sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Por que não se aumentam, em agosto de 2017, todas as pensões mínimas?

1. Vale a pena voltar a olhar, com maior detalhe, para a tabela do Vítor Junqueira, que reproduzimos aqui. Essa tabela identifica um conjunto de pensões de valor reduzido (entre 200€ e 300€, na maior parte dos casos), assinalando o valor nominal dos aumentos verificado entre 2011 e 2015 (primeiro gráfico) e os aumentos registados em 2016 e 2017 (segundo gráfico), que resultam da reposição da atualização anual de pensões (suspensa nos últimos quatro anos) e da atualização extraordinária (em agosto do próximo ano), que permitirá que os aumentos atinjam nominalmente os 10€ no caso das pensões que não foram aumentadas entre 2011 e 2015.


2. A primeira constatação é a de que o governo de direita decidiu, entre 2011 e 2015, aumentar apenas parte destas pensões, excluindo outras com valores igualmente reduzidos (abaixo de 300€), mesmo quando são pensões que correspondem a carreiras contributivas mais longas. Esta decisão discricionária introduziu, ao longo dos últimos quatro anos, uma desigualdade incompreensível e um desnivelamento injustificado (que em nenhum caso é inferior a 10€).


3. A segunda constatação é a de que o atual governo decidiu não só atualizar todas as pensões a partir de 2016 (nos termos da atualização automática, entretanto reposta), como tratou de corrigir a injustiça relativa introduzida pelo governo anterior, ao aprovar aumentos apenas num subgrupo limitado de pensões (as que não serão, justamente, abrangidas pelo aumento extraordinário do próximo ano). Aliás, importa sublinhar-se que esse aumento extraordinário apenas permitirá uma atenuação da atual diferença de valores. De facto, mesmo com esse aumento, as pensões que serão agora compensadas continuam num patamar de atualização inferior ao verificado nas pensões aumentadas entre 2011 e 2015 (terceiro gráfico).


4. Assim, a pergunta que importa colocar é a seguinte: por que razão deveria o atual governo perpetuar a injustiça relativa criada pelo governo de direita, em vez de a corrigir? Dito de outro modo, custa assim tanto perceber que a decisão de abranger todas as pensões, no aumento extraordinário de 2017, significaria reproduzir e perpetuar o desnivelamento e a injustiça gerados com o aumento discricionário verificado nos últimos quatro anos?

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Tudo ligado, todo um debate


O abandono da referência salarial para a definição dos níveis mínimos de pensões e o início da divergência desses valores em relação ao SMN [salário mínimo nacional] líquido enquadram-se numa mudança de fundo das políticas de mínimos sociais para idosos. Os eixos essenciais que configuram o novo paradigma são bem explicitados no preâmbulo do diploma legal que introduziu o complemento solidário para idosos (CSI). Foi, aliás, com a instituição do CSI que se desencadeou a dinâmica de desconstrução do direito generalizado dos trabalhadores a um nível mínimo de pensão de reforma (…) O projecto é radical: deixar de reconhecer o direito a um nível mínimo de pensão de reforma a todos os trabalhadores para passar a assegurar um mínimo de rendimento aos idosos de forma selectiva, alegando ser esta a opção mais justa e eficaz no combate à pobreza (…) O projecto de substituir o complemento social por uma prestação sujeita a condição de recursos equivale a desmantelar o direito a um nível mínimo de pensão de reforma. A pensão de reforma passaria a corresponder ao valor estatuário — aquele que resulta da aplicação da regra de cálculo — por mais diminuto que fosse, só se atribuindo uma prestação complementar em situação de carência de recursos. Isto significa que a pensão mínima de reforma deixaria de ser reconhecida enquanto direito construído a partir do trabalho. O contrato de trabalho deixaria de dar uma garantia de segurança económica futura, pois o exercício prévio de uma actividade profissional deixaria de ser condição suficiente para ver reconhecido o direito. Depois de uma carreira laboral de 20, 30 ou 40 anos, um trabalhador com pensão estatutária diminuta só poderia beneficiar de uma prestação complementar se comprovasse carência de recursos.

Excertos de um artigo de Maria Clara Murteira, “Assistencialismo versus direitos dos trabalhadores: o caso das pensões mínimas”, publicado no Le Monde diplomatique – edição portuguesa em Novembro de 2015. Vale a pena recuperá-lo. A autora do excelente livro A Economia das Pensões tem sido uma das poucas vozes a denunciar, a partir da academia, a erosão em curso, desde há uma década, do sistema público de pensões. Estamos perante a progressiva passagem de uma lógica de Estado social universal, vinculado ao trabalho, para uma lógica assistencial, com a generalização da condição de recursos, marca de água da degradação dos sistemas de provisão. Hoje, a privatização das pensões promovida pela UE já não se faz necessariamente com plafonamento, mas sobretudo com a aceitação da erosão e subversão da provisão pública universal, como também denunciámos no livro A Financeirização do Capitalismo em Portugal.

Esta degradação é filha da austeridade sem fim, claro, e da adaptação regressiva das preferências políticas que lhe está associada, com a crise de toda uma cultura política no campo da provisão. Neste campo, reduz-se a pensão estatutária, através de regras de cálculo cada vez mais desfavoráveis, por um lado, e a pensão mínima torna-se um programa para indigentes, um sistema social para pobres, que tende a ser um sistema cada vez mais pobre, por outro. Quem tem família com algum rendimento não tem direitos, basicamente. No futuro, trabalhadores cada vez mais precários e com salários cada vez mais baixos, com carreiras fugazes, terão de se sujeitar a burocracias cada vez mais intrusivas e a reais barreiras no acesso para fazer prova de indigência e assim receber o que será basicamente uma versão do RSI para idosos.

E como isto está tudo ligado, daqui até à perversa subsidiação dos salários baixos é só um outro passo, como bem avisa Francisco Louçã, que pelos vistos neste governo também há quem queira percorrer. Estamos há uma década neste plano inclinado. E pelos vistos não vamos sair dele tão cedo. Quem pode aprovar isto? E quem ganha com esta discussão nesta altura?

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Duas notas sobre pensões

Que são, na verdade, uma referência a dois textos particularmente esclarecedores, sobre uma questão complexa.

1. No indispensável «Buracos na Estrada», o Vítor Junqueira explica por que razão haverá, em 2017, dois momentos distintos de aumento de pensões. O primeiro, em janeiro, decorre da atualização automática (que esteve suspensa até 2015 e que foi reposta em 2016) abrangendo quase dois milhões de pensões, incluindo pensões mínimas. O segundo, em agosto, respeita a um aumento extraordinário que beneficia os pensionistas que não foram objeto de qualquer aumento entre 2011 e 2015. Ou seja, constitui um mecanismo de compensação adicional das pensões que foram congeladas nos últimos anos, anulando o desequilíbrio de tratamento verificado (razão pela qual não abrange os pensionistas que foram, discricionariamente, beneficiários de aumento de pensões nesse período).


2. No Expresso diário, o Daniel Oliveira reflete sobre a intenção de passar a aplicar a condição de recursos a pensões não contributivas, designadamente às pensões mínimas, enquanto mecanismo de justiça social. Nesses termos, sublinha a distinção entre os casos de pensionistas que se encontram numa situação financeira desafogada (apesar de terem feito poucos descontos), dos pensionistas efetivamente carenciados, aos quais se poderá vir a ser atribuído um complemento de pensão (à semelhança do que sucede, já hoje, com o Complemento Social para Idosos). E recorda ainda, neste âmbito, um estudo de 2003 do Banco de Portugal (da autoria de Miguel Gouveia e Carlos Farinha Rodrigues), segundo o qual apenas «31,25% das pessoas que vivem em agregados familiares recebendo pensões mínimas são pobres». Ou seja, que conclui que apenas 1/3 das pensões mais baixas correspondiam, em 2003, a efetivas situações de pobreza.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Nota sobre o Orçamento de Estado

A economia portuguesa tem vivido uma situação bastante estranha durante os últimos dois anos. Com a imposição de um programa de profundos cortes na despesa pública e aumento da carga fiscal, sob o signo da intervenção externa da troika, a economia portuguesa comportou-se de forma bastante expectável: forte contracção do produto e aumento exponencial do desemprego. No entanto, com o aligeiramento e mesmo reversão dos cortes, a partir de 2014, observa-se uma situação paradoxal: os níveis de investimento, depois da queda abrupta provocada pela política do último governo, não recuperaram. O stock de capital do país, ou seja, a sua capacidade produtiva, tem caído de forma continuada, já que o investimento não é suficiente para substituir a degradação e obsolescência do capital previamente existente. No entanto, os níveis de emprego recuperaram. Quer a forma de cálculo do stock de capital, quer, sobretudo, as estatísticas do emprego estão sujeitas a variadas manipulações, já expostas neste blogue há muito. Ainda assim, parece-me razoável assumir a existência destes dois movimentos, aparentemente contraditórios, na economia portuguesa.

