segunda-feira, 18 de março de 2024

Alguma água na fervura dos resultados eleitorais


Uma semana depois das eleições legislativas, este título pode parecer estranho. Embora ainda faltem contar os votos dos emigrantes, com a derrota do PS e o aumento da votação da direita, tudo indica que teremos um governo liderado pelo PSD e apoiado pela IL e pelo CH. Além disso, já há 48 deputados da extrema-direita com lugar garantido no Parlamento nesta legislatura e esse número ainda pode subir. Os programas destes partidos deixam antever uma governação de aprofundamento das desigualdades. É precisamente por isso que os resultados têm de ser lidos com a frieza necessária.

O que é que os resultados nos dizem?

A maior surpresa das eleições foi a enorme afluência às urnas: a taxa de abstenção foi de 33,8%, o valor mais baixo das últimas três décadas. É preciso recuar a 1995 para encontrar uma eleição onde a abstenção fosse tão baixa. A diminuição foi expressiva face às últimas eleições de 2022, em que a taxa de abstenção tinha sido de 48,6% (sendo que ainda falta apurar os votos dos círculos do estrangeiro).

A Aliança Democrática – coligação entre o PSD, o CDS e o PPM – foi a força política com mais votos. Mas a votação que obteve, contando com a Madeira – 29,49% – é inferior à soma das votações de PSD e CDS nas últimas eleições legislativas, em 2022 (30,89%). Ou seja, a AD conseguiu ganhar as eleições com uma percentagem de votos inferior à das últimas, nas quais tinha perdido para um PS com maioria absoluta.

O PS é o partido com a maior quebra: face às eleições de 2022, perdeu cerca de 486 mil votos e passou dos 41,68% obtidos há dois anos, que lhe deram maioria absoluta no parlamento, para 28,66% este ano. Por oposição, o CH foi o partido que mais cresceu, ganhando cerca de 723 mil votos e passou de 7,15% para 18%.

Os dados disponíveis sugerem que o crescimento do CH está associado à diminuição da abstenção: o aumento da taxa de participação foi semelhante ao aumento de votação do partido na maioria dos concelhos. A análise de dinâmicas de transferência de voto entre partidos requer mais dados qualitativos (que só podem ser obtidos através de entrevistas), mas há sinais que apontam para que possa ter havido pessoas que mudaram o seu voto do PS para o CH.

  

O que é que os pode explicar?

Ao longo da última semana, foram várias as tentativas de explicar os resultados eleitorais. Esse trabalho tem de continuar a ser feito, uma vez que ainda estamos longe de saber explicar tudo. Apesar disso, há motivos conjunturais e estruturais que ajudam a explicar a quebra tão expressiva da votação do PS e a ascensão da direita.

O desgaste de oito anos de governação do PS seria o candidato mais óbvio, se não estivéssemos a falar do mesmo partido que, há apenas dois anos, conquistou uma maioria absoluta. É, aliás, nessa maioria absoluta que se encontram fatores conjunturais que devem ter importância neste resultado: a sucessão de demissões nos primeiros meses do governo e a queda do governo por suspeitas de corrupção (independentemente da fragilidade jurídica ou conveniência política dessas suspeitas) ajudaram a reforçar a desconfiança face ao governo.

A popularidade ganha com a gestão da pandemia perdeu-se com a maioria absoluta e o receio do CH já não funcionou a favor do PS desta vez. Pelo contrário, o descontentamento das pessoas face a promessas eternamente adiadas parece ter motivado um voto de protesto. É aqui que entram fatores estruturais: o sub-investimento público sistemático, que caracterizou a governação do PS, descredibilizou a atuação do Estado. A diferença entre o investimento que era prometido no Orçamento do Estado e o que era realmente executado no final do ano foi sempre grande, mas acentuou-se nos dois anos da maioria absoluta. Depois de todas as promessas de que o mundo pós-pandemia seria diferente, os investimentos eternamente adiados parecem ter custado caro.

Nem o PSD, com uma campanha colada a nomes de má memória (Passos Coelho e Cavaco Silva) e uma aproximação ao discurso da extrema-direita em temas como a imigração, nem a IL, que continua a tentar convencer o país de que o choque fiscal não é só para os mais ricos mas só reúne com CEOs, conseguiram mobilizar o descontentamento. Quem ganhou verdadeiramente foi o CH, que cresceu em todos os distritos. E é muito difícil traçar um perfil de um eleitorado tão diverso, que abrange ex-eleitores da direita tradicional, ricos saudosistas da ditadura, mas também muitos excluídos do modelo económico dos últimos anos e boa parte dos jovens.

