Com a falência de quatro bancos europeus e a maior queda nas bolsas desde 1933, a última semana de crise financeira mostrou como a Europa não está imune ao efeito de contágio da derrocada financeira norte-americana e como a economia mundial está à beira de uma grave recessão.
O fim da ficção conveniente dos mercados eficientes e desregulados que tudo decidem por nós parece ser já uma realidade. No entanto, o sentido da mudança depende das respostas que a esquerda apresente de forma sistémica aos desafios globais, regionais e nacionais que se nos apresentam.
Parte da esquerda internacional tomou uma posição ingénua, ainda que intuitivamente atractiva, de recusar qualquer tipo de acção de salvamento do sistema financeiro internacional. Se foi graças à irresponsabilidade dos banqueiros que estamos nesta situação, por que razão devemos socializar as perdas privadas? Por que não se aplicam os recursos destinados aos bancos em usos socialmente mais desejáveis (saúde, educação)? A resposta está no papel central do sistema financeiro no capitalismo. Sem acesso imediato ao crédito, a economia mundial ficaria numa situação próxima à da grande depressão dos anos trinta, marcada pelo desemprego e pelo empobrecimento. É pois necessário que os governos ajam de forma rápida e coordenada para evitar o colapso do sistema financeiro. A ajuda de emergência não invalida a defesa de um plano de estímulo económico que valorize a economia real, como defendeu o prémio Nobel Joseph Stigliz. No entanto, tal plano só teria efeitos no médio e longo prazo.
Contudo, os contornos do salvamento do sistema financeiro podem e devem ser influenciados pela esquerda. Se a ajuda é urgente ela deve ser acompanhada por uma redefinição do papel do sistema financeiro na economia. As últimas décadas foram marcadas por uma viragem perversa nesta área. De canais de poupanças para o investimento, os bancos passaram a focar-se na expropriação financeira dos indivíduos seja através do crédito individual ao consumo (no caso português dominado pelo imobiliário), seja na sua influência crescente na pressão para a provisão privada de um conjunto de bens e serviços como a segurança social, saúde, educação e habitação aos indivíduos ou na pressão para que as empresas apresentem níveis de rendibilidade de curto prazo totalmente desfasados com as possibilidades da economia. Reverter o carácter rentista do sistema financeiro e colocá-lo ao serviço da economia real exige o desenvolvimento de um programa de esquerda à escala global, regional e local.
1 comentário:
Acho que Nuno Teles adia a "reforma esquerdista" para depois da crise e parece-me que terá de ser assim. Neste momento, a resposta tem de ser dada no actual plano de modelo económico, ou seja, o capitalismo precisa de crédito para estimular a produção então injecte-se dinheiro para que a engrenagem continue. No entanto, interessa também começar a pensar no pós-crise, era um sinal positivo ao mesmo tempo que se dá um balão de oxigénio ao capitalismo dizer que se tratam de cuidados paliativos e não de uma perpetuação de modelo. Acho que é preciso neste momento exigir a definição de modelo de mercado financeiro pós-crise, não podemos deixar que do sufoco da sociedade emerja um capitalismo artificialmente renovado.
Os mercados financeiros deviam ser veículos da economia, não o seu motor. A inflação nunca será verdadeiramente combatida enquanto se fingir que com "recriação artística" de produtos financeiros se esbate o problema. A inflação combate-se com um Estado presente, a especulação combate-se com informação detalhada. Por exemplo, quando é que se vai exigir que os custos de produção sejam informação disponibilizada ao consumidor? E porque não criar entidades reguladoras públicas que certifiquem isso mesmo? Custa dinheiro a criar entidades reguladoras, mas custa muito mais não as criar.
A exploração não tem fim, quem depende dos rendimentos do trabalho é o alvo constante dos orçamentos baixos para maximização do lucro, depois ainda tem de suportar a inflação especulativa do mercado imobiliário que não deixa alternativa se não a escravização por um bem que é fundamental...a habitação.
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