(Os dados do gráfico são da AMECO para o stock de capital e do INE para o emprego)

Como explicar tal paradoxo? Penso que existem duas explicações. Por um lado, a queda abrupta da procura interna resultou em capacidade produtiva existente não utilizada. No momento em que a procura recupera, como agora acontece, muitas empresas não têm de realizar novos investimentos para aumentar a sua produção, limitando-se a contratar mais trabalhadores para postos de trabalho antes extintos – o que mostra a enorme “flexibilidade” do mercado de trabalho português, ao contrário dos mitos urbanos em torno deste. Por outro lado, parece-me legítimo assumir que a maior parte do emprego criado se concentra nos serviços, mais reactivos ao andamento da procura interna, sendo de resto pouco intensivos em capital. Poderíamos concluir que estamos perante o sucesso do programa a que Portugal foi sujeito. Com o trabalho embaratecido, observamos algum dinamismo em sectores trabalho-intensivos, cada vez mais competitivos na esfera internacional, como acontece com o turismo, originando um novo ponto de equilíbrio da economia portuguesa, marcado por baixa produtividade e baixos salários. Contudo, a contínua queda do stock de capital não nos pode conduzir a essa conclusão. A actual situação de tímida criação de emprego é insustentável no futuro, tanto mais que beneficiamos de condições dificilmente repetíveis no futuro de baixo custo de combustíveis e baixas taxas de juro, já aqui assinaladas pelo Ricardo Paes Mamede, que permitem que o frágil equilíbrio externo se mantenha.

Isto tudo para fazer um pequeno comentário ao Orçamento de Estado. Com níveis de investimento público que são, em percentagem do PIB, metade do que eram ainda há poucos anos, não há milagres na inversão da presente tendência de destruição de capacidade produtiva. Acresce a isto uma evolução negativa dos gastos públicos que serão, em 2017, um permanente lastro a qualquer recuperação económica robusta, devido a uma redução da despesa em percentagem do PIB. Tudo isto em nome do bom cumprimento das imposições europeias, que obrigam a um saldo primário (saldo antes da despesa com o serviço da dívida) positivo de uns extraordinários 2,8% do PIB. Este orçamento é a continuação da estagnação económica.

A reforma é outra

Volta e meia vem à baila a necessidade de reforma da Segurança Social. A comunicação social - pressionada pela agenda da oposição de direita - insiste. Mas o discurso da insustentabilidade parte de pressupostos que representam a desistência de uma política económica com objectivos estratégicos.

O capítulo anexo do relatório do Orçamento de Estado sobre esse tema – a partir de estimativas europeias - apresenta na pagina 247 uma tabela que diz quase tudo. Dá-se por adquirido que a natalidade não progredirá de forma a compensar o envelhecimento; que a esperança de vida continuará a subir (ainda bem!) e que o saldo migratório se manterá negativo. Ou seja, que continuaremos a emigrar mais do que atraímos imigrantes. Espera-se – de braços cruzados – que Portugal perca 2,3 milhões de pessoas até 2060!! Claro que assim não há contas que resistam.

Além disso, espera-se que as contribuições e quotizações para a Segurança Social, feitas pelos trabalhadores e patronato, manterão o mesmo peso no PIB (8,1%) até 2060.


Isso quer dizer que o peso dos salários no PIB se manterá constante ao longo do tempo e que não haverá qualquer melhor redistribuição do valor acrescentado produzido do que a actual. Para que esse objectivo seja possível, isso pressupõe que a subida da massa salarial - o produto da subida do emprego com a subida dos salários - nunca possa ir além do crescimento do PIB. O que – segundo as previsões – ficará ao redor de 1%!!! De 1,4% em média anual até 2020, de 1,6% na de 20, de 1% na de 30, de 0,7% na de 40 e de 0,8% na década de 50!

Faça-se um exemplo: para que a massa salarial cresça 1,4% num ano, tanto o emprego como os salários deveriam crescer apenas 0,7%. Ou mais o emprego e menos os salários. Ou vice-versa. Estão a imaginar a chantagem que será feita... Para a massa salarial crescer 0,7%, será metade disso!

E, claro está, o nível de desemprego descerá ligeiramente, mas não muito. O que ajudará a pressionar os salários para baixo.

Ou seja, algo que prolonga o que se viveu até agora e que nos tem levado a esta situação.

Entre 2000 e 2011, Portugal perdeu 213,9 mil empregos e o desemprego em sentido lato abrangeu mais 520,4 mil trabalhadores. Mesmo assim, a população activa subiu quase 200 mil pessoas. Mas, a partir de 2011 e pela primeira vez, a população activa perdeu pessoas: cerca de 300 mil. Além do que se perdera antes, foram destruídos mais 260 mil postos de trabalho. A emigração foi o escape da estagnação.Os salários recuaram e a pobreza aumentou.

Por outras palavras, o Portugal que nos prometem já aí está. É o de um país em completa estagnação, em que os serviços públicos estão cada vez mais rarefeitos, em que os portugueses definham e emigram. E os que sobram envelhecem e recebem prestações sociais, necessariamente cada vez menores, porque a pressão do sistema será - neste quadro - para a ruptura e, por isso, há que fazer poupanças...

E mesmo assim, a crise do sistema - segundo as mesmas contas - apenas aparecerá lá para a década de 50...! Ou melhor, aparecerá mais cedo, mas o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), criado para as emergências, suportará o embate.


A solução não está, pois, numa reforma que reduza prestações sociais ou que reduza contribuições como querem as direitas. Porque essa “saída” levar-nos-á mais facilmente ao fundo, como aconteceu em 2011-2013, ou chegaremos mais rapidamente à ruptura (caso se retirem contribuições a alguns trabalhadores através do plafonamento).

A reforma deverá ser outra.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Novas praças de jorna

A emergência da erradamente intitulada "economia colaborativa" é anunciada como um admirável Mundo novo (...) À boleia de um deslumbramento tecnológico, que o discurso político utiliza amiúde, são impostas políticas que nada trazem em termos de ganhos da produtividade. O trabalhador, apresentado como empreendedor independente fica, de facto, nas mãos dos apetites de plataformas monopolistas, vendendo o seu trabalho na estrita medida das "tarefas" que surgem e colocado em concorrência selvagem com os seus companheiros de trabalho. Mais do que um futuro promissor, assistimos a um real regresso ao passado, ao trabalho à jorna ou à peça. Sem direitos coletivos (que ancoram os individuais), sem possibilidade de qualquer negociação séria.

Manuel Carvalho da Silva, Praça de jorna na palma da mão, Jornal de Notícias.

domingo, 16 de outubro de 2016

Meia dúzia de notas e um lembrete


1. No contexto da discussão Orçamento de Estado de 2016, António Costa fez uma declaração simples, mas realista: o OE ficou pior depois de ter ido a Bruxelas. No fundo, Costa reconhecia que a tal Europa já não estava connosco.

2. Uma das principais traduções deste facto está presente no relatório do OE de 2017: a reconhecida quebra do investimento público, que atinge este ano o valor mais baixo, em percentagem do PIB, da história democrática (1,9%), sendo responsável parcial pelo corte do crescimento previsto (e logo pelo menor crescimento da receita fiscal, ou não estivessem as finanças públicas dependentes do andamento do resto da economia por estas influenciada, facto ainda há dias sublinhado por Jorge Bateira neste blogue).

