Na área dos fluxos financeiros internacionais, infelizmente até há pouco muito menos presente no debate público, a questão ainda é mais complicada e os impactos negativos potencialmente mais importantes. Nos países em vias de desenvolvimento e nos países ditos avançados. Não nos esqueçamos que Krugman apontou os controlos de capitais da China e da Índia como uma das razões explicativas para a sua resistência face à crise asiática. Não temos de aceitar a configuração das forças do mercado global que nos aparece à frente num dado momento histórico e não temos de nos limitar a desenhar políticas de compensação. Qual é a saída? Como diz Dani Rodrik, outro futuro Prémio Nobel, tudo depende do contexto. Gosto cada vez mais desta resposta: depende.


De qualquer forma, pelo menos desde os anos trinta que sabemos, como Miguel Madeira assinala, que a chamada economia neoclássica é muito mais aberta e flexível do que muitos pensam (a Escola de Chicago nunca teve o monopólio da coisa): afinal foi um economista neoclássico – Oskar Lange – a defender contra os heterodoxos austríacos – Mises e Hayek – a viabilidade teórica de uma economia socialista com mecanismos de mimetismo mercantil. Fica tudo mais baralhado e isto tem muito mais interesse. Lembremos o que se pode fazer com a «teoria do do second-best». Lembremos o paradigma da informação assimétrica. Lembremos os keynesianos neoclássicos. Embora por vias teóricas diversas, as suas conclusões em termos de política económica não se desviam muito das conclusões dos pós-keynesianos críticos. Embora, os últimos, na minha opinião, sejam mais bem interessantes na exploração dos desequilíbrios do sistema e das complexidades do comportamento humano e na incorporação de temas como a incerteza radical ou a não-neutralidade da moeda. Continuo a achar que as tradições neo-marxista, pós-keynesiana e institucionalista são mais interessantes e vão mais longe na identificação de mecanismos e de processos económicos cruciais, mas isto não me impede de apreciar o contributo dos economistas ditos neoclássicos e de aprender muito, mas mesmo muito, com eles. De Krugman a Rodrik. Há evoluções interessantes num paradigma dominante que parece estar em processo de esfarelamento metodológico e onde já nem sequer o individualismo metodológico é seguido de forma consistente (para outra oportunidade...).
Nota final. Pedro Lains acha que nós somos «o mais ideológico blogue sobre temas económicos». Quem diz ao que vem arrisca-se a este tipo de acusações. Sobretudo quando se é assumidamente de esquerda. Há aqui uma assimetria na Economia que é muito reveladora. Eu acho que Pedro Lains está obviamente a ser ideológico quando finge que não tem ideologia, ou seja, quando finge que a sua investigação e intervenção pública não são estimuladas e orientadas por um quadro de ideias e de valores sobre a forma como a economia pode e deve estar organizada. A tensão entre o pode e o deve até pode e deve ser fonte de conhecimento. Eu prefiro ser claro e transparente neste campo. Assim, e como já aqui defendi, talvez se reduza a influência do preconceito na investigação. Fica tudo mais controlado.
5 comentários:
Sim, digo isso e acho que é verdade. Mas devia ainda ter acrescentado que também acho que "vocês" são intelectualmente muito sofisticados e que por isso vale muito a pena discutir as ideias que defendem. Embora a muitas delas eu não chamasse Economia. Saudações amigas.
Bom post. Não sei se fui muito explícito, mas a minha ideia era precisamente esta: eu gosto de Krugman como colunista, e considero-o um homem de consciência de esquerda; não gosto tanto do Krugman académico, cujos resultados, porventura por estarem condicionados pela metodologia neoclássica, não serem o que ele precisaria para sustentar as suas posições políticas (basta ver a crítica académica dele àqueles que acreditavam que era possível escolher um conjunto de indústrias nascentes e apoiá-las estatalmente, no fim dos anos 90). Daí ele ter aberto uma segmentação para mim muito clara (e intransponível) entre a consciência de liberal e o trabalho como neoclássico.
Porque é preciso recomeçar a pensar (a menos que se pense que "a crise" foi um carnaval e já estamos em quarta-feira de cinzas...), permito-me interromper para sugerir Para uma economia política institucionalista .
