O sucesso dos novos actores nesta nova era da crispação política não se deve apenas ao seu despudor e criatividade. Deve-se também aos apoios financeiros que recebem. Apesar de terem estruturas partidárias modestas, Chega e IL mobilizam recursos próprios (isto é, excluindo a subvenção estatal) que excedem em muito os dos partidos maiores. Segundo o próprio Chega, mais de metade das suas receitas de campanha (400 mil euros) têm origem em doações, um valor sem paralelo no quadro partidário português. No caso da IL, boa parte da propaganda liberal nas redes é deixada a cargo do Instituto +Liberdade, que recebe por ano acima de 500 mil euros em donativos.
A generosidade com que pessoas e instituições endinheiradas financiam organizações políticas que apostam na crispação, sugere que uma parte dos ricos em Portugal já não tolera as opções de quem governou o país nos últimos anos, por muito moderadas que fossem. Não há aqui nada de novo: quando acham que a democracia lhes retira privilégios – sob a forma de impostos ou de direitos laborais que consideram excessivos –, alguns poderosos financiam o caos, dando poder a quem oferece ordem e “moderação”. Esperam com isso manter os seus benefícios. O problema, como a história mostrou muitas vezes, é que se arriscam a perder o controlo sobre o monstro que criaram.
O resto do meu texto pode ser lido no Público de hoje, em papel ou online.
2 comentários:
Convém recordar o óbvio: o falhanço da Geringonça. O PC e BE passaram por ser esquerda radical, alinhando na verdade com o mais descarado centrismo. Muita "responsabilidade", muita dificuldade em falar com voz grossa à mesa do governo. Pareciam agarrados ao poleiro, em vez de fieis às suas (nossas) causas.
Que a pobreza tenha aumentado e que os salários tenham diminuído em termos reais em 2022, ano de maioria absoluta parlamentar do PS, ano da maior criação de riqueza de sempre em Portugal (até então) e, já agora, ano em que se deu um dos maiores aumentos anuais dessa produção de riqueza (desde a instauração do regime democrático), diz muito do que foi o governo PS.
Não obstante, é um grande exagero afirmar-se, como no artigo, que «a remuneração real dos trabalhadores caiu 5,2% em 2022».
Nem a publicação trimestral do INE dedicada à remuneração bruta mensal média por trabalhador (destaque do INE, de 15/2/2024), baseada na declaração mensal de remunerações da Segurança Social (e da Autoridade Tributária e Aduaneira) e na relação Contributiva da Caixa Geral de Aposentações, que, com o seu enviesamento de apuramento por posto de trabalho em vez de por indivíduo, subestima no atual contexto os ganhos remuneratórios por trabalhador, confirma isso.
Pode comprovar (no ficheiro EXCEL anexo àquela publicação com os valores reais, quadro 1a) que a remuneração bruta total por trabalhador (na verdade por posto de trabalho) diminuiu, em termos reais, 4,0%.
Mas essa publicação, embora menos que outras, como os inquéritos ao emprego do INE (baseados numa amostra vocacionada para a análise da ocupação laboral), tem reconhecidas limitações metodológicas e não é nem a mais adequada, nem a mais rigorosa para averiguar a evolução, nominal ou real, da remuneração média dos trabalhadores.
Para isso há que recorrer à síntese superior, de toda a informação proveniente da multiplicidade de fontes, diretas ou indiretas, exaustivas ou amostrais, autónomas ou administrativas, principais ou auxiliares, tratadas pelo INE: as Contas Nacionais.
Se confrontar o total das remunerações recebidas pelos trabalhadores assalariados («empregados») em 2022 (INE, Contas Nacionais, quadro A.1.3.1.1, total da economia + resto do mundo, este residual) com o respetivo número médio nesse ano («remunerados», q. A.4.7), verifica que o aumento nominal da remuneração por trabalhador (e não por posto de trabalho) foi de 5,68%. Confrontando, finalmente, com a inflação média registada nesse ano, que bem indica (7,83%), concluirá que a remuneração real caiu "apenas" 2,0% em 2022.
Ainda assim, nas condições referidas, uma brutalidade, que, repito, diz muito sobre o governo PS e sobre os interesses sociais que serviu. Que não foram, evidentemente, os dos trabalhadores.
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