3. Este ano, o governo quer evitar que o OE venha pior de Bruxelas e isso nota-se já. Nota-se, por exemplo, no contributo negativo que o consumo público (quebra real prevista de 1,2%) dará para o crescimento económico: OE “restritivo”, de facto. O investimento público previsto recupera um pouco da queda deste ano, mas o seu peso previsto no PIB (2,2%) será ainda inferior ao de 2015 (2,3%).

4. As escolhas progressistas, no quadro dos pesados constrangimentos europeus, numa semicolónia, na realidade, são limitadas, por falta de instrumentos de política económica: veja-se o quadro 3 da página 37 do relatório do OE. Este quadro indica de forma transparente como a política orçamental que muda as relações sociais num sentido igualitário está limitada a umas curtas décimas e centésimas na política de despesa e na política fiscal. É por isto que a futilidade sempre me pareceu o melhor dispositivo no arsenal retórico reaccionário, sendo a UE o dispositivo material que melhor o pode confirmar. Entretanto, um dos muitos problemas estruturais aí está: o baixo investimento público e a quebra do emprego público, já há muito abaixo da média da OCDE, acentuam o risco de degradação dos serviços públicos.

5. É claro que mesmo o que é reduzido, em percentagem do PIB, pode fazer uma pequena, embora relevante, diferença para a vida de muitos pensionistas, trabalhadores ou beneficiários de prestações sociais, que deixarão de ver o seu poder de compra reduzido, como nos anos das direitas e da sua troika, podendo também fazer uma modesta diferença na redução das desigualdades e de hábitos com externalidades negativas, com custos sociais. Sem complacência, a esperança e a confiança populares dependem de resultados, por muito que estes estejam abaixo das necessidades.

6. Este orçamento procura ganhar tempo, como bem conclui Ricardo Cabral. Para quê? Para que alguma coisa mude na UE, dirá também um economista euro-liberal, como o deputado Paulo Trigo Pereira, no principal blogue da direita, reconhecendo de forma parcial a natureza do constrangimento. Nada mudará, já que tudo está trancado do ponto de vista institucional. Assinalaremos mesmo duas décadas de estagnação, acompanhadas de uma continuada punção de rendimentos canalizados para o exterior por via de uma dívida externa colossal, verdadeira expressão da euro-dependência. Só quando enfrentarmos os constrangimentos europeus é que poderemos vir a conhecer alguma mudança nesta trajetória. O tempo tem de ser usado para fazer com que mais ganhem consciência política deste facto com valor.

Relembremos: o comboio que rumava em direcção ao abismo foi travado, travando-se a lógica explicitamente privatizadora (um OE sem privatizações, assinale-se) e mesmo de desvalorização interna. No entanto, e na ausência de instrumentos para construir outra linha, o comboio não fica parado muito tempo, ainda para mais quando, a partir de dentro e de fora, nunca se desiste de retomar a marcha, eventualmente através da possibilidade de um golpe financeiro, assinalada recentemente por Carlos Carvalhas, seja indirecto, por via da agência canadiana controlada pelo BCE, fazendo mexer as forças espontâneas da especulação, seja directo, através de tantos instrumentos de política furtados a esta democracia.

Um orçamento é sempre de compromissos e escolhas políticas


Encontra-se aqui um conjunto de textos explicativos e infografias sobre o Orçamento de Estado de 2017 e seus objetivos, bem como a referência às medidas politicamente mais relevantes de cada ministério. Se é verdade que o exercício orçamental se move no quadro dos compromissos europeus e das suas balizas e constrangimentos, é também inequívoco que o OE 2017 traduz escolhas que consolidam o compromisso de rutura com a espiral de austeridade e empobrecimento, o tal «caminho único» defendido pela agenda ideológica da governação PàF. Basta aliás tentar imaginar que escolhas e compromissos fariam parte de uma proposta orçamental da coligação de direita, caso esta tivesse vencido as eleições há um ano atrás.

sábado, 15 de outubro de 2016

O que é e quem aumentou a carga fiscal?


A direita está a repetir o número da discussão sobre o OE2016 em que se escandalizou com um aumento previsto de uma décima de ponto percentual na carga fiscal. Hoje, todas as entidades concordam que a carga fiscal EM 2016 vai diminuir. Nestes últimos anos, estamos sempre a falar de décimas mas é útil olhar para os últimos anos para ver quando tivemos os grandes aumentos da carga fiscal. E ajuda também perceber melhor a dinâmica e as nuances deste indicador que deve ser usado com grande cautela.

1. Em primeiro lugar, o indicador da carga fiscal diz-nos pouco ou nada sobre a sua distribuição. Por exemplo, uma coisa é aumentar brutalmente os impostos sobre os rendimentos do trabalho ao mesmo tempo que se reduz brutalmente a tributação dos lucros como fez a direita com as reformas do IRS e do IRC. Outra coisa bem diferente é retirar uma parte do enorme aumento do IRS (bem sei, deveria ser todo mas não é isso que a direita defende), compensando-a com aumentos em consumos específicos, ao mesmo tempo que se tributa grandes património imobiliários, medida que afecta uma parcela ínfima da população.

2. Em segundo lugar, o indicador da carga fiscal é fortemente influenciado pela dinâmica da economia. Além disso, a função estabilizadora de alguns impostos (como o IRS e o IRC) leva-os a variar, por vezes de forma muito mais pronunciada do que o próprio PIB. É isso que explica que a carga fiscal tenha diminuído em 2012. O governo de Passos Coelho baixou os impostos em 2012? Não, pelo contrário, aumentou vários num total de 3350 milhões de euros, no que foi o primeiro de dois "enormes aumentos de impostos" (2012 e mais 3700M em 2013). A carga fiscal diminuiu apesar (e por causa) deste enorme aumento de impostos porque o agravamento da recessão provocou um cataclismo na receita fiscal dos impostos diretos da ordem dos 10%. Para isso, contribuíram decisivamente, claro, os cortes nos salários e pensões.

3. Finalmente, convém ter em conta a diferença entre o indicador geral da carga fiscal e o esforço fiscal das famílias. Essa diferença é muito relevante se tivermos em conta que a direita implementou os seus enormes aumentos de impostos no mesmo contexto em que aplicou violentos cortes nos salários e nas pensões e conduziu uma política generalizada de compressão dos rendimentos do trabalho.

4. Assim, em 2011 (Sócrates em Junho, com o memorando da troika), 2012 e 2013 tivemos sempre aumentos de impostos cujos impactos na carga fiscal variaram em função das consequências da política económica e da distribuição das medidas. Uma coisa é certa. Quem fez parte ou apoiou o anterior governo só com uma colossal falta de vergonha pode vir falar de aumentos da carga fiscal. Ainda por cima quando estes são, como é hoje evidente, absolutamente fictícios.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Para os tempos que correm



Tão surpreendente quanto oportuna, a atribuição do Nobel da Literatura a Bob Dylan, «por ter criado uma nova expressão poética no seio da grande tradição americana da canção». Um reconhecimento que vem além do mais em tempos certos, de necessária mudança, de recuperação da dignidade (em tantas, tantas coisas). Antes que fique demasiado escuro.

Hoje: Le Monde diplomatique (edição portugesa) debate o OE de 2017


O jantar debate promovido pelo Le Monde diplomatique - edição portuguesa, conta com a participação de João Paulo Correia, Pedro Filipe Soares e Carlos Carvalhas, e com a moderação de Nuno Teles. É a partir das 19h30 no restaurante Real Fábrica (Rua da Escola Politécnica, nº 275, junto ao Largo do Rato, em Lisboa). Inscrevam-se através do email [mondediplopt@gmail.com] e apareçam. São todos muito bem-vindos.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Dinheiro público desbaratado

Que eu saiba, é a primeira vez que se conhece uma desagregação dos estágios apoiados pelo Estado por ramos de actvidade. Mas posso estar mal informado.

Os números referem-se a 2014. Mas atenção: trata-se apenas de estágios profissionais e ainda faltariam analisar os apoios à contratação, à criação de emprego e a inserção profissional (onde estão os famosos contratos emprego-inserção que tanto a Função Pública usou):

         Fonte: gabinete do ministro MTSSS (Pedro Mota Soares), INE

Os dados do emprego são do INE. E relembre-se que os dados do INE, para lá dos grandes agregados, podem não ser muito fidedignos. Mas são os que há.

Os dados do número de estágios por actividade foram fornecidos como resposta à pergunta nº835 XII/4, feita a 30/1/2015 pelos deputados do PCP Rita Rato, David Costa e Jorge Machado e respondida, seis meses depois, a 25/7/2015, pelo então chefe de gabinete do então ministro Pedro Mota Soares. Refira-se que a pergunta feita pedia a listagem das empresas apoiadas que tinham feito contratação sem termo, a sua discriminação por distrito e actividade. E essa pergunta surgiu na sequência de uma outra pergunta feita em novembro de 2014, de molde a comprovar que os estágios correspondiam a empregabilidade de 70%, respondida em janeiro de 2015, ao lado. Ou seja, a resposta ficou muito aquém da perguntas. A tabela seguinte foi construída por mim.

Os números mostram várias coisas:

1) quais foram (são?) os sectores que têm abusado dos estágios;

2) que o Estado foi recipente desses apoios, enquanto se pugnava pela saída de funcionários públicos sem serem substituídos: veja-se o peso na Administração Pública, na Saúde ou na Educação. Caso se considere que o peso do sector privado nestes dois últimos sectores é de 20%, o peso do Estado atingiu os 9 mil estágios!;

3) que os apoios não foram orientados para nenhuma actividade em especial ou estratégica, apoiando o Estado tudo o que viesse à rede, mesmo actividades sem qualquer necessidade destes apoios, como as actividades de consultoria - desde advocacia, arquitectura, publicidade, etc. Agora imaginam a vida dessa significativa percentagem de mão-de-obra...;

4) que as actividades industriais foram as preteridas: um peso de estágios foi de 0,9%, abaixo da média nacional de 1,6%;

5) que o total do emprego criado em 2014 - cerca de 70 mil - correspondeu grosso modo à concessão desses estágios - 70450 estágios;

6) Que os 70450 estágios corresponderam a uma verba de 250,2 milhões de euros.

Nada disto é verdadeiramente uma novidade, mas dá para perceber que no reino dos subsídios, muito haveria a fazer. para que dinheiros públicos não fossem desbaratados. Façam as contas: a uma média de 3550 euros por estágio, só o sector de consultoria recebeu 45,8 milhões de euros!

Um jornal para afrontar tabus


As forças e os interesses neoliberais, domésticos e europeus, pressionam constantemente o executivo para que este volte ao receituário anterior, afinal o único compatível com o esmagamento do mundo do trabalho, com a transformação do Estado social no Estado assistencial, com a ortodoxia monetária e dos tratados europeus. Estas pressões vão fazendo o seu caminho e têm consequências. Começaram por influir na primeira proposta de Orçamento do Estado para 2016, que foi piorada em Bruxelas, e continuam a manifestar-se nas permanentes ameaças de sanções e suspensões dos fundos estruturais.

Excerto do editorial de Sandra Monteiro no Le Monde diplomatique - edição portuguesa de Outubro: Afrontar tabus. Aproveito para deixar aqui o resumo desta edição:

“Na edição de Outubro, José Castro Caldas analisa as propostas que estão em cima da mesa na União Europeia para a criação de um «pelotão da frente» e que colocarão Portugal perante uma escolha dilemática: tem vantagens em integrá-lo ou não? Pedro Bingre do Amaral reflecte sobre as tendências de substituição dos lucros por rendas nos processos de acumulação de riqueza e o que isso significa, não apenas para a habitação, mas para o regresso do patrimonialismo, com mais desigualdades. Ana Benavente faz um retrato do que os anos da Troika fizeram à educação e aponta pistas para o que é ainda urgente mudar. Victor Louro regressa à tragédia dos incêndios rurais e traça linhas para uma urgente de protecção da floresta que convoca a cidadania.

No internacional, destaque para a situação na Turquia depois do golpe falhado, analisada pelo prisma do exército, e para a interligação dos conflitos neste país, na Síria e em Israel com esse depósito de água que é o monte Golã. Também na América Central a questão dos recursos hídricos tem um papel fundamental, tendo levado a assassinatos de ameríndios e militantes ecologistas, como o de Berta Cáceres, nas Honduras. Propomos ainda para uma reportagem na Islândia para compreendermos aquela que foi uma saída audaciosa para a crise, bem como o que está ainda por reconstruir. E muito mais. Boas leituras!”

«Mais Participação, melhor saúde»


«Mais Participação, melhor saúde, promovido pelo GAT, em colaboração com outras 13 organizações de saúde e com o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, desenvolveu, ao longo do último ano, a Carta para a Participação Pública em Saúde, através da qual se pretende promover a participação das pessoas que vivem com ou sem doença e dos seus representantes, na tomada de decisão em saúde, tanto a nível político, como institucional.

Esta Carta resultou de um inquérito online aplicado a quase 80 organizações e a mais de 600 cidadãos e cidadãs, no qual ficou evidente a necessidade sentida por aqueles que lidam com a doença diariamente em participar mais na tomada de decisão em saúde, bem como a insatisfação generalizada face à falta de apelos à participação dos cidadão e das cidadãs.

A Carta está atualmente a ser objeto de uma Petição, promovida por 65 organizações e 26 individualidades de reconhecido mérito na área da saúde, dirigida à Assembleia da República, no sentido da sua implementação. Convidam-se todos e todas a assinar e a divulgar a petição.

Como culminar deste trabalho, o Mais Participação, melhor saúde, organiza no dia 18 de outubro, no Auditório do Edifício Novo da Assembleia da República, o «Fórum Mais Participação, melhor saúde», no qual será oficialmente lançada a Carta para a Participação Pública em Saúde. O programa provisório do Fórum está disponível aqui.»

terça-feira, 11 de outubro de 2016

O fim dos trabalhadores

Este filme é dedicado a todos os jornalistas. Vejam-no no fim-de-semana porque tem hora e meia. Lembrei-me dele por causa greve dos taxistas.


Um dos melhores momentos da greve dos taxistas, foi quando um grevista, ouvido pela SIC Notícias, disse à jornalista qualquer coisa como isto: “Vocês não deviam estar contra nós, porque um dia destes também chega aos jornalistas”. Não sei se alguém tinha dúvidas disso, mas a revista de imprensa da Antena 1 de hoje mostrou o coro de indignação dos jornalistas contra os taxistas e a defesa por eles da Uber.

Do que o taxista falava, obviamente, era da forma como a multinacional Uber entrou no mercado. Passou por cima das leis nacionais, "roubou" o mercado aos táxis sujeitos a contingentação e expandiu-se durante dois anos sem qualquer penalização, ao ponto de levar o actual Governo a querer regular o problema, como um facto consumado, porque "os clientes gostam".

Veremos o diploma em preparação, mas é estranho que o ministro já admita em entrevista à SIC que os carros da Uber não contarão para o contingente do serviço público que é o táxi, porque não são táxis...
"É inconstitucional que uma actividade comum - porque as plataformas e os operadores que trabalham debaixo dessas plataformas não prestam um serviço público - não podem ter um contingente. Desde o fim do condicionamento industrial que acaba com a Revolução de Abril não há contingente para actividades que não são serviço público". João Pedro Matos Fernandes falava de "uma nova actividade", de uma concorrência "potencialmente desleal" com o aumento da oferta dos transportes descaracterizados... (Aqui, minuto 3)
Ou seja, o governo optou por acabar com a contingentação e empurrar todos os táxis para actividades "comuns". E salve-se quem puder!

A penetração no mercado desta "nova actividade" foi, em tudo, semelhante aos outros países. Aliás, a actividade em Portugal é coordenada a nível europeu. Como se escreveu na Visão, todas “as decisões são tomadas pela Uber BV, a empresa que opera em todos os mercados da União Europeia”, com sede na Holanda, conhecido por ter um regime tributário privilegiado. “Mesmo os contratos de parceria com os operadores são feitos, a nível central”.

Os argumentos são os mais deliciosos. Diz Rui Bento, diretor geral da Uber Portugal: “A Uber é uma plataforma eletrónica que, através de uma aplicação, liga pessoas que se querem deslocar nas cidades a pessoas que estão disponíveis para as transportar”. “A Uber não contrata o motorista, logo o motorista não trabalha para a Uber. Quem contrata o serviço é o cliente; a Uber apenas os põe em contacto”.

Imagino já os argumentos futuros das confederações patronais nacionais: “Nós não somos patrões: apenas pomos em contacto produtores e consumidores”. Então no jornalismo – cada vez mais online - não será de estranhar que, um dia destes, apareça uma empresa que será apenas uma plataforma, que colocará em contacto "quem queira escrever notícias e quem as queira ler"!! Não haverá trabalhadores, apenas parcerias... E tudo ficará tão presente no mercado que, um dia, qualquer governo “terá” de legislar para legalizar a selva.

Este parece o paraíso no futuro do mundo do Trabalho, que começou há várias décadas com a contratação de assalariados a "recibo verde": os trabalhadores transmutam-se em empresários por conta própria. E quem paga a Segurança Social desses “parceiros”? Claro, os parceiros que trabalham...! Que bom!

Mas a opinião daquele taxista é – sem o saber - pertinente em relação aos jornalistas:

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Prioridades para um país decente: combater as desigualdades e recuperar a confiança na governação

No Society at a Glance 2016, um compêndio de indicadores sociais publicado bienalmente pela OCDE, Portugal surge destacado pelos piores motivos em dois domínios: a concentração do rendimento e da riqueza pelos 10% mais ricos da população; e a baixa confiança dos cidadãos na governação (ver gráficos abaixo). Estes dois indicadores surgem frequentemente associados: a percepção de que o Estado é incapaz de combater a concentração da riqueza nas mãos de uns poucos (ou que contribui activamente para essa concentração) desligitima a acção dos poderes públicos aos olhos de uma parcela significativa da população. O problema é que isto gera um círculo vicioso, pois quanto menos confiança se tem no Estado, mais difícil se torna mobilizar a população para as reformas sociais que importa levar adiante. É por isso que um governo transformador não pode deixar de trabalhar nas duas frentes: distribuir melhor os recursos sem nunca menosprezar a importância de se credibilizar aos olhos dos cidadãos.




Resistir

Talvez seja oportuno recuperar um artigo do Le Monde diplomatique – edição portuguesa de Setembro de 2015, já que é todo um programa necessário para o dia de hoje: resistir à uberização do mundo.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Hoje e amanhã


É das poucas coisas que sabemos em tempos incertos...


Uma República só pode viver da dedicação dos seus cidadãos porque é feita por eles. Isso faz dela o mais poderoso elemento de coesão nacional, face à crise. E, quem sabe, se não será outra vez no quadro do Estado-Nação, onde o republicanismo se armou ideologicamente, que não redescobriremos a res publica, sem o que não saberemos desafiar a incerteza?

João B. Serra, Historiador e Chefe da Casa Civil do antigo Presidente da República Jorge Sampaio, Público.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Jogo de sombras


O Presidente da República continua a mandar recados ao Governo sobre a manutenção do “rigor orçamental” e, ao mesmo tempo, a necessidade de acelerar o crescimento económico. Por seu turno, o primeiro-ministro insiste na garantia de que vai cumprir a meta dos 2,5%. Segundo Teresa de Sousa, “Costa quer provar fidelidade ao euro aceitando as regras do jogo de Bruxelas”.

O debate no espaço público sobre o défice orçamental é deprimente. Não se ouve uma única voz que mostre algum conhecimento básico sobre a economia política dos défices (sim, no plural). Como é possível que tantos jornalistas de assuntos económicos, tantos licenciados ou doutorados em economia, dominem os media com um discurso contabilista sobre o orçamento, ignorando a natureza sistémica da economia, onde várias causalidades se entrelaçam tornando interdependentes os saldos financeiros do Estado, do Sector Privado, e do país com o Resto do Mundo?

Apesar dos alertas do Alexandre Abreu, João Rodrigues, e outros, domina a ideia de que o défice depende da boa gestão do Ministro das Finanças e da sua capacidade de controlar o despesismo dos seus colegas de governo. E faz-se crer que um défice baixo, desejavelmente um excedente, é bom para a economia. Lembrando Krugman, um economista muito convencional, nos media só temos direito à teoria económica da idade das trevas.

No entanto, as primeiras páginas dos manuais convencionais de introdução à macroeconomia dizem-nos que o défice do Orçamento depende das decisões do Governo quanto à despesa e tributação que se conjugam com as decisões de despesa do sector Privado do país, e com as dos actores privados e Estado nos países com quem temos relações económicas e financeiras. É essa interdependência que está na origem do sistemático incumprimento das metas orçamentais dos governos e da periódica revisão das previsões das organizações internacionais. A verdade é esta, e a esquerda devia dizê-lo com toda a clareza: os governos não têm o poder de determinar o défice do orçamento do Estado.


Tal interdependência significa ainda que, numa conjuntura em degradação, o saldo externo piora, tornando mais difícil a redução do défice público porque tal exige um maior endividamento do sector privado quando este ainda está reticente. Vejamos os saldos financeiros dos sectores institucionais da economia portuguesa no segundo trimestre de 2016 (% do PIB):

Administração Pública (-3,4) + S. Privado (+4,3) = Resto do Mundo (+0,9)

Assim, se (por hipótese) nos trimestres seguintes a conjuntura internacional vier a anular o saldo externo, então, para que o défice público se situe nos 2,5%, o sector privado (onde se inclui a banca) terá de reduzir a sua poupança para 2,5%:

Administração Pública (-2,5) + S. Privado (+2,5) = Resto do Mundo (0)

Nesta hipótese, para que a meta do défice público seja alcançada, o Sector Privado terá de fazer o contrário do que preconizam os economistas “sérios”; terá de poupar muito menos. Aritmética simples, quase sempre ignorada.

Por conseguinte, o saldo orçamental deste ano depende muito do que os restantes sectores fizerem até ao fim do ano. Na medida do possível, este governo (tal como os anteriores) recorrerá à maquilhagem contabilística das contas para camuflar a derrapagem que possa ocorrer, mas que não pode impedir (os impostos dependem do produto; boa parte da despesa depende da evolução do subsídio de desemprego e outras prestações sociais). Como a Comissão Europeia faz de conta que o governo pode ter o défice que quiser, o que é falso, o folclore do Semestre Europeu, das previsões para todos os gostos, e das ameaças de sanções torna-se num verdadeiro jogo de sombras que dissimula o verdadeiro objectivo da UE: impedir uma política orçamental expansionista e subtrair à escolha democrática tudo o que diga respeito à política económica (ver aqui).

É politicamente defensável, até um certo ponto, que as esquerdas queiram sustentar este jogo em nome do ‘mal menor’. Mas, por favor, não rejubilem com um défice de 2,5% porque sabem muito bem que, para tirar o país desta morte lenta, é necessária (entre outras) uma fortíssima política orçamental expansionista, ou seja défices grandes e continuados (ver aqui). Ao menos, enquanto sustentam o governo do ‘mal menor’, preparem os cidadãos para a necessidade de sairmos do euro. Expliquem-lhes que a permanência na moeda única vincula o país a uma política económica errada, com consequências catastróficas bem conhecidas (ver aqui). Digam-lhes que esta política foi executada nos anos trinta do século passado e deu origem aos fascismos e que, desde há décadas, tem sido imposta pelo FMI por todo o mundo, com os resultados desastrosos que Stiglitz há muito denunciou. Não tenham medo das palavras, sejam frontais, porque a alternativa só se afirma com um discurso de verdade, o único que conquista a confiança e prepara para o passo seguinte.

A abrir


Quando um comportamento responsável dos povos de Estados organizados democraticamente significa deixar de dispor da sua soberania nacional e limitar-se, durante gerações, a assegurar a sua solvabilidade perante os seus credores, poderá afigurar-se mais responsável tentar comportar-se forma irresponsável. Se ser razoável significa pressupor que as exigências dos “mercados” à sociedade têm de ser cumpridas, nomeadamente à custa da maioria da sociedade à qual, após décadas de expansão neoliberal do mercado, nada resta senão prejuízos, então, o irracional poderia ser, de facto, a única coisa racional. 

Wolfgang Streeck, Tempo Comprado – A Crise Adiada do Capitalismo Democrático, Actual, p. 235.

Amanhã, terei o privilégio de fazer a apresentação de Wolfgang Streeck, que abrirá certamente com chave de ouro o Fórum de Outono da Manifesto. Direi três ou quatro coisas.

Em primeiro lugar, Streeck é o autor do que considero ser o melhor livro disponível entre nós sobre as origens do crescente divórcio entre capitalismo e democracia, que assume formas particulares no continente europeu, ou seja, do melhor livro de economia política escrito depois da crise de 2007-2008.

Em segundo lugar, Streeck tem sido, a partir do seu influente lugar no topo da academia alemã, um dos defensores do regresso da teoria social à economia política, na tradição de Karl Marx, Max Weber ou Karl Polanyi, referências que combina criativamente no seu trabalho.

Em terceiro lugar, e partindo de uma adequada compreensão das origens monetárias e financeiras das tendências pós-democráticas no continente, o que implica uma adequada compreensão da natureza política da moeda, enquanto produto em última instância de um poder soberano, Streeck tem sido um crítico denodado do Euro, que divide a Europa, defendendo o seu desmantelamento. Isto em nome de uma cooperação regional europeia compatível com ampla margem de manobra dos Estados. Tal processo de desmantelamento e reconfiguração monetária é uma condição necessária para travar esta trágica maquina hayekiana de liberalização que dá pelo nome de UE, incluindo também um Tribunal muito pouco escrutinado, que destrói a social-democracia em nome das liberdades cada vez mais irrestritas do capital.

Em quarto lugar, Streeck tem emergido como um intelectual público, um crítico vocal das ilusões federalistas pós-nacionais, entre outros, de um Habermas, uma espécie de anti-Habermas, na realidade, indicando como as análises e prescrições do filósofo de Frankfurt assentam numa visão altamente despolitizada da moeda e dos mercados, acabando a teoria crítica, divorciada da economia política, trágico destino, a elogiar Draghi, mesmo que o BCE seja o mais rematado exemplo institucional de desconsideração dos interesses sociais e democráticos dos tais povos dos Estados. A Grécia aí está: ao não controlar a moeda na qual a dívida está denominada, a democracia fica refém de um banco central para todos os efeitos estrangeiro e só um banco assim poderia montar uma operação de desestabilização de um sistema bancário nacional para alcançar objectivos políticos.

Não faltem. Haverá debate, certamente.

Falemos então de rendimentos e de justiça social

Num quadro de total desespero e crescente degenerescência política, surgiu há dias no PSD uma tese particularmente absurda: o aumento da pobreza e das desigualdades, nos anos do «ajustamento» e do «ir além da troika», seria o reflexo das políticas seguidas pelo anterior governo do Partido Socialista e não o resultado dos cortes nos salários e nas pensões, nos serviços públicos e nas prestações sociais, metodicamente levados a cabo pela maioria de direita a partir de 2011.

Assim, como se não bastasse Passos Coelho ter acusado o atual governo de estar a construir uma «sociedade mais pobre e mais injusta», Marco António Costa sobe a fasquia da desfaçatez, garantindo que foi «durante o governo do PS, até 2011, que os pobres foram mais penalizados do que os ricos». Para Marco António, que deste modo tentava esconjurar as conclusões do recente estudo da FFMS sobre pobreza e desigualdades, «a maior parte da redução de rendimentos no período 2009-2014 ocorre por efeito das medidas orçamentais adotadas pelo governo do PS». A sério Marco António? Então vejamos:


O gráfico não deixa margem para dúvidas, permitindo diferenciar dois padrões claramente distintos. Entre 2006 e 2009 (com um governo socialista no poder), cerca de 80% da população vê os seus níveis de rendimento aumentar (beneficiando em particular os 20% mais pobres) e apenas os 20% mais ricos registam perdas (entre 3 a 6%). Já entre 2009 e 2014 (com a coligação PSD/PP no poder a partir de 2011), a quebra generalizada de rendimentos (-12%, que comparam com o aumento de 2% no período anterior) atinge sobretudo os 20% mais pobres (que detém em 2014 menos 15 a 25% do rendimento que auferiam em 2009), só depois afetando os 20% mais ricos (numa menor escala de perdas, a oscilar entre 11 e 13%). Ou seja, amplia-se o fosso das desigualdades e agudiza-se a injustiça social.

Como bem assinala o Renato Carmo, num certeiro texto de comentário às declarações alucinadas de Marco António Costa, nada disto é propriamente novo ou desconhecido. De facto, já se sabia que «as desigualdades de rendimento inverteram a tendência de decréscimo dos anos anteriores e recomeçaram a aumentar a partir de 2010, intensificando-se até 2013». O que não se sabia é que o empobrecimento (sem o qual era impossível sair da crise, dizia Passos Coelho em 2011), recaiu sobretudo naqueles que eram já os mais pobres, ao arrepio de toda e qualquer «ética social na austeridade», então enganosamente apregoada aos quatro ventos.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

A memória é uma coisa lixada... (III)



Começa a ser difícil arranjar um argumento plausível para justificar a reviravolta ideológica ocorrida nas hostes social-democratas. Espera, é fácil: basta referir que o PSD é um partido pós-marxista que abandonou, há muito, o processo de «radicalização em curso», hoje levado a cabo pela extrema-esquerda no poder. Sim, é isso: como mostra este vídeo da Geringonça, foi há mais de dez anos, em 2005, que a direita revolucionária defendeu o fim do sigilo bancário. Não, espera, a última vez que se bateu por medidas desta natureza foi há quatro anos, em 2012... Ou três vá, em 2013, ainda o PSD era governo... Bom, se por acaso disserem que a diferença está justamente aí, na tendência para dizer uma coisa quando se está no poder e outra quando se está na oposição, não se preocupem: não são os únicos, não estão sozinhos. O CDS/PP acompanha-os.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Manifesto: Workshops e debates do Fórum de Outono (7 e 8 de outubro)


Três workshops e debates complementam o programa do próximo Fórum de Outono da Manifesto, que tem como tema «Uma esquerda para tempos de incerteza»:

● Neoliberalismo e serviços públicos em Portugal
Nuno Serra e Manuela Silva
A Escola Pública e o Serviço Nacional de Saúde são instrumentos fundamentais para alcançar padrões de equidade, bem-estar e qualificação que permitam ao país desenvolver-se, gerar riqueza e fortalecer a coesão social. As políticas e a agenda ideológica a que Portugal esteve sujeito nos últimos anos tinham um propósito claro: enfraquecer os serviços públicos de Saúde e Educação - descaraterizando as políticas públicas - e criar mercados, reforçando a oferta privada nestes dois domínios. O que queremos para o nosso país nestas áreas, qual é a situação atual e quais as principais ameaças e desafios?
[8 de outubro, 10h30-12h30]

● Banca e sistema financeiro em Portugal
Nuno Teles
A fragilidade dos bancos em Portugal continua a ser um dos principais lastros da economia portuguesa e um dos seus principais riscos futuros. Nesta sessão procurar-se-á dar conta da trajetória passada da banca portuguesa e seu futuro, questionando, mais a montante, qual pode e deve ser o papel da banca e do sistema de crédito enquanto instrumento de progresso económico e social.
[8 de outubro, 14h00-15h30]

O refluxo das esquerdas na América Latina
Mário Olivares (apresentação e moderação de Margarida Santos)
A América Latina vive um período de mudanças políticas, depois de mais de uma década de governos de centro esquerda. As opções desses governos nunca se divorciaram do modelo imposto nos anos 90 pelos credores da crise financeira – a desigualdade manteve-se e as economias não se desenvolveram numa rota industrial, pois isso iria contra imposições das multinacionais. Talvez seja esta a capitulação que se está a pagar agora: os eleitorados deixaram de ser clientelas sociais submissas e têm expectativas de progresso e bem-estar.
[8 de outubro, 16h00-17h30]

O fórum realiza-se na próxima sexta e sábado em Lisboa, na Pousada da Juventude do Parque das Nações. A entrada é livre (e as inscrições podem ser feitas aqui). Estão todos convidados.

Por que defende o patronato posições que antes criticava?

As confederações patronais vieram “à rua” dizer que estavam contra alterações à legislação laboral que mexessem nas alterações à lei laboral de 2012. Era isso ou o aumento do salário mínimo nacional (aqui, aqui, aqui ou aqui).

