entrada-na-moeda-unica-eram-falsas/pag/-1
O artigo referido de Jacques Sapir, em português, no resistir.info:
http://resistir.info/europa/sapir_26jan14_parte_1.html
alguém pode dar uma ideia de quanto seria a perda de poder de compra ao voltar para o escudo?
ouvi falar em valores a rondar 40% e gostava de saber.
Caro anónimo das 18 e 59:
Eis uma pergunta que tem tido ao longo do tempo várias abordagens e tem aberto caminho para discussões bem amplas . Discussões e desmontagens que têm também permitido desmistificar o papão que alguns querem agitar perante esta questão central do nosso país e da Europa.
O próprio artigo do autor deste post permite ver que a questão posta pelo referido anónimo resulta muito provavelente deste andar distraído e não ter acompanhado os múltiplos , profícuos e profunods debates sobre o tema.
Aqui neste blog as opiniões são plurais e sobre o assunto há várias sensibilidades.Mas há já suficiente informação para prescindirmos de questões um pouco pueris como a que coloca.
Sem querer sair do tema aconselhava-o a sair da sua zona de conforto e ir pelo seu próprio intelecto e vontade procurar a resposta à sua pergunta.Aqui neste blog mas não só
Vai ver que no fim achá-la-á perfeitamente infantil e ingénua
Nota: alguns dos links ( dos inúmeros links ) são extremamente úteis.Por exemplo este do Sapir aqui apontado.Verá que é abissal a diferença entre quem defende os portugueses e uma altenativa digna, e geradora de riqueza e a horda neoliberal que agora perante a informação crescente opta pelos "argumentos mais disparatados, a desinformação mais despudorada", atiçando "uma campanha de promoção do medo".
De
Uma coisa é a subida da inflação por via da subida de preços dos bens importados e das matérias primas no cabaz de compras (os custos do trabalho descem porque os salários são denominados na nova moeda). Outra é a perda de rendimentos da poupança e essa é imediata, acontece no momento em que se deixa flutuar o câmbio da nova moeda. Se não queremos que essa flutuação seja excessiva (as pessoas reagem pior a perdas de rendimentos já existentes que a perdas de rendimentos futuros), então a introdução de uma nova moeda tem que ser feita em concertação com os restantes Países do Euro por muito que custe dizê-lo. É essa a proposta do Otávio Teixeira, creio, uma espécie de European Rate Mechanism dos anos 90, com banda de flutuação à volta de um câmbio médio. A apresentação de um plano credível para isso com a discussão de diferentes cenários é o que falta na estratégia de quem defende o abandono do Euro. Eu não o defendo porque ainda não vi esses números...
Teoricamente, se o que a propaganda diz que finalmente estamos menos dependentes das importações, a desvalorização de sair do euro seria maravilhosa para nós, porque até já nem dependemos de ir ao supermercado lá fora.
Ai se a realidade fosse tão simples!...
Cristalino.
Sapir tem, a meu ver, toda a razão e mais alguma.
A continuar-mos assim é que não vamos a lado nenhum e cada vez ficaremos mais e mais pobres.
Por isso é que devia haver um referendo sobre a nossa permanência no euro e mesmo na UE.
A saída do euro iria permitir a nossa economia registar taxas de crescimento potencial do produto de cerca de 5%.
Estando na zona euro o potencial de crescimento é bastante inferior.
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