O que é que falhou à esquerda?

À esquerda, o Bloco ganhou votos e manteve os 4,46% que obteve em 2022, enquanto a CDU perdeu e passou de 4,3% para 3,3%; o Livre cresceu sobretudo nos centros urbanos, ficando com 3,2%. No rescaldo dos resultados eleitorais, houve quem, à esquerda, se apressasse a apontar as culpas aos partidos de esquerda – nomeadamente, ao Bloco e ao PCP – pelo insucesso em captar boa parte do voto de protesto (exemplos aqui e aqui). Os argumentos utilizados variam entre (1) BE e PCP diabolizaram os eleitores do CH em vez de os ouvir; (2) BE e PCP não perceberam (e não quiseram perceber) o descontentamento das pessoas; e (3) BE e PCP tornaram-se obsoletos e, por isso, dispensáveis.

É natural que a frustração dê lugar a reações a quente. Todos estamos desiludidos com o desfecho das eleições e a perspetiva de um governo de direita apoiado (formal ou informalmente) pela extrema-direita é angustiante. No entanto, face a um resultado tão negativo para o conjunto da esquerda, vale mesmo a pena tirar algum tempo para refletir sobre o que se passou, para que o desapontamento natural não nos faça perder de vista aspetos importantes.

O primeiro argumento é o mais frágil. Basta uma rápida pesquisa para encontrar discursos de Mariana Mortágua (aqui) e Paulo Raimundo (aqui) sobre a importância de responder às preocupações de quem se sente desiludido com a governação. Se olharmos para a campanha sem ideias pré-concebidas, o que vemos é que nenhum dos partidos de esquerda “diabolizou” eleitores e, pelo contrário, todos procuraram ir ao encontro destes.

O segundo argumento é mais subjetivo e, por isso, merece mais atenção. Parece basear-se na crença de que os votos seriam facilmente captados pela esquerda se simplesmente ouvisse as preocupações reais das pessoas. É difícil argumentar que os salários, os preços da habitação, a precariedade e o acesso a cuidados de saúde – os temas que tiveram destaque na campanha de BE e PCP – não estejam entre as preocupações da maioria das pessoas. É difícil argumentá-lo sobretudo porque é isso que as pessoas dizem, como mostram alguns inquéritos recentes. Também é difícil argumentar que não houve esforço para transmitir as propostas sobre estes assuntos, tendo em conta as dezenas de deslocações a empresas, locais de trabalho, transportes públicos, ou a participação em greves por melhores condições de trabalho ao longo da campanha, numa escala que nenhum outro partido replicou.

Há várias razões pelas quais a esquerda não é capaz de captar votos entre os descontentes. Há temas de que a esquerda tem falado há vários anos e que nunca mobilizaram uma percentagem tão grande da abstenção. É difícil achar que essa mobilização não ocorreu, também, devido aos temas que o CH abordou de forma mais agressiva – do medo da imigração e da criminalidade à perceção de corrupção generalizada – e às propostas mais sonantes – como a de agravar as penas ou a de atacar direitos dos imigrantes. É preferível que se reconheça que o trabalho que a esquerda tem pela frente neste campo é de longo prazo. É isso que a tendência de todos os outros países da Europa ocidental, à qual Portugal está a chegar agora, sugere.

Há aspetos que contribuem decisivamente para o crescimento da extrema-direita (CH) e da direita ultra-liberal (IL) face aos quais a esquerda não tem capacidade de disputa: o financiamento por parte dos mais ricos e o espaço desproporcional que ocupam nos meios de comunicação. O enviesamento do comentário televisivo, dominado pela direita apesar da sua menor representação eleitoral, já vinha de trás. Como notou Ana Drago, “qualquer partido que ocupasse o tempo mediático que o CH tomou nos últimos quatro anos, ao ser apresentado na comunicação social como o principal polo de protesto, […] duplicava a sua votação”. Apesar de BE e PCP já terem sido os partidos mais votados a seguir a PSD e PSD, nunca um partido de esquerda mereceu este tratamento privilegiado da comunicação social.

