quinta-feira, 28 de março de 2024

Anti-Sarmento

Repesco um texto para recordar o viés anti-laboral de Joaquim Miranda Sarmento, o novo Ministro do Estado e das Finanças, e o seu desamor pelos factos básicos da economia sempre política.


Tendo 1999 como ano de referência, usando dados da Ameco, concretizando-se as previsões do Governo e, a partir delas, fazendo estes cálculos, no fim de 2024 a produtividade terá crescido 23,9% e os salários reais apenas 11,9%. A reversão desta injusta e economicamente perversa transferência de riqueza do trabalho para o capital está tão longe de acontecer que, no gráfico, acima, não se avista. 

Repetindo-me, se os salários reais aumentam, ou não, na mesma proporção da produtividade, depende da forma como evolui o conflito distributivo, da força relativa objetiva dos seus atores e da sua determinação volitiva, das circunstâncias políticas e institucionais de cada momento histórico. 

Com esta realidade socioeconómica em mãos, o PSD não se coibiu, contudo, de mais um eco patronal e, pela voz de Joaquim Miranda Sarmento, de se juntar ao indecoroso coro dos que, ignorando, descarada e demagogicamente, os factos apregoam que o “aumento dos salários depende da produtividade”. 

Conversa típica de uma certa direita que dispensa factos porque possui abundante financiamento para produzir a sua própria ‘verdade’ e controlar as, mal, chamadas redes sociais, assegurando a sua massiva disseminação. 

Como se sabe e se tem aqui recordado, o valor do PIB varia anualmente de acordo com as quantidades produzidas por trabalhador (produtividade) e com o seu preço (deflator do PIB/inflação). 

Assim sendo, manter constante o peso dos salários no PIB implica que estes salários sejam atualizados também de acordo com aquelas duas variáveis, produtividade e inflação. Ou seja, a variações de PIB nominal por trabalhador devem corresponder iguais variações de retribuição nominal por trabalhador. 

Em alternativa, com igual resultado, podem deflacionar-se simultaneamente PIB e salários, ou seja, expurgar estas variáveis do efeito da inflação, obtendo-se assim PIB real por trabalhador (produtividade) e remuneração real por trabalhador, variáveis que também têm de evoluir de modo igual para que o peso dos salários no PIB se mantenha. 

Quando, no fim do século passado, o país renunciou à sua soberania monetária (e consequentemente, também à orçamental) e aceitou um, passe a repetição, quadro regulatório neoliberal e pós democrático que, de modo automático, quando não passivamente golpista, impõe um ajustamento regressivo, o peso da remuneração ajustada do trabalho no PIB situava-se em cerca de 60%. 

A partir dali,  acompanhando, é certo, um padrão que se generalizou nas economias capitalistas mais desenvolvidas, a parcela de riqueza produzida no país e usada para remunerar o trabalho diminuiu fortemente e alcançou o seu valor mais baixo deste século, 51%, em 2016. Em 2023, o governo assume, implicitamente, que esta variável se situa nos 53,4% e prevê 54% para o fim de 2024.

Nessa altura, no fim de 2024, estarão ainda por recuperar 6 dos 9 pontos percentuais que o peso das remunerações (ajustadas) do trabalho no PIB perdeu desde a transição de milénio. 

Desmontar propaganda, questionar os termos da participação nacional na distopia que revelou ser a zona Euro, derrotar a direita e a extrema-direita, robustecer a esquerda à esquerda do PS. Nos próximos tempos, a meu ver, é disto que, essencialmente, vai depender uma evolução salarial justa no nosso país, uma evolução que garanta a justa repartição do rendimento entre trabalho e capital.

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