sábado, 26 de março de 2011
A gestão da miséria e a miséria da gestão
António Carrapatoso, um dos principais coordenadores do projecto “Mais Sociedade” e do programa de governo do PSD, declarou ontem que o equilíbrio das contas públicas deve assentar na diminuição dos gastos com salários e apoios sociais. Na véspera, Passos Coelho revelara a sua recém-descoberta predilecção por opções fiscais injustas e regressivas. São estas as propostas da direita radical para melhorar um PEC economicamente recessivo e socialmente regressivo, no contexto do segundo país mais desigual da Europa. Ocorre-me fazer três comentários.
Em primeiro lugar, não deixa de ser surpreendente o quanto as dinâmicas políticas ao nível do bloco central português continuam a seguir, algo desfasada mas assustadoramente, a trajectória do Reino Unido - o país onde o New Labour (“o mais notável feito” de M. Thatcher) mostrou pela primeira vez que a cooptação do (suposto) centro-esquerda pela agenda neoliberal constitui a melhor garantia de sucesso desta última; o país onde os Conservadores tiraram entretanto partido da saturação do eleitorado para assumirem o poder e imporem um programa radical de desmantelamento de apoios e serviços públicos; o país onde tudo isto tem lugar sob a capa de uma “Big Society” que mais não significa do que remeter direitos sociais para a esfera da caridade.
Mais relevante do que isso, porém, é o facto destas declarações tornarem perfeitamente transparente qual é a base fundamental em que assenta este PSD em versão neoliberal radical. Desapareceram as piscadelas de olho aos pequenos e médios empresários, para já não falar de eventuais laivos de social-conservadorismo. Os donos de Portugal - as elites reunidas nos seus fóruns -, preparam-se para, depois das reformas adiantadas pelo PS, realizarem a sua revolução com o PSD: privatização da saúde e educação, completa ‘flexibilização’ do mercado de trabalho, redução dos apoios sociais ao mínimo (mais pelo efeito disciplinador do que pelo efeito na redução da despesa pública). Algo com que talvez nem sonhassem (pelo menos para já), não fora o contributo crucial da arquitectura do Euro para que se pudesse aplicar na periferia europeia a miraculosa combinação crise da dívida-ajustamento estrutural que tão eficaz se revelara já nos países menos desenvolvidos. Agora, porém, as elites portuguesas sentem-se aparentemente tão seguras da aquiescência das massas face à “inevitabilidade” dos retrocessos sociais que lhes serão impostos que nem sequer escondem as suas intenções. Será talvez o único ponto em que discordo do brilhante texto do José Castro Caldas aqui publicado: é que a meu ver, esta direita, seja por soberba ou por inépcia, nem sequer mente.
Finalmente, estas declarações deixam a nú a miséria do pensamento e das propostas daqueles que se propõem gerir o país da mesma forma democrática e com o mesmo sentido de interesse colectivo com que gerem as suas empresas. Os ideólogos deste PSD são tecnocratas neoliberais que, ao contrário de muitos conservadores mais esclarecidos, não compreendem ou dominam os processos que conjuram – o que não impede que a sua impertinência e arrogância passem, junto de parte da população, por ‘competência’. Por isso mesmo é tão importante insistir e sublinhar que o que está em causa não é a putativa competência, mas sim o conteúdo das opções políticas. Não se trata de escolher ou substituir os gestores do país, mas sim de decidir quem ganha e quem perde com a crise, e que sociedade construímos ou destruímos no processo.
O PSD falou e anunciou o seu programa de política económica: a miséria da gestão ao serviço da gestão da miséria.
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19 comentários:
Tem piada que o Francisco Louçã apresentou uma extensa lista de redução da despesa do Estado. Também é da direita radical? Sabem que a direita radical é anticapitalista*? Ou isso é demasiada informação para a vossa cabeça?
(* Assim como Salazar)
eduardo, acho que se comparares essas duas listas de redução de despesa vais ser capaz de perceber (apesar de uma evidente simplicidade cerebral da tua parte) que são bem diferentes na forma como o fazem.
Mas que estava à espera? Que a direita fosse melhor? Se calhar era o que esperava!
Veja lá que até o be e o pcp estavam convencidos que o psd era melhor que o ps, tanto assim que se aliaram a eles para derrubarem o ps e por lá o psd. Esta esquerda portuguesa é um primor. Esquerda é uma força de expressão pois tanto o pcp como o be são de extrema direita, conservadores, mas para não darem nas vistas, atacam pela esquerda e assim enganam uns pobres incautos tão ignorantes que até acham que os chatos comem alfaces.
Caro Alexandre,
O neo-liberalismo, como suponho que saiba, é um chavão utilizado pela extrema esquerda. Se com neo-liberalismo se referem ao período neo-clássico antes/durante o crash de 1929, então estão muito confundidos. O vosso líder, Doutor Francisco Louça, sabe bem disso.
Infelizmente, as pessoas que seguem a extrema esquerda vivem numa utopia que os cega, ao ponto de acreditarem em dogmas que já foram mais que desmontados no século passado.