A isso juntou-se a aposta em estilos comunicacionais muito mais agressivos, tanto no ataque ao Estado, aos impostos e aos serviços públicos (do lado da IL), como no ataque às minorias (do lado do CH), contando com financiamento dos mais ricos do país. Sendo verdade que a disputa nas redes sociais é feita num campo claramente inclinado, que favorece o discurso de ódio e as mentiras ou teorias da conspiração, também é verdade que a direita apostou de forma bem-sucedida em campos onde a esquerda se atrasou, como o Youtube.

A importância da esquerda

Há aspetos estruturais que também não podem ser ignorados na análise da esquerda para lá destas eleições. Desde que Portugal saiu do programa de ajustamento da Troika, o modelo de crescimento do país e a recuperação do nível de emprego estiveram sobretudo assentes na expansão de setores de baixo valor acrescentado, como o turismo. Este modelo pode gerar ganhos no curto prazo, mas tem problemas de fundo: os baixos salários e a precariedade em que assentam o turismo e os serviços associados.

Este processo não foi independente das opções governativas. A expansão do turismo foi potenciada por uma série de políticas destinadas a atrair o investimento estrangeiro, entre vistos gold, benefícios fiscais do regime de residentes não habituais e benefícios fiscais a fundos de investimento, além da liberalização do mercado de arrendamento. Com o aumento expressivo da procura externa, os preços da habitação cresceram muito acima dos salários de quem trabalha no país.

A monocultura do turismo e do imobiliário criou emprego e ajudou a mascarar a fragilidade da economia, mas traduziu-se no fraco crescimento dos salários, num elevado peso da precariedade e numa crise da habitação que agravou o custo de vida para muitas pessoas. Ao contrário do que o PS procurou transmitir, na última década não houve nenhum milagre económico no país.

Além disso, uma década de sub-investimento crónico nos serviços públicos, com sucessivos anúncios que nunca saíram do papel, descredibilizou a atuação do Estado. É difícil convencer as pessoas de que as propostas da esquerda para o SNS ou os transportes públicos são viáveis quando a prática dos últimos governos lhes sugere que as promessas não se concretizam. A responsabilidade do PS neste processo de descredibilização do investimento público é evidente.

Isso leva-nos ao terceiro argumento referido acima: o de que os resultados de BE e PCP os tornam obsoletos, sobretudo por oposição ao Livre. Passando à frente o facto de a política ultrapassar largamente os trabalhos parlamentares e a importância da implantação que ambos os partidos têm nos sindicatos e nos movimentos sociais, há outros motivos para desconfiar desta conclusão. Nas zonas em que se concentram os excluídos deste modelo económico – periferia das áreas metropolitanas, para onde são empurrados todos os que não conseguem pagar uma casa na cidade onde trabalham, e o Algarve ou o litoral alentejano, onde os efeitos perversos da expansão do turismo são mais notórios – o Bloco obteve alguns dos seus melhores resultados.

Há razões programáticas que podem explicar esta tendência. Uma análise aos programas dos partidos permite-nos perceber que há semelhanças e diferenças importantes nas propostas. O caso da habitação é talvez o exemplo mais paradigmático. BE, PCP e Livre convergem quanto à necessidade de acabar com os benefícios fiscais para fundos imobiliários e com a necessidade de promover a construção e reabilitação pública para aumentar a oferta a custos acessíveis. No entanto, também há diferenças substanciais: BE e PCP defendem limitações à procura externa (seja de fundos imobiliários ou não-residentes que procuram casas para especular) e restrições ao Alojamento Local ou a novos empreendimentos turísticos em zonas de pressão habitacional, ao passo que Livre e PS não o fazem e optam por defender que o Estado ofereça garantias aos bancos ou financie uma parte do valor de compra das casas.

Esta diferença parece revelar uma tentativa de responder à crise da habitação sem enfrentar os interesses dos proprietários. Foi esse, de resto, a orientação da maioria absoluta do PS com o programa “Mais Habitação” (analisado pela Ana Santos aqui e pelo República dos Pijamas aqui). No entanto, dificilmente se combate a crise da habitação sem limitar de forma séria a procura externa especulativa e a expansão desenfreada do turismo que fizeram com que os preços disparassem. A verdade é que muitos dos problemas que enfrentamos são problemas de distribuição desigual dos recursos. E o combate às desigualdades – nos salários, no acesso à habitação e noutros campos – exige que se escolham lados.

