terça-feira, 5 de março de 2024

Razões


Domingo é dia de dar uma vitoria à esquerda. Porque esse é o melhor caminho para o país e para quem nele vive. Porque acreditamos que é o melhor para garantir serviços públicos de qualidade, educação, saúde, habitação, acessíveis a todos. A esquerda garante-nos uma aposta mais certeira na economia, na inovação, na ciência. Garante-nos políticas que finalmente se focarão na emergência climática, porque sabemos bem que neste assunto, os partidos não são todos iguais. A esquerda garante-nos que não teremos um retrocesso nos direitos sociais, nem um sistema fiscal que apenas beneficia os mais ricos.

Mas tudo isto, por vezes, corre o risco de ser demasiado impessoal. Vou falar-vos do verdadeiro motivo concreto porque voto à esquerda no próximo domingo.

Eu voto à esquerda pela minha melhor amiga. Ela é Técnica Superior de Diagnóstico e Terapêutica (TSDT) num Hospital Público em Lisboa, já com 9 anos de experiência. Tem um trabalho daqueles que nunca parou com o COVID-19, sinal inequívoco da sua importância social.

Trata pessoas com cancro. De crianças a idosos. Um trabalho particularmente duro, física e emocionalmente. Faz questão de se lembrar de todos e cada um dos doentes que lhe passam pelas mãos. Trata-os com a verdadeira dedicação de quem faz um serviço público, que vê todos como iguais, mas com atenção e respeito pelas dificuldades, pelos medos, pelas angústias de cada doente e das suas famílias. Sempre com um sorriso que, tenho a certeza, é um agente de esperança para pessoas em fases tão difíceis das suas vidas. É nela que penso quando ouço falar em “criar valor”.

Ao fim destes anos, não passou ainda da base da carreira. Não ganha o suficiente para viver condignamente na cidade onde trabalha e gasta uma pequena fortuna por umas águas-furtadas numa casa partilhada. É nela que penso quando dizem que “nem toda a gente pode viver em Lisboa”.

Assim, apesar da inequívoca importância do seu trabalho, vive a gerir um magro salário. Há uns anos teve problemas dentários. Como a medicina dentária não é provida convenientemente pelo SNS, teve de pagar tudo do bolso dela, deixando-a em dificuldades. Por isso, é nela que penso quando vejo constantes ataques ao SNS.

Atualmente, para conseguir poupar alguma coisa, aceita fazer umas horas num segundo trabalho, no setor privado, pelo que chega à noite estafada. Logo, também é nela que penso quando ouço falar em “sair da zona de conforto”. Com esta experiência, ela ganhou a plena consciência do muito superior trabalho feito no setor público.

Vê, todos os dias, as suas e os seus colegas a desanimar. Afinal, nada disto é um exclusivo dela, nem do serviço dela, nem sequer daquele hospital. Uma das colegas até fez um estudo sobre o assunto. A frustração e o sentimento de desvalorização do seu trabalho são transversais. Note-se que há anos que os TSDT lutam pela valorização da sua carreira, empatada, primeiro pelo Governo, e agora, pelas próprias administrações hospitalares. Na sua luta, são estas pessoas que lutam por um SNS de qualidade para todos.

Se as chefias ou o governo não os valorizam, a maior valorização que têm é a dos doentes e seus familiares. Esses agradecem todos os dias. Levam doces e sorrisos. Voltam, de visita, meses ou até anos depois com a gratidão de quem foi tratado com carinho, com tempo, com respeito, com dedicação.

Ela sabe que a direita apenas lhe acena com migalhas de descidas de impostos, que beneficiam comparativamente muito mais os mais ricos, com promessas vãs enquanto põem em causa todos os serviços públicos, toda a redistribuição de riqueza, todos os direitos conquistados, a custo, com abril de 1974.

Então, ela também sabe que o necessário é um “choque salarial”, uma verdadeira valorização de quem trabalha, uma valorização dos serviços públicos que são nossos, uma opção clara pelos direitos de cidadania que são a saúde, a educação, a habitação, para todos. Então ela sabe em quem irá votar, e com ela, eu sei também.

Falo da minha amiga, mas todos conhecemos alguém que podemos rever, de uma forma ou de outra, naquilo que descrevo. Se não for no setor da saúde é no da educação, é na agricultura, é na indústria, é nos serviços. Se não for no setor público, é no privado. Ou desempregados, idosos, doentes ou crianças. Conhecemos quem é mal pago, quem não consegue uma habitação condigna para viver, quem tem de aceitar trabalhar demasiadas horas perdendo a sua saúde física e mental, quem é precário, quem não tem perspetivas de futuro.

Perante as dezenas de casos concretos que todos conhecemos, muito mais concretas se tornam as políticas que necessitamos. No fundo, uma política para todos, e para isto não há alternativa: o voto útil é o voto à esquerda.

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