Jon Stewart, do Daily Show - 700 mil milhões de dólares para os Bancos
Jon Stewart, do Daily Show, fala-nos do plano do secretário das Finanças, Henry Paulson, no valor de 700 mil milhões de dólares, para salvar a finança americana. Pelo meio, uma breve mas brilhante análise da situação por George Bush. Um curto vídeo que nos arranca um bom par de gargalhadas e que termina numa toada arrepiante:
Stewart: Com Wall Street em ruínas, o secretário Frankensteiniano das Finanças, Henry Paulson, correu a ajudar com um plano brilhante. Um plano governamental de 700 mil milhões de dólares para resgatar a indústria financeira. 700 mil milhões do vosso dinheiro.
Bem, 700 mil milhões de dólares é imenso dinheiro, será que o Paulson vai aceitar? Sim ele aceita mas só sob certas condições. Para o secretário Paulson aceitar o nosso dinheiro, as decisões dele têm de ser, e passo a citar:
- Não consultáveis e mantidas em sigilo, e não podem ser analisadas por qualquer tribunal ou organismo administrativo.
Ouçam, antes de darmos a um funcionário sinistro que nem sequer foi a votos 700 mil milhões de dólares para fazer o que lhe apetecer, há uma coisa que devem saber. Este guru financeiro foi apanhado de surpresa.
(Entrevista de Paulson na Fox News a 16 de Março deste ano - 2008):
Paulson: tenho imensa confiança no nosso mercado financeiro, nas nossas instituições financeiras, os nossos mercados são resistentes, são flexíveis. As nossas instituições e os bancos de investimento são fortes.
Stewart: Isto é que é ter visão! É a cabeça de Aquiles dele. Para mais informações vamos falar com o nosso analista John Oliver. Oliver, obrigado por estares connosco. Isto é espantoso... Um exemplo espantoso... Para esta Administração depois do Katrina, depois do Iraque...
Oliver: A prisão de Guantánamo?
Stewart: Sim, isso também nos colocou numa situação difícil…
Oliver: E a politização do sistema judicial?
Stewart: Sim, preocupante.
Oliver: O secretismo draconiano?
Stewart: Sim, está bem. Onde quero chegar é ao seguinte, nunca pensei que houvesse outra área onde estes tipos conseguissem dar barraca.
Oliver: Eu sei. E não foi fácil. Foi como tentar encontrar a veia num viciado em falhanços.
Stewart: Então... Isto é... Eu compreendo, quando a veia morre é difícil... Então esta crise económica é, digamos assim, a cobertura de bosta no bolo de merda desta administração?
Oliver: Muito bem… Duas coisas: primeiro, essa metáfora teve classe. E, segundo, não os dês por acabados, Jon. Ainda falta muito até Janeiro (de 2009).
Stewart: Então achas que ainda há mais para vir? O que é que resta para eles... desconseguirem, digamos assim?
Oliver: Bem, vejamos... Ainda tens casa? Sim? Bem, então aí tens. Os teus filhos tomaram o pequeno-almoço hoje de manhã?
Stewart: Tomaram, tomaram um bom pequeno-almoço.
Oliver: E foi alguma coisa que encontraram na rua?
Stewart: Estás a dizer que o Presidente só vai ficar satisfeito quando os miúdos americanos comerem animais atropelados?
Oliver: Quando lutarem entre si pelos animais atropelados. Quando os animais atropelados forem o prémio para os mais fortes.
Stewart: Mas... Porquê?
Oliver: O legado Jon. Ouve, todos sabemos que ele nunca será lembrado como o melhor Presidente. Mas ainda pode, se se esforçar bastante...
Stewart: Ser o pior?
Oliver: Ser o último!
Vídeo legendado em português:
Além da economia estamos a esquecer a Gestão, cujas práticas conduziram a este estado de coisas, e não tanto as teorias económicas.
Já esquecemos os ensinamentos de Peter Drucker, o chamado pai da gestão? Se assim é sempre nos resta Henry Minzberg, que há muito alertava para o que estava para vir.
A visitar: www.henrymintzberg.com
Enviar um comentário