É provável que a tendência para evitar estes conflitos e a abertura para negociar revisões constitucionais com PSD e IL (sem que se saiba que áreas seriam revistas e com que objetivo) tenham rendido ao Livre muitos votos ao centro e à direita, podendo ajudar a explicar uma parte significativa do seu crescimento em Lisboa e no Porto num contexto o PS sofreu um forte desgaste e em que a IL perdeu votos na capital. Também é bastante provável que esta não seja a fórmula para travar o crescimento da extrema-direita, porque não se dirige ao seu eleitorado. Mesmo com toda a reflexão e autocrítica necessárias, a importância da esquerda nunca foi tão grande.

8 comentários:

Lowlander disse...

Concordo largamente com muito do que escreve neste pequeno ensaio.
Tenho apenas um pequeno reparo a fazer: PSD+CDS+PPM reduziram proporcoes relativas do voto de 2022 para 2024 devido a quebra vertiginosa da abstencao mas ganharam, em termo absolutos, votos: cerca de 170.000.

Nao se pode compreender os fenomenos subjacentes a estes resultados eleitorais sem um conhecimento de como funciona a arquitectura institucional da UE realmente existente na construcao e manutencao da hegemonia intelectual do neoliberalismo europeu.
A UE e uma fabrica de neo-fascistas.

Carlos Antunes disse...


"Os dados disponíveis sugerem que o crescimento do CH está associado (...) mas há sinais que apontam para que possa ter havido pessoas que mudaram o seu voto do PS para o CH."
No Alentejo (Évora e Beja) o crescimento do CH também foi devido à transferência de votos do PS, ou não terá sido antes do PCP para o CH?

Afonso Miguel disse...

Caro Vicente

Recomendo a leitura deste texto de Thomas Fazi sobre os problemas da "lifestyle left" a partir do livro de Wagenknecht, ex-lider e dissidente do Die Linke ( https://www.compactmag.com/article/the-curse-of-lifestyle-leftism/ )

A crítica é já antiga no contexto nacional, mas parece ganhar nova centralidade depois dos resultados de 10 de março.

Entre outros aspetos, chama a atenção para a ausência de um discurso concreto sobre a imigração, deixando - se o monopólio da discussão à extrema-direita.

Aqui destacam-se, a meu ver, três contradições essenciais à esquerda:

- se o estado-nação é, do ponto de vista económico e cultural, o seio donde pode emergir a resistência ao capitalismo, porquê insistir no globalismo e na livre circulação de capitais e pessoas entre fronteiras?

- se a esquerda critica a "expansão de setores de baixo valor acrescentado, como o turismo", como o Vicente diz no texto, onde se emprega sobretudo mao de obra barata estrangeira - como se explica a posição de Mortagua que disse que precisamos dos imigrantes pois estes são "indispensáveis" a essas mesmas atividades, onde parece por um lado defender esse setor;

- apesar do quase pleno-emprego, os efeitos nos salários não se fazem sentir porque existe um 'exercito de desempregados' fora de fronteiras. Não devia a esquerda opor-se a isso? Desde o Brexit os salários nas regiões rurais tiveram um aumento de ~25% muito em parte devido às restrições migratorias

Nao me passa aqui pela cabeça apelar à adoção pela esquerda das bandeiras da extrema direita, mas antes contribuir para a construção de uma posição mais sólida e coerente sobre esta questão e que responda realmente aos anseios dos trabalhadores.

Um abraço e obrigado por todos os textos escritos aqui, no 74 e no LMD, de que sou assíduo leitor

Anónimo disse...

É quase ao contrário do que diz o Lowlander: PSD+CDS+PPM ganharam, em termos absolutos, votos (na verdade, cerca de 147 mil) de 2022 para 2024 devido à quebra vertiginosa da abstenção, mas reduziram as proporções relativas do voto (na verdade, de 30,89% para 29,50%, no território nacional; V.F. esqueceu a insignificante percentagem do PPM na Madeira).

Já vai sendo tempo de se acabar com este analfabetismo político na esquerda portuguesa. O que traduz a representatividade dos partidos não são os respetivos votos, mas a sua relação com o total de votantes. Isto é, a sua percentagem. Neste aspeto, é correta a exposição que faz V.F.

