segunda-feira, 28 de julho de 2025
Nuno Portas (1934-2025)
«O Nuno tinha trabalhado em profundidade as questões da habitação e da política de solos. A sua influência chegava mesmo a alguns governantes da última leva anterior ao 25 de abril. Basta reler, por exemplo, o decreto lei 576/70 sobre política de solos para encontrar medidas com a sua marca, como a fixação de limites aos valores dos terrenos para construção ou o estabelecimento de rendas máximas numa certa percentagem dos fogos licenciados. Medidas então tidas como necessárias no combate à especulação, que hoje são um tabu ideológico para o “comentariado” dominante».
Helena Roseta, O maior legado
Há cerca de um mês, num debate sobre a crise de habitação e o papel da sociedade civil, e sobretudo quando a conversa começou a deambular por toda a sala, as referências a Nuno Portas surgiram em crescendo. Ora lembrando um princípio norteador da ação ou uma frase poderosa do arquiteto, pertinente e atual para o que se estava a discutir, ora recordando um episódio concreto, por vezes com uma nota de fino humor e de surpresa, em tudo o que era fecundamente disruptivo e subversivo no seu pensamento e prática política.
Tornou-se ali evidente a marca forte que Nuno Portas deixou em tantas e tão diversas pessoas, de ex-alunos e estudiosos a membros de associações de moradores. E, claro, as referências remontavam, na maior parte dos casos, ao SAAL, «um processo orgânico e maleável» (como assinalou José António Bandeirinha) de resposta à situação de profunda carência habitacional, assumindo o envolvimento das «populações mal alojadas» no próprio processo, através da sua relação com as equipas técnicas pluridisciplinares.
Para lá deste diálogo entre moradores e técnicos (arquitetos, engenheiros, sociólogos, etc.), que traduzia o fomento de pontes entre conhecimentos e saberes distintos (colocados assim num mesmo plano de legitimidade), o SAAL, filho da revolução democrática de 25 de Abril de 1974, distinguiu-se ainda, entre outros aspetos inéditos, pela afirmação do «direito ao lugar» (ao arrepio da expulsão das pessoas para as periferias, que se tornaria regra nos processos de realojamento posteriores), e da «legislação em processo», que estabelecia a aprovação de diplomas em resultado da experiência e das práticas, e não o inverso.
Nuno Portas deixa-nos no momento em que o país atravessa uma crise de habitação profunda e complexa, cuja génese e natureza impedem comparações simplistas com crises anteriores, marcadas pela efetiva falta de casas. Mas a sua luta pelo direito à habitação - o maior legado do arquiteto, como bem sublinha Helena Roseta -, e a defesa de instrumentos de regulação, tornam-se hoje ainda mais pertinentes, constituindo uma condição incontornável para assegurar esse direito e desmercadorizar a habitação. Nuno Portas continuará assim, seguramente, entre nós.
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