sexta-feira, 15 de março de 2024

Assumir os programas, respeitar as escolhas


«Não vale mesmo a pena esperar que haja partidos à esquerda, inclusive o PS, que viabilizem o orçamento do PSD. E não tem só a ver com a questão do Pedro Nuno Santos, com o facto de ter um líder mais à esquerda. Qualquer líder do PS, que tenha um mínimo de respeito pelo Programa do PS, pode votar ao lado do PSD em várias coisas, muitas coisas. (…) Mas há coisas que são muito diferentes mesmo. Seja no que respeita à política de saúde, à política de educação, ou à questão fiscal – que num orçamento é crucial – as medidas são mesmo muito diferentes. E mais, o PSD não vai para o governo sozinho, vai com o CDS e vai com a Iniciativa Liberal (IL). E quando chegamos à IL, qualquer proposta que a IL aceite do ponto de vista orçamental é incompatível – não com o PCP, com o Bloco ou o PS – é com o próprio Livre.
(...) A esquerda e direita não é uma mania. Esquerda e direita não é uma coisa que as pessoas dizem porque têm necessidade de ter pertenças identitárias. Vamos lá olhar, em concreto, para aquilo que são os programas. O programa fiscal da AD, sendo o mais moderado à direita, é, em todos os casos, um programa regressivo do ponto de vista da evolução do sistema fiscal. Os programas de todos os partidos de esquerda, do PS ao Livre, passando pelo Bloco e pelo PCP, do ponto de vista fiscal, aumentam a progressividade. Todos os da direita aumentam a regressividade. Para quem não sabe o que é isto, significa que todos os partidos de direita defendem uma evolução fiscal que diminui impostos sobre os mais ricos ou sobre quem tem mais lucros, e todos os programas da esquerda resistem à diminuição de impostos sobre quem tem mais lucros e aumentam os impostos a quem é mais rico. Todos.
Em relação à habitação, todos os programas da direita dizem que a solução para os problemas da habitação em Portugal é desregulamentar, reduzir a fiscalidade sobre tudo o que tem a ver com o imobiliário e com a construção e criar PPP para a habitação. Todos os partidos da esquerda, todos sem exceção, dizem que a solução é limitar a atualização das rendas, cortes nos benefícios fiscais ao imobiliário, ao alojamento local e aos residentes não habituais e um investimento na habitação pública. O contrário do que dizem os programas da direita. Na saúde, todos os partidos da direita, todos sem exceção – AD, Chega, IL – dizem que é preciso mais recursos para os serviços privados da saúde e mais PPP. Todos os programas da esquerda dizem que é preciso reduzir a externalização das atividades do Serviço Nacional de Saúde para os privados, e todos dizem que a resposta passa pela revisão das carreiras e pela valorização salarial dos profissionais de saúde.
(…) Não há partido nenhum, espero eu, que, à esquerda e à direita, não seja capaz de, quando há problemas que têm que ser resolvidos, os resolver. Agora, nós não podemos inventar aqui falsos acordos. Para mim seria um choque que partidos que se apresentam a eleições com os programas que eu acabei de descrever, quando chegasse o momento de tomar decisões, que são fundamentais para a nossa vida coletiva – e que têm que ver com visões diferentes sobre como se governa o país – de repente dissessem eu vou fazer uma coisa diferente daquilo que eu propus.
»

Ricardo Paes Mamede, na última edição do «Tudo é Economia» (RTP3), que vale a pena ver na íntegra.

2 comentários:

Anónimo disse...

O que a direita defende é desigualdade o que vai obviamente contra o espírito e a lei da constituição portuguesa.

João Martins disse...

A outra com a "esquerda democrática"! Ainda bem que ele não se esqueceu de lhe responder à letra...