
Em Portugal, vai realizar-se uma Audição Pública (8 de Novembro) promovida pela Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) da Igreja Católica, “Dar Voz aos Pobres para Erradicar a Pobreza”. Interessante é o facto de esta iniciativa também pretender contribuir para a desconstrução de alguns preconceitos ainda enraizados na sociedade portuguesa. Exemplo: Paulo Portas afirmou que não pode “continuar a existir um Portugal que trabalha a custear outro que não faz o esforço suficiente para poder trabalhar". Não se viu uma reacção da opinião pública (pelo menos da publicada) a condenar e desmontar este ataque populista a um instrumento central nas políticas de combate à pobreza. E, no entanto, todos sabemos que a escala das ilegalidades no acesso ao Rendimento Mínimo não tem comparação possível com a praticada pelos cidadãos em geral (fuga ao IVA) e pelas empresas (no mínimo, automóveis e outros gastos pessoais do empresário e família imputados à empresa), com os bancos à cabeça (caso BCP, caso BPN, Operação Furacão). Para não falar dos negócios em torno do futebol ou da conversão de terrenos rurais em urbanos.
Sobre este ponto dos preconceitos, e em memória da Leonor Vasconcelos Ferreira que estudou em profundidade estas questões, recordo que num artigo da revista Sociedade e Trabalho (nº 26, p. 116) se referiu às “situações de desvantagem cumulativa e de herança de pobreza, estranhamente toleradas na sociedade portuguesa.” [o destaque é meu]. De facto, toleradas também pelos decisores políticos porque na própria formulação e execução das políticas de redução da pobreza esses preconceitos não deixam de estar presentes e também ajudam a explicar a persistência das debilidades do nosso sistema de protecção social aí identificadas.
Num texto em co-autoria com o sociólogo José Madureira Pinto (Público, 21-03-2005) a questão foi ilustrada com muita clareza e vale a pena citar:
“Uma das frequentes e mais nefastas consequências da pobreza (sobretudo da pobreza crónica) é a destruição de disposições básicas para organizar o presente e planear o futuro, nomeadamente consumir regradamente, prever despesas ou poupar. É justamente por não terem acesso a rendimentos regulares e previsíveis que os mais pobres caem na armadilha dos pequenos consumos “irracionais” e “excessivos” face à magreza dos orçamentos ao seu dispor e que sucumbem ao “incompreensível” apelo para também eles usufruírem, por um momento, do que para os outros é trivial. Para muitos deles, aceder a uma prestação monetária regular é condição necessária, mas não suficiente, para (re)construírem o sistema de disposições de cálculo económico (que incluem uma relação equilibrada com o futuro) análogo ao dos cidadãos “normais”. Eis por que razão a condenação moralista da “irracionalidade” económica dos pobres contém a sua própria “irracionalidade”.”
3 comentários:
Um grande abraço de solidariedade.
Joaquim Armindo
Um grande abraço de muita solidariedade.
Joaquim Armindo
Um grande abraço de muita solidariedade.
Joaquim Armindo
Enviar um comentário