Já o mesmo não se pode dizer de Mariana Mortágua, que realçou o aumento de votos para disfarçar a exata manutenção da força eleitoral do seu partido.

A esquerda portuguesa teve um resultado arrasador. BE e CDU consolidaram-se, eleitoralmente, como pequenos partidos. Que, segundo os diferentes limiares estabelecidos, não teriam qualquer representação parlamentar em numerosos países da Europa (e mesmo de alguns da UE).

O resultado do BE foi muito mau. O resultado da CDU, que baixou a sua percentagem, foi péssimo. Não há que esconder isso.

Anónimo disse...

Os governos são títeres e até podem ser dispensados!

Os resultados das eleições antecipadas de 10 de Março deixaram muito claro o repúdio do povo português às políticas que conduziram as suas vidas a uma degradação crescente, que se traduz na inexistência dos direitos mais básicos, como a saúde, a habitação e mesmo, o não acesso a bens alimentares, obrigando a escolhas cada vez mais apertadas.

E esta é a realidade que os partidos que estiveram até hoje no poder criaram, pela qual são responsáveis.

A verdade é que após quatro meses de campanha eleitoral contínua, cheia de promessas que supostamente seriam a resposta às sucessivas crises dos governos nacional e regionais e que os próprios criaram, da devassa de milhões de euros em campanhas de propaganda e manipulação, de autênticas feiras de ofertas, a instabilidade governativa vai continuar, com o anúncio antecipado de uma nova crise!

Nem o PS nem a AD venceram estas eleições (talvez o Costa seja efectivamente, o vencedor)! Ambos ficaram reféns das promessas que fizeram, sendo obrigados a estabelecer um pacto: eu não faço alianças e tu também não fazes, pensando que, para já, este contrato lhes salva a pele e a face. Neste contexto, as muletas do PS que se preparavam para, mais uma vez, se sentarem à mesa do orçamento, negociando com o PS, manietando os trabalhadores, ficaram sem o pouco chão que tinham e o mais que se verá.

Como se poderia pensar que a velha estratégia do voto útil ia resultar, quando não se vê diferença nas propostas apresentadas?

A estratégia do voto útil resultou no reforço da extrema direita! E de quem é a responsabilidade?

Foi a arrogância sobretudo do PS e de parte da intelectualidade burguesa, dita de esquerda, cujas análises se fazem mais a partir das suas barrigas do que do cérebro, que empurraram os portugueses para posições que, à primeira leitura, se apresentam como irracionais.

(Artigo identificado se for caso disso)

Vicente Ferreira disse...

Obrigado pelos comentários. Lowlander: concordo que os constrangimentos de pertencer à União Europeia - e, sobretudo, ao Euro - têm uma grande influência na política económica seguida nos últimos vinte anos.

Carlos Antunes: a análise rigorosa sobre transferência de votos é feita através de inquéritos às pessoas e o que os estudos mais recentes (como o que é citado) nos dizem é que a transferência de votos terá sido sobretudo do PS (que perdeu quase meio milhão de votos face a 2022). Os exemplos que deu são úteis: em Beja, em 2015, o PCP obteve 18,5 mil votos e, este ano, obteve 11,5 mil. Perdeu 7 mil votos neste período. O CH, que não existia em 2015, obteve 16,5 mil votos este ano. O padrão é muito semelhante ao de Évora. A quebra do PCP não explica o enorme crescimento do CH.

Afonso Miguel: neste momento, os imigrantes são indispensáveis em vários setores (limpezas, cuidados, atendimento ao cliente, etc.). Não acontece apenas no turismo. Por isso, reconhecer a importância da imigração face ao declínio demográfico do país não é incompatível com uma visão crítica da expansão excessiva de atividades como o turismo. Não conheço os dados sobre o Brexit mas tenho muitas dúvidas de que políticas de restrição da migração resultem (e não acabem por promover, pelo contrário, a imigração ilegal e sem direitos). Penso que a resposta da esquerda passa por defender melhores condições salariais e laborais para todos, com fiscalização para impedir que os imigrantes sejam explorados.

Lowlander disse...

@ Anonimo de 19 de março de 2024 às 16:50

Tem razao em relacao a variacao do numero absoluto de votos do PSD+CDS+PPM. Quando fiz um calculo algo descuidado dessa variacao nao contei com os votos das regioes autonomas.

