sexta-feira, 11 de julho de 2025

Será preciso relembrar as verdadeiras causas da crise de habitação?


«Na última década, Lisboa sofreu uma transformação drástica, deixando de ser uma das capitais europeias mais acessíveis para se tornar na mais inacessível. (...) Para perceber como se chegou aqui, é preciso recuar ao período que se seguiu à crise financeira internacional de 2008. No âmbito do plano de choque para reanimar a economia, Portugal adotou uma estratégia de liberalização agressiva, com o objetivo de colocar Lisboa - e o país – no mapa global do investimento imobiliário e do turismo. O governo adotou a fórmula neoliberal clássica: flexibilizou as leis do arrendamento, facilitando os despejos e reduzindo a duração dos contratos; introduziu generosos incentivos fiscais para compradores estrangeiros, incluindo os agora controversos Vistos Gold e regime de Residente Não Habitual; os fundos de investimento foram ativamente incentivados a entrar no mercado imobiliário, beneficiando de isenções fiscais adicionais. Ao mesmo tempo que tanto o setor hoteleiro como o do arrendamento de curta-duração foram estimulados, a par de iniciativas para atrair turistas, nómadas digitais, estudantes internacionais e jovens profissionais de outros países. (...) Estas mudanças ocorreram num contexto global de baixas taxas de juro, incentivando as pessoas a recorrer cada vez mais à habitação para alocar as suas poupanças».

Agustín Cocola-Gant, How Lisbon put itself on the map for real estate and tourism - and become Europe's least affordable city

Bem pode o governo tentar ofuscar o agravamento da crise, de que é responsável, insistindo na tese simplista da falta de casas (contrariada, desde logo, pela quase inalteração do rácio entre alojamentos e famílias ao longo da última década), ou continuando - como assinalou recentemente Sandra Marques Pereira no Público - a imputar a sua persistência «aos governos que o antecederam» e ao «aumento das taxas de juro e da imigração».

Em artigo no The Guardian que merece ser lido na íntegra, Agustín Cocola-Gant assinala de forma certeira o contexto e as opções políticas concretas que, incentivando as novas procuras - potencialmente inesgotáveis -, e convertendo a habitação num ativo de investimento financeiro, deram início à subida vertiginosa dos preços, que se foram afastando cada vez mais dos rendimentos da generalidade das famílias.

Esqueçam pois o ilusório «choque de oferta» e o reforço da subsídiação, que apenas agravará ainda mais o problema. E não tentem atribuir à descida das taxas de juro, ou ao aumento recente da imigração, a responsabilidade por um processo que teve início há mais de uma década. Se querem mesmo encontrar um governo responsável pela crise habitacional no nosso país, recuem a 2011 e ao memorando da troika. Encontrarão a maioria de direita de Passos e Portas, com Luís Montenegro a presidir à bancada do PSD.

2 comentários:

Anónimo disse...

Sempre achei que uma "revolução" a la flower power com um povo dormente e adormecido (e assim continua), não nos levaria longe em nenhum azimute da vida em comunidade. Vejam-se as prioridades e os planos deste país passados 50 anos: uma procuradora-geral da república que sucedeu a uma Joana Marques que foi deliberadamente corrida e que deitou abaixo um governo (e não está aqui em causa a cor do mesmo nem a filiação porque já há mais de 20 anos que não voto), foi jubilada com uma pensão de ouro. Uma outra Joana Marques, porque fez uma graçola com um duo de músicos, sentou o cú no mocho e é-lhe exigida uma indemnização de mais de 1 milhão de euros! Enquanto não se limpar o sebo a estes que nunca permitiram nem permitem uma vida digna neste país, nunca iremos a lado nenhum. Depois já podem encomendar as flores. As de condolências pouco sentidas.

Kruzes Kanhoto disse...

Uma mentira repetida mil vezes não a torna verdade. Todos sabemos quem chamou a troika e porquê. Também sabemos quem assinou o memorando e, alguns de nós, também sabemos o que lá está escrito. O resto é demagogia. Ou conversa fiada, vá.

Quanto à habitação é um debate que se podia fazer com um pouco mais de seriedade. Nomeadamente explicando as medidas - boas, a maioria - do "Mais Habitação" do governo Costa. Delas, se bem aproveitadas, pode resultar um ganho para todos. No meu caso pessoal - sou senhorio - permitiu-me reduzir em cem euros a renda de um apartamento num novo contrato. Muita gente não faz o mesmo por desconhecimento.