Se querem conhecer o resultado das políticas que defendem, procurem nos Países mais pobres e oprimidos do mundo. Certamente responderão que é tudo uma invenção do ocidente e que na Coreia do Norte não se passa fome, em Cuba as pessoas fogem a nado para a Florida por gostarem de natação radical, etc....etc...
Das pessoas que defendem a extrema esquerda, há os que sabem bem o que defendem e esse não merecem mais que o meu desprezo. Aos restantes, aos bem intencionados, não passam de sonhadores que acreditam numa fantasia utópica.
Caro Alexandre
Permita-me que, ainda assim, sublinhe uma diferença. Temos em todo o caso, felizmente, nisso ao contrário dos britânicos, um regime eleitoral proporcional, não maioritário. Por isso, temos também um pluripartidarismo muito mais genuíno do que o deles.
Partir daí já não é mau de todo...
Mas nas circunstâncias actuais, para que esse pecúlio político possa ser utilizado com proveito, parece-me essencial também que a esquerda propriamente dita (com o que me refiro ao BE e ao PC) ponha de lado as assunções que a "camisa de onze varas" da pertença a esta UE traz consigo.
Ou seja: nesta altura do campeonato, e tendo emergido como emergiu o problema da dívida externa, já nada poderá ser feito sem reabrir o dossier (que até à esquerda se diria às vezes fechado a sete selos) da pertença à Eurolândia... Sem isso, estando como está desenhado o quadro institucional "europeu", será sempre jogar sabendo-se que se joga num jogo viciado, para perder.
E isso sim (não a queda de um gestor com o marketing mais assim ou a possível emergência doutro gestor com o marketing mais assado) é, de facto, uma pena...
Saudações cordiais.
João Carlos Graça é lúcido.Essa solução pode ser um desastre, mas se queremos falar de incumprimento é isso que teremos de discutir. O argumernto dde João Rodrigues são de tipo fantasioso, imaginando uma Europa que não existe. Não haverá uma esquerda europais nos próximos 20 ou 30 anos. Um finlandês, um alemão e um português de esquerda não vivem na mesma comunidade política. Querem coisas diferentes, em momentos diferentes.
O que João Rodrigues diz é o seguinte: há se eu tivesse 1.90, olhos azuis e fosse espadaúdo. Já agora, se fosse como o George Cloney. Pois é, mas nesta encarnação nunca serei, logo mais vale lidar com a realidade. Isto é o que diz João Carlos Graça. Temos de combater a ficção política.
O tesouro europeu é uma ficção que talves se possa discutir daqui a 4 ou 5 décadas. Nos centros de investigação perde-se a noção do que são os povos e imagina-se um povo feito em laboratório.
Jorge Rocha
Peço desculpa, pois este post é de Alexandre Abreu. João Rodrigues costuma defender a ficção do tesouro europeu que não está em primeiro plano neste post.
Jorge Rocha
Os irlandeses já praticam o "quem te avisa teu amigo é" quanto a medidas recessivas a coberto da austeridade redentora, tão popular nestes dois países católicos:
" A Bit of friendly advice, Portugal"
http://www.independent.ie/opinion/analysis/bit-of-friendly-advice-portugal-2596178.html
"Olá Portugal, daqui a Irlanda. Sei que não nos conhecemos muito bem mas já corre uma piada por aqui: Qual é a diferença entre Portugal e a Irlanda? 5 letras e 6 meses."
Um aviso bastante àcido
Se no meu agregado familiar alguém ficar desempregado, certamente não vou pedir dinheiro emprestado para pintar a casa ou mudar de máquina de lavar para equilibrar as finanças familiares...
Será que merecem o mínimo respeito, "comentários" de indivíduos que se refugiam no anonimato, num país com liberdade de expressão? Se estivessemos em Cuba dir-se-ia que lhe pagam para escrever o que escreve. Mas nem isso!
... mas para os neoliberais, cuja oraçäo é "cortar despesa, cortar serviços públicos, cortar despesa," eles näo percebem a diferença entre as despesas que o BE acha (e bem) cortar (mordomias, instituiçöes duplicadas, etc.) e as que o Bloco Central dos Interesses acha (e mal) cortar (Saúde, Educaçäo, Protecçäo Social).
Para eles, o objectivo é o Estado ter despesas ZERO (como assim, se a OTAN impöe 3% do PIB anualmente de "despesas com Defesa?), e voltarmos à bela sociedade do séc. XIX. Ou XVIII. Enfim, quando Adam Smith viveu.
Neste capítulo do estado-mínimo, parco em bons exemplos, não percebo a inexplicável ausência de menções à Somália, um verdadeiro éden da desregulação do Estado.
É um verdadeiro mercado livre e nivelado, onde vinga o empresário com a estratégia mais eficiente, exactamente como a natureza pretende.
Estes Passos e Carrapatosos são mesmo miseráveis da pior espécie.
Porque é que estes malfeitores não privatizam a valente.......que os pariu.
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