terça-feira, 8 de março de 2011

Liderado pelos credores ou pelos devedores?

A insustentabilidade da dívida pública nos países da periferia, evidente no caso grego e irlandês, previsível nos casos português e espanhol, graças à recessão e estagnação económicas, tem conduzido a um consenso, da esquerda à direita, sobre a necessidade de reestruturar a dívida. No entanto, a convergência começa e acaba no diagnóstico da insustentabilidade. As formas de pensar a reestruturação da dívida são bem diversas consoante os interesses que se privilegiam. Daí a utilidade da distinção entre um processo liderado pelos credores ou pelos devedores.

Uma reestruturação liderada pelos credores, como é aqui desenhada, conduziria a uma renegociação de prazos e valores da dívida, com diminuições modestas nas condições dos credores através de uma troca de novos títulos pelos já existentes. Um processo desenhado pela banca, que assim embolsaria as óbvias comissões e dentro do actual quadro político da zona euro. Ou seja, este processo estaria provavelmente associado à imposição de mais austeridade sobre os países da periferia. Os bancos controlariam as suas perdas e poderiam substituir os “maus” activos por novos. Um pequeno balão de oxigénio seria assim fornecido às economias, mas não se forneceria nenhuma alternativa estrutural a estas economias.

Uma reestruturação liderada pelos devedores envolve uma auditoria democrática da dívida e uma eventual cessação de pagamentos, seguida pela sua renegociação. A auditoria permitiria perceber que partes da dívida são ilegais e sobretudo ilegítimas, abrindo caminho a uma profunda corte no peso da dívida que hoje esmaga estas economias. Tal implicaria uma profunda alteração da correlação das forças sociais ao nível europeu que abrisse caminho a políticas de promoção do crescimento e de redistribuição. Um aliança da periferias colocaria estes países numa posição de força nas negociações, minimizando os riscos que tal processo envolve, nomeadamente o corte no acesso aos mercados de capitais (que, no entanto, costuma ser curto) e, mais grave, uma crise bancária (a qual, na actual trajectória, parece ser cada vez mais provável). Em suma, abriria o campo para uma economia mais favorável aos trabalhadores e menos ao sistema financeiro

12 comentários:

PR disse...

"Em suma, abriria o campo para uma economia mais favorável aos trabalhadores e menos ao sistema financeiro"

Isto não é necessariamente verdade. Basta que a dívida pública seja detida maioriatariamente por cidadãos do país em causa para que os maiores prejudicados pela reestruturação sejam precisamente os trabalhadores - e o Estado e o sistema financeiro os maiores beneficiários.

Não sei se é o caso da Grécia, mas é o caso do Reino Unido.

Miguel Noronha disse...

Gostaria que explicitasse o que entende por "dívida ilegal" e "dívida ilegitima" que seriam detectadas por uma "audotoria democrática" (outro conceito deveras curioso)

António Carlos disse...

Caro Miguel Noronha,

é melhor esperar sentado.

Nuno disse...

Enquanto espera, Miguel Noronha, fica aqui um vídeo do Rand Paul a patinar no Jon Stewart.

http://www.thedailyshow.com/watch/mon-march-7-2011/exclusive---rand-paul-extended-interview-pt--3

É sempre divertido escutar neoliberais a tentar racionalizar o levantamento de protecções ambientais e laborais.

Miguel Noronha disse...

Quer dizer que está mesmo difícil... Pois...

Nuno teles disse...

Bem sentado, agradeço a curiosidade e o anseio pela minha resposta.

Os conceitos de dívida ilegal, odiosa e ilegítima surgiram sobretudo com as crises da dívida nos anos oitenta em países em vias de desenvolvimento. Os dois primeiros são bastante claros naquilo que significam. Dívida ilegal é dívida incorrida fora dos termos da lei que a regula. Pode parecer inverosímil, mas no Equador no decurso da sua auditoria democrática um quarto da dívida foi renegada devido à sua ilegalidade, sem que os credores internacionais tenham feito muito barulho sobre o assunto. Dívida odiosa diz respeito normalmente a dívida incorrida no contexto de regimes ditatoriais, cujos exemplos abundaram na América Latina. Como as ditaduras do sul da Europa já vão longe, não me parece que o conceito tenha grande aplicação.

