sexta-feira, 1 de março de 2024

Nem tudo o que brilha é ouro: porque devemos evitar o regresso dos vistos gold

 

Desde que os vistos gold foram eliminados, o assunto parecia arrumado. No entanto, a direita trouxe-o de volta ao debate público. António Leitão Amaro, vice-presidente do PSD, admitiu reintroduzir os vistos gold e “melhorar mecanismos”. Amaro criticou a revogação deste regime e dos benefícios fiscais para residentes não-habituais, uma decisão que considerou “um absurdo e um disparate” por “pôr em causa a proteção da confiança dos investidores estrangeiros”. Em relação aos vistos gold, o dirigente do PSD diz que “podia e pode haver um melhoramento dos mecanismos para o dirigir para apoiar na satisfação de falhas do mercado”. O CH propõe o regresso dos vistos gold no seu programa eleitoral. Como os partidos de direita querem recuperar este regime, convém revisitar a sua história.

O regime dos vistos gold foi criado em 2012, durante o último governo da coligação PSD-CDS, para atrair capital estrangeiro para o país. Mas apesar das promessas de que estes vistos serviriam para criar emprego no país, a verdade é que isso nunca se verificou: só 22 das 11628 autorizações de residência para investimento concedidas envolveram a criação de postos de trabalho. Ou seja, apenas 0,19% (!) do total. A esmagadora maioria dos vistos gold foi atribuída para investimento imobiliário.

Em conjunto com os benefícios fiscais para residentes não habituais e para fundos de investimento imobiliário, os vistos gold contribuíram para a dinâmica especulativa que, a par da expansão do turismo, tem pressionado os preços das casas em Portugal. O influxo de capital estrangeiro no mercado imobiliário tem sido um dos fatores responsáveis pela subida dos preços das casas. Resultado: os preços da habitação subiram a um ritmo muito superior ao dos salários de quem vive e trabalha no país e atingiram valores incomportáveis para a maioria.

Os problemas não ficam por aqui. Além da pressão sobre os preços das casas, o regime que a AD (coligação entre o PSD, o CDS e o PPM) quer recuperar está associado a riscos de corrupção. Em 2019, um relatório apresentado pela Comissão Europeia sobre os regimes de autorização de residência ou cidadania para investimento já apontava os "riscos relacionados com a segurança, lavagem de dinheiro, corrupção e fuga aos impostos" associados a estes esquemas.

Na avaliação detalhada dos regimes de cada país (consultável aqui), a Comissão criticou Portugal pelo facto de não realizar controlos sobre a origem do dinheiro dos candidatos nem monitorizar a implementação da medida para detetar possíveis abusos. A Comissão apontava ainda outros detalhes problemáticos, como o facto de a lei só exigir que os investidores estivessem presentes no país em 7 dias por ano para terem direito ao visto.

Tendo em conta que PSD e CDS delinearam estes critérios quando estavam no governo, insistiram na manutenção do regime e votaram contra a sua revogação sempre que foi proposta no parlamento, é difícil acreditar na promessa de “melhoramento dos mecanismos”. Também é difícil perceber que “falhas de mercado” é que podem ser resolvidas com este regime de atração de milionários estrangeiros. O problema da habitação é precisamente o facto da procura externa ter feito disparar os preços e ter reorientado a construção para o segmento de luxo. Atualmente, o preço médio pago por compradores com domicílio fiscal no estrangeiro é 43% superior ao que é pago pelos compradores residentes no país. Alimentar a procura especulativa não resolve nada.

A facilidade com que a direita quer conceder autorizações de residência aos mais ricos, com muito pouco controlo sobre a origem do dinheiro, contrasta com as dificuldades que a maioria dos imigrantes enfrenta neste processo e com o tratamento que recebe por parte da mesma direita. Por muito que o tente disfarçar nesta campanha, a direita só está mesmo a falar para os mais ricos.

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