terça-feira, 19 de março de 2024

História, com h muito grande e muito pequeno


A história é feita de contradições e de paradoxos brutais, com os quais temos de viver. Por exemplo, em plena necropolítica estalinista, num tempo de crimes, erros e derrotas fatais para o movimento operário, num tempo de escolhas trágicas, a Terceira Internacional faz o seu sétimo congresso em Moscovo e define uma nova linha estratégica, essa sim iluminada. Negrume e luz, negrume e luz ao mesmo tempo, em todo o lado.

Bem sei que o antifascismo histórico tem múltiplas correntes, mas esta é a mais eficaz e é a que vai dar o maior contributo para chegarmos, uma década depois, ao espírito de 1945. Recebi o livro Origens da Estratégia Frentista - O VII Congresso da III Internacional Comunista do meu pai, herança intelectual, tem a sua assinatura, feita trinta anos depois de 1945, um ano depois de 1974. O tempo é habitado por grandes e coletivas cadeias e por pequenas e privadas.

Tenho procurado fazer bom uso dele, está cheio de notas e de sublinhados, dele e meus. Gosto particularmente do discurso de Dimitrov, pontuado de aplausos. Lembrei-o no final do último artigo que escrevi para o Le Monde diplomatique - edição portuguesa:

Este artigo está a ser escrito a 27 de janeiro de 2024, setenta e nove anos depois de o principal campo de industrialização da morte nazifascista, em Auschwitz, ter sido libertado pelas valorosas forças da vida soviética. Doze anos antes, a 9 de março de 1933, o comunista búlgaro Georgi Dimitrov foi preso pelos nazis e acusado falsamente de ser um dos autores do incêndio do parlamento alemão, no famoso julgamento de Leipzig, onde se defendeu corajosamente. 

Dois anos depois, em 1935, já em Moscovo, seria eleito secretário-geral da Terceira Internacional no seu famoso sétimo congresso, tornando-se um dos responsáveis pela viragem estratégica antifascista de frentes populares, “enraizadas nos solos pátrios”, reconhecendo que as tradições nacional-populares seriam a melhor bateria política para fazer face aos fascismos. De facto, o inimigo principal foi aí bem identificado, sendo que a poderosa e plástica ideia de nacionalidade lhe teria de ser disputada, o que passava por ter confiança performativa no povo e nas suas tradições de luta. 

Em 1943, em plena batalha de Estalinegrado, um economista polaco de seu nome Michal Kalecki escrevia um breve e penetrante artigo de economia política, que ficaria famoso, sobretudo depois dos anos 1970, e onde afirmou que o combate pelo pleno emprego, pela segurança laboral e logo social, através de uma política económica deliberada, seria a melhor forma de evitar o regresso do fascismo. A História não se repete, mas rima.    

Adenda bibliográfica. Recomendo a leitura de Comunismo e antifascismo: artigos e ensaios, da autoria de João Arsénio Nunes, em especial o artigo publicado na Análise Social: Da política classe contra classe às origens da estratégia antifascista. Devo dizer que este historiador me ensinou muito sobre história do movimento operário e socialista, sobretudo em contexto de interação político-partidária. Ainda hoje, passadas mais de duas décadas, lembro-me frequentemente de algumas das suas formulações lapidares.     

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