Mais interessante é o conceito de dívida ilegítima, objecto de animado debate académico. O conceito deixa de ser meramente formal e passa a ser um conceito de economia moral. Dívida ilegítima é dívida lesiva da comunidade política que supostamente serve. O campo de aplicação pode ir de financiamento de gastos lesivos do interesse público a dívida pública que não passa de dívida privada assumida pelo Estado, passando por operações ruinosas de manipulação contabilística. O caso dos swaps gregos da Goldman Sachs, a venda de créditos fiscais garantidos de Ferreira Leite (equivalentes a um empréstimo a 10 anos a uma taxa de juro superior 10%) ou assunção da totalidade do passivo do BPN são exemplos que, na minha opinião, caem nesta categoria. No entanto, se não é difícil pensar neste termos, mais difícil é estabelecer as suas fronteiras à partida. Daí a importância de uma auditoria democrática e transparente que não só serve para reivindicar o direito à informação sobre o que andamos a pagar, mas que discuta e estabeleça o campo de aplicação do que é ilegítimo, tendo em conta o interesse público e a nossa viabilidade enquanto comunidade política democrática e soberana.

O que aconteceu na Islândia é pedagógico. Consultada em referendo, a população islandesa decidiu não assumir a totalidade dos passivos dos seus bancos (93,7% votou contra). Os islandeses recusaram assim garantir a especulação e os riscos dos seus banqueiros.

Obrigado pelo interesse.

nuno

jvcosta disse...

No último parágrafo, "Uma reestruturação liderada pelos credores envolve uma auditoria democrática da dívida".

Corrijam a gralha, é devedores em vez de credores!

Nuno teles disse...

Obrigado pela correcção.

nuno

Anónimo disse...

Parabéns pela clareza, alguém que continue a não perceber do que fala penso que está também pouco disponível para o compreender...

Miguel Noronha disse...

Agradeço o esclarecimento mas as dúvidas persistem.

- No caso português o que seria "dívida ilegal"?

- O conceito de ´dívida ilegitima (tal como o define) não é operacional. É tão difuso que permite abarcar tudo e nada e a sua aplicação levaria ao encerramento dos mercados de crédito. Quem é que nos iria emprestar dinheiro sabendo que o poder discricionário do governo para renegar um dívida era de tal ordem? Melhor seria proibir determinado tipo de operações e apertar os critérios contabilisticos e obrigatoriadade de prestação de informação que permitem clarifcar as contas do estado.

Quanto aos "bailouts" do privados com dinhiro dos contribuintes também estou (e estive) contra mas eu acho que deveriamos ter deixados os bancos falir. É essa também a vossa opinião?

António Carlos disse...

O conceito de dívida ilegítima é extremamente interessante: "Dívida ilegítima é dívida lesiva da comunidade política que supostamente serve."
Sabendo-se que o principal problema actual de Portugal é o elevado nível de dívida externa, que lesa portanto a comunidade política que supostamente serve (os Portugueses, para simplificar) porque não deixar de lado a auditoria democrática (que demora tempo e custa dinheiro) e declarar já toda a dívida externa Portuguesa como ilegítima? Assim tínhamos um argumento muito forte para renegociar a dívida com os credores!

E eu não deixaria de lado a noção de dívida ilegal tão depressa. Não foram os credores que nos obrigaram a endividar, que nos sujeitaram a publicidade enganosa com a entrada no Euro? Que nos atrairam com os seus BMWs reluzentes?
Dívida ilegal!!!!

A economia moral descobre cada ovo de Colombo!

linkwheel disse...

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