Dito isto, a hipotese de esses votos extra resultarem preponderantemente de uma mobilizacao do voto abstencionista nao e nem convincente de um ponto vista intelectual nem de um ponto de vista empirico:
- Nunca alguem vislumbrou em Montenegro carisma para mobilizar novo eleitorado ou eleitorado jovem, muito pelo contrario.
- O PS perdeu alguma coisa como 500.000 votos - para algum lado terao ido...
- Nao se observa correlacao significativa a nivel distrital entre o voto PSD+CDS+PPM e reducao de abstencao, correlacao essa muito significativa no caso do Chega.

Bem vistas as coisas, e bem estupida.

Quanto a sua tirada sobre o "analfabetismo politico na esquerda portuguesa", concerteza pensou ao escrever esta boutade que demonstrava um certo grau de sofisticacao na sua prosa... azar dos Tavoras, revela apenas iliteracia

E entao quando se debruca sobre a representatividade parlamentar, numa democracia representativa obviamente traduz uma proporcao dos votos no universo eleitoral. Isto e uma lapalissada que ninguem disputa.
Mas suscita sorriso, ver o anonimo perorar sobre banalidades deste calibre como se tivesse descoberto a polvora enquanto faz de conta que essa representatividade e uma misteriosa caixa negra de onde sai uma percentagem... materializa-se ali um numero como que por magia...

Ironicamente o anonimo responde a fantasia por si criada do tal "analfabetismo politico da esquerda" no mesmo paragrafo com uma bem real, pessoal e instransmissivel demonstracao de analfabetismo matematico. E que a representatividade parlamentar depende de percentagens, e percentagens sao... fraccoes! Ha um numerador - os votos. Ha um denominador - o universo eleitoral.
E bem sabido que os grandes partidos eleitorais, especialmente em campanha, gastam mais tempo e recursos a manipular o denominador do que o numerador (porque a partir de uma certa escala de accao politica democratica torna-se bem mais facil e economico convencer um eleitor de um adversario a desistir de votar ao inves de o convencer a votar em nos).
No entanto subsiste a tal chatisse - matematica - percentagens sao fraccoes, nao ha mesmo forma de evitar isso, sem numerador, nao ha percentagem que chegue para a tal representatividade parlamentar (relembro o anonimo que em 2022 foi esse o problema do CDS por exemplo... o denominador ate era baixo, mas o numerador foi tao baixo que o CDS deixou de precisar de pagar bandeirada aos taxistas por dois anos fiscais...)


Lowlander disse...

Caro Vicente Ferreira,

"Não conheço os dados sobre o Brexit mas tenho muitas dúvidas de que políticas de restrição da migração resultem (e não acabem por promover, pelo contrário, a imigração ilegal e sem direitos).

Tem o exemplo do Japao.
Os efeitos secundarios das restricoes de imigracao no Japao sao/foram uma tendencia para a estagnacao do PIB enquanto as taxa de natalidade e mortalidade nao se equilibram (envelhecimento populacional) - populacao envelhece reduzindo a forca de trabalho mas o Japao embarcou num processo de automatizacao e aumentos de produtividade por forma a compensar essa perca resultando em estagnacao economica.

"Penso que a resposta da esquerda passa por defender melhores condições salariais e laborais para todos, com fiscalização para impedir que os imigrantes sejam explorados."

Eu penso que o Afonso Miguel tem aqui alguma razao nesta critica. Como o Joao Rodrigues ja mencionou neste blogue muitas vezes, a democracia so e possivel a uma escala nacional PORQUE so a escala nacional e possivel desenvolver uma nocao de "povo", de pertenca, de estarmos todos no mesmo barco - condicao fundamental para legitimar o processo democratico para escolher quem dirige o pais.
A imigracao, quando nao gerida, mina essa nocao de "povo".
Como diz o Joao Rodrigues, nacionalismos ha muitos. A esquerda nao pode continuar este abandono deste debate - politico - nas maos da direita. A esquerda nao pode ter medo de defender o seu proprio nacionalismo, ou arrisca contradicoes insanaves na sua narrativa de como a politica economica funciona.
A consequencia desta abdicacao sera uma tragico exemplo paradigmatico daquilo que Voltaire criticou em Leibnitz, isto permitir a construcao do pior nacionalismo de todos os nacionalismos possiveis.