Tem de se compreender estas posições à luz de muita coisa, talvez dos poderes dentro das confederações patronais. Nomeadamente da CIP que é, de longe, a confederação que marca o ritmo do patronato. Mas isso era outro estudo que está por fazer.

O que eu gostava de sublinhar é que esta posição recentíssima das confederações patronais - de 2016 - está a anos-luz daquela que foi sendo apresentada na Comissão Permanente da Concertação Social (CPCS) ao longo dos anos de chumbo da intervenção da troika e do mandato da maioria PSD/CDS.

Em uníssono, as confederações patronais sempre defenderam então, antes e depois de 2012, que de nada valia alterar a legislação laboral para se ter crescimento económico; que isso – per si - não criaria emprego, que os custos de contexto pesavam mais na actividade, e que deveria – sim! – encontrar-se uma política de desenvolvimento económico nacional. Algo que se aproximava mais das posições deixadas nos pareceres do Conselho Económico e Social sobre as Grandes Opções ou noutros relatórios. Algo que talvez fosse mais positivo, mais consonante com a tentativa de se chegar a um consenso sobre uma estratégia nacional que ultrapasse – se possível – o impasse de um crescimento medíocre ao longo de duas décadas.

Sobre estas posições – e das confederações sindicais -, sobre o papel da concertação social de 2009 a 2015, em breve sairá um caderno do Observatório sobre Crises e Alternativas.

Mas entretanto deixem-me relembrar algumas dessas posições patronais, retiradas das actas da CPCS, num período que vai do Governo Sócrates ao de Passos Coelho. Posições, aliás, que nem sempre – quase nunca – transpiraram para o exterior da sala de reuniões.

Peço-vos muita paciência, porque foram muitos anos e muitas declarações. Podem intervalar e voltar mais logo. Fica este repositório de selecções, para quem as quiser usar.

Desviar as atenções (take 2)

Com as preocupações a avolumar-se em torno do Deutsche Bank e a incerteza a fazer cair as ações para mínimos históricos (não tendo aparentemente Angela Merkel margem de manobra para avançar com um resgate, dada a posição dura que adotou em matéria de ajudas estatais à banca noutros países), eis que a tentativa de desviar as atenções para Portugal parece ter voltado a repetir-se.

Depois de Schäuble, que em junho disse estar «mais preocupado com Portugal do que com o Deutsche Bank», parece ter hoje cabido ao comissário Oettinger tentar orientar os holofotes para Portugal, deixando no ar a ideia de que a probabilidade de o país vir a precisar de um novo resgate era «maior do que 0%». Sim, o mesmo Oettinger que defendeu, em julho, que a Comissão tinha que «preservar a sua credibilidade sobre as regras orçamentais», devendo por isso «aprovar sanções contra Espanha e Portugal».

É provável que na aldeia gaulesa de Astérix também se pensasse que a probabilidade de o céu cair em cima das cabeças fosse «maior que 0%». A diferença é que os gauleses sabiam que essa possibilidade não dependia da manifestação leviana e infundada de tal receio e, talvez por isso, ao contrário de Wolfgang Schäuble e Günther Oettinger, não se viam obrigados a recuar e a desdizer.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Somos todos populistas


Tenho defendido por aqui que o europeísmo realmente existente é uma das últimas reincarnações do clássico elitismo liberal. Enfim, tem a palavra Viriato Soromenho Marques, talvez o principal pensador europeísta nacional: “o populismo é o discurso da rua, da taberna, que se torna em discurso de Estado”. Esta sintomática declaração é feita no contexto de uma peça, da autoria de Nuno Ribeiro, sobre “populismo” e “lusexit”, que diz mais sobre o estado do Público e das suas amalgamas ideológicas, parte do favorecimento da adaptação regressiva das preferências políticas, do que sobre outra coisa qualquer.

Não é preciso reduzir a realidade às suas articulações discursivas para concordar com Ernesto Laclau e vermos na tal razão populista, na construção de uma identidade popular a partir da fixação sempre precária de uma “fronteira do antagonismo”, de um nós e de um eles, um elemento central de toda a política de massas, de toda a política democrática, de toda a política contemporânea, na verdade, seja esta de direita, de esquerda ou para lá da esquerda e da direita.

Numa confirmação de que o populismo é num certo sentido inevitável, o próprio Soromenho Marques declara na mesma peça: “a nova aristocracia [financeira] que manda no mundo é uma pequena elite, e a esquerda social-democrata ou socialista foi atrás”. Pois é e pois foi, no continente graças sobretudo à integração europeia, e é por isso que a desglobalização pode vir a ser protagonizada pelas direitas, como justamente afiança. Por isso e pela posição de intelectuais críticos que é como se já tivessem sido derrotados, defendendo, como Chantal Mouffe, nem de propósito, que não existem alternativas à UE e ao Euro. É espantoso que não repare que o europeísmo é precisamente uma das razões pelas quais os socialistas entregaram a classe operária francesa à FN, como bem denuncia, e que o mesmo europeísmo cooptou o Syriza: quem pode confiar nos que privatizam, reduzem direitos e fazem cortes, ao mesmo tempo que pregam já não se sabe bem o quê na UE (nem isso interessa já para nada, de resto)?

Entretanto, o sujeito nacional-popular constrói-se na fronteira implicitamente identificada por Soromenho Marques, que saudavelmente tem de andar pelas ruas e pelas tabernas e chegar ao Estado nacional que organizará a desfinanceirização, incluindo a saída do euro: elite financeira versus povo. A razão populista pela esquerda pensa na activação deste último sujeito e nas políticas de recuperação da soberania democrática que convocará. Haverá algo de mais importante para pensar em todos os lugares?

Manifesto: Conferências e debates do Fórum de Outono (7 e 8 de outubro)


Para lá das sessões de abertura (com Ricardo Paes Mamede no dia 7, a partir das 18h15) e encerramento (com Ana Drago, no dia 8, a partir das 19h45), no âmbito do Fórum de Outono da Manifesto, «Uma esquerda para tempos de incerteza», realizam-se as seguintes conferências e debates:

● Europa e Democracia
Wolfgang Streeck (apresentação e moderação por João Rodrigues)
Na sequência da “revolução” neoliberal da década de 80, da globalização e das crises da última década surgem, na terminologia de Wolfgang Streeck, novos agentes político-económicos, os “Estados Devedores”. Quando os governos eleitos se encontram prisioneiros de uma lógica financeira, para que servem as eleições? O que sobra da democracia? Ainda há espaço para governar à esquerda?
[7 de outubro, 18h30-20h00]

● A política já não é o que era: transformações político-partidárias na Europa
Ana Drago, Neal Lawson, Marco Lisi (apresentação e moderação de José Vítor Malheiros)
Nos últimos anos os sistemas político-partidários dos países europeus têm sofrido transformações relevantes. A tendência comum para a redução do peso eleitoral dos “partidos do centro” (em geral, democratas-cristãos e social-democratas) dá origem a dinâmicas muito diversas, que incluem o crescimento de partidos xenófobos, o aumento da influência das esquerdas “radicais”, a emergência de formas de organização partidária atípicas, a constituição de alianças eleitorais e de governo inéditas, ou a transformação mais ou menos gradual da orientação política e da forma de organização dos partidos tradicionais. A política já não é o que era? Para onde nos levam as transformações político-partidárias na Europa?
[7 de outubro, 21h30-23h30]

O ponto de situação da geringonça
Pedro Nuno Santos, Marisa Matias (apresentação e moderação de Daniel Oliveira)
A direita apelidou de "geringonça" os acordos que o PS assinou com o BE, PCP e PEV. Tentou assim sublinhar a sua fragilidade. Passados alguns meses, essa fragilidade é visível em alguns desencontros e na forma como os vários partidos olham para a pressão europeia que condiciona as opções políticas, sociais e económicas do governo. Mas, apesar dos limites e das contradições, todos se têm surpreendido com a estabilidade que a tal "geringonça" tem demonstrado. Para tirar a temperatura ao primeiro acordo à esquerda da democracia constitucional o Fórum dará voz aos seus intervenientes partidários
[8 de outubro, 18h00-19h45]

O fórum realiza-se na próxima sexta e sábado em Lisboa, na Pousada da Juventude do Parque das Nações. A entrada é livre (e as inscrições podem ser feitas aqui). Apareçam.

Amanhã discutimos o emprego e o trabalho em Portugal

Entendendo a austeridade como uma medida que forçosamente desvaloriza e desqualifica o Trabalho – enquanto direito social consagrado – as análises que compõem o 3.º Relatório do Observatório sobre Crises e Alternativas pretendem pôr em evidência as mudanças observadas em termos das políticas públicas de emprego vigentes no contexto da crise e do “ajustamento” em Portugal, no decurso dos últimos anos. O 3.º Relatório do Observatório Sobre Crises e Alternativas tem como tema central as transformações das políticas de emprego, de proteção do trabalho e da negociação, ocorridas no contexto de crise e “ajustamento” imposto a Portugal pelos credores oficiais.

A partir desta apresentação, pretende-se discutir com académicos e atores políticos e sociais relevantes a investigação que tem sido levada a cabo pelo Observatório, no sentido de continuar a explorar alternativas de reconfiguração das políticas públicas e de promover uma maior análise e reflexão em torno destas matérias.


Inscrições gratuitas, mas obrigatórias, através de formulário ONLINE.

domingo, 2 de outubro de 2016

Continua a afirmar Pereira

Já exprimi várias vezes a minha dúvida, receio, reserva, quanto ao sucesso da actual experiência governativa por uma única e exclusiva razão: não pode fazer a política que desejava, nem a que corresponde à sua base social e política, e é obrigada a fazer uma política imposta de fora pelo Eurogrupo, cujos resultados na estagnação da economia são reconhecidos por todos, menos pelo próprio Eurogrupo e as suas emanações nacionais, em particular o PSD. Num país cheio de tretas, uma delas é que há dois “modelos” económicos, um do PS e da maioria de esquerda e outro da oposição PSD-CDS. Não há. Não há dois modelos, há apenas um, que é o que o Eurogrupo impõe a Portugal (junto com a Comissão, o BCE e essa entidade bipolar que é o FMI). (…) No entanto, se a governação económica do PS é mais próxima da do PSD, que teria hoje quase todas as dificuldades que o PS está a ter, só com a diferença que contaria com muito mais benevolência europeia, já não é correcto dizer que a governação social e política sejam idênticas.

Uma vez mais concordo no essencial com Pacheco Pereira, discordando em alguns detalhes. Parece-me que subestima o poder das regras económicas e monetárias europeias e dos seus vieses estruturais e, correspondentemente, sobrestima a importância conjuntural da coligação política europeia que as interpreta, em especial no Eurogrupo.

Acrescento ainda que esta divisão entre o económico, para o qual há um só modelo, e o social, para o qual haveria mais do que um, é, em última instância, artificial: o “económico” tem toda a força social no capitalismo, como Pacheco Pereira sabe. Basta lembrar como acabou a Terceira Via, uma das expressões políticas do esforço para separar o que não pode ser separado (e isto sendo muito benévolo para essa mistela ideológica hegemonizada pelo neoliberalismo). A política económica tem de ter boas consequências sociais, tem de ser, se quiserem, uma política socioeconómica, mas para isso precisamos de recuperar instrumentos na escala, que é a nacional, da democracia.


Entretanto, numa coisa estou de acordo com John Gray, filósofo britânico anti-hayekiano (depois de ter sido um dos mais influentes hayekianos nos idos de oitenta...): também nesse país amplos sectores das direitas já perceberam que o Estado nacional está de regresso e que a utopia neoliberal gera distopias, apanhando uma parte das elites de esquerda distraída pelo europeísmo e outros becos pseudo-internacionalistas, olhando com desdém para a necessidade de segurança e de controlo por parte das populações (segurança social, em sentido amplo, e controlo democrático são boas repostas do socialismo, o que obrigaria hoje, digo eu, a uma luta sem quartel contra as instituições europeias que geram insegurança social e novas formas de autoritarismo político, a uma luta por uma parcial desglobalização económica no espírito, vejam lá o radicalismo, de Keynes). Já agora, aposto que John Gray, até pelo seu percurso, é uma referência de Pacheco Pereira.

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Distribuir para crescer



«A tese de que precisamos crescer antes de distribuir, essa sim, não faz qualquer sentido. Primeiro, porque, como vimos, as variações na desigualdade dependem muito mais de variações na distribuição dos rendimentos, as quais, por sua vez, dependem sobretudo mais de escolhas políticas, do que de variações no crescimento. (...) Segundo, porque a redução da desigualdade é ela própria um mecanismo potenciador do crescimento. Ao contrário da austeridade, que não promove o crescimento económico mas garante o aumento das desigualdades sociais, políticas de igualdade poderiam ser não só mais justas mas também mais eficazes na promoção daquele crescimento. (...) O problema deve pois ser enfrentado antes, no plano das regras económicas da distribuição, evitando o crescimento primário das desigualdades e a maior necessidade de redistribuição através do sistema fiscal. Por exemplo, reforçando o papel da negociação coletiva ou eliminando as formas mais abusivas e generalizadas de precarização do emprego. (...) Não há razões sociais, económicas ou morais que justifiquem o crescimento exponencial dos rendimentos individuais sem um correspondente aumento da progressividade dos impostos sobre esses rendimentos, ou de medidas que desincentivem tal crescimento para além de limites aceitáveis.»

Excerto do artigo de Rui Pena PiresO impacto das políticas na desigualdade») no Público de terça-feira passada, que merece ser lido na íntegra. De facto, e ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, é sobretudo ao nível da distribuição dos rendimentos privados (salários e rendimentos de capital, etc.) que se desenha o essencial das desigualdades, sendo o impacto dessa distribuição mais relevante que o das contribuições e transferências sociais e da própria fiscalidade (impostos diretos). Esta é, de resto, uma das principais conclusões do recente estudo «Desigualdade de Rendimento e Pobreza em Portugal», de Carlos Farinha Rodrigues, Rita Felgueiras e Vítor Junqueira (no âmbito de uma parceria entre a FFMS, o Expresso e a SIC).


Esqueça-se pois, de uma vez por todas, a «economia do pingo», como sugeria Pedro Lains já em agosto de 2014. Isto é, a ideia de que «os grandes devem ter tudo pois, ao terem tudo, deixam pingar recursos para baixo, para o resto da economia». Uma formulação, acrescentava Lains, «com tudo de falso» e que esteve «nas mentes da troika e do governo por ela assessorado» e que teve (e tem ainda) «muitos apoiantes entre jornalistas, "economistas" (...) e fazedores de opinião». Aliás, como bem sabemos, não é, Dr. César das Neves?

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

A memória é uma coisa lixada... (II)



«Para que o sistema fiscal promova mais igualdade, é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os contribuintes. E incida sobre todo o tipo de rendimentos, abrangendo com especial ênfase os rendimentos do capital e as casas com valor igual ou superior a um milhão de euros. Não podem ser sempre os mesmos, os trabalhadores por conta de outrém e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais»

Paulo Núncio em Outubro de 2012 (quatro anos antes do «Imposto Mortágua»)

Declarações recuperadas pela Geringonça, serviço público de televisão, que comprovam a sintonia e o empenho da maioria revolucionária de direita no processo de «sovietização», combatendo sem cessar as forças da reação.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Fórum Manifesto: «Uma esquerda para tempos de incerteza»


Dando continuidade às «Universidades de Verão», organizadas pela Manifesto ao longo dos anos, o Fórum de Outono pretende constituir-se como um espaço de formação, consciencialização, debate e mobilização. A edição de 2016 centra-se nos desafios que se colocam às esquerdas num período marcado por grandes incertezas. Participam no fórum diversos convidados nacionais e internacionais, que enquadram a reflexão e os debates sobre a Europa e da democracia, as transformações político-partidárias em curso no continente europeu, o balanço da Geringonça, o refluxo das esquerdas na América Latina, os problemas do sistema financeiro e as lógicas mercantis na provisão de serviços públicos em Portugal. É já nos próximos dias 7 e 8 de Outubro, na Pousada da Juventude do Parque das Nações, em Lisboa. A entrada é livre e as inscrições podem ser feitas aqui.