domingo, 26 de outubro de 2008

O País tem fraca reputação, diz o Ministro


Relata o Público (23.10.2008): "Infelizmente, os países não são todos iguais, têm reputações diferentes nos mercados e Portugal não tem a melhor reputação", afirmou o ministro [das Finanças], defendendo que o simples facto de o défice se aproximar dos três por cento, mesmo não o ultrapassando, levaria a que "as taxas de juro suportadas por todos os agentes económicos do país ficassem necessariamente mais elevadas".

É inaceitável que o Governo de Portugal continue a tomar decisões como se as empresas financeiras que "dão notas" aos Estados ainda tivessem, elas próprias, alguma credibilidade. Como se tudo estivesse a funcionar segundo a normalidade neoliberal e a auto-regulação em que Greenspan acreditava não nos tivesse levado ao desastre. Para os que ainda tenham dúvidas, um académico de Oxford escrevia em 2001: “a ideia de que a ‘reputação’ é importante tem sido aceite generalizadamente. No entanto, uma observação cuidadosa dos pressupostos e implicações da teoria revela muitas razões para duvidar do seu valor empírico.” Ah! … já me esquecia que a ideologia neoliberal também moldou a produção científica a ponto de instituir uma notação A – B - C para as revistas de Economia. Não fui ver, mas tenho a certeza que a revista onde este artigo foi publicado não está no grupo A. Aí o artigo seria simplesmente rejeitado.

Pois bem, o Ministro deve ao País uma explicação sobre os mecanismos que, no contexto da presente crise, levariam à subida generalizada das taxas de juro se o nosso défice subisse aos 5%, por exemplo, em razão de um programa de combate à crise centrado no apoio às famílias de rendimentos mais modestos (num país de grande desigualdade de rendimentos) e em investimento público socialmente útil, de execução descentralizada e rápida. Também deveria informar se já deu orientações à Caixa Geral de Depósitos para baixar substancialmente o nível das garantias exigidas no crédito às PMEs com dificuldades de tesouraria. Já para não falar em usar os balcões dos CTT para rede comercial de um banco popular de apoio à pequena poupança e ao microcrédito. A ideia é de um deputado Trabalhista que se opõe à privatização do Royal Mail e defende a criação de um Banco do Povo.

Decididamente, o Ministro ainda não percebeu que estamos no princípio do fim de uma ordem em que o mundo tem estado refém do poder financeiro: ou socializamos as perdas da alta finança ou deixamos acontecer um colapso em que todos perderemos muitíssimo mais. Este tipo de escolhas é simplesmente imoral. “Uma nova ordem tem de ser imposta à City”.

Quanto ao Ministro das Finanças, talvez fosse prudente começar a ler alguma coisa que não caiba na ortodoxia. Afinal de contas, como economista, vai ter de se adaptar aos novos tempos quando sair do Governo.

2 comentários:

Filipe Melo Sousa disse...

Fica aqui uma correcção: devido à regulação que o Greenspan criou. Afinal o juro não quintuplicou por auto-recriação do mercado, mas sim por decisão política ;)

E sim, são os governos, não os mercados que têm má fama.

Dias disse...

As empresas financeiras que “avaliam” os Estados, as empresas que fazem auditorias à saúde dos bancos, as análises de certos jornais económicos, etc., seriam os primeiros a quem se exigiria reputação…

A ideia de um Banco Popular parece interessante, o Yunus pode dar uma ajuda. No passado, e nalguns países da Europa, os Correios foram percursores na prestação de determinados serviços a clientes, tais como depósitos de poupanças e débitos, uso dos cartões em ATM, mas nunca funcionando como banco de investimento.
Os Correios têm sido esvaziados de muitas funções que já tiveram, por razões que, hoje, se tornaram mais óbvias.
Parece que a EU e os seus ministros das Finanças estão com muita dificuldade em reconhecer que o “